Dezembro 2002

Questiono-me se perdi a capacidade de escrever um par de frases interessantes. Na minha adolescência fervilhava de ímpetos que só eram refreados com um caneta de tinta permanente e uma folha de papel nívea e espessa. A caneta deslizava velozmente desenfreada e incólume a qualquer interferência externa. Á luz de um candeeiro, a avançadas horas da noite, o fulgor da alma lançava lufadas de palavras sinceras e íntimas, cheias de secretismo e magia.

Hoje, a minha capacidade de escritor desenfreado da noite está quase extinto. Já não ouço a musa, e as veias estão murchas, enquanto matraqueio um teclado gasto. Os ímpetos permanecem, só que esbatidos num nevoeiro serrado de mente cansada, e alma esquecida de como vomitar as ânsias do intimo. As tripas do nosso inconsciente estão amansadas por uma dieta rigorosa, na imagem que seguimos de normalidade.

Se na adolescência alimentava o secreto desejo de produzir poesia ou prosa literária que seria reconhecida, e qui çà, tornar-me um escritor famoso, pelo qual o instinto feminino se derretesse e idolatrasse o chão que eu pisaria. Mas o destino e o fado não o permitiram e condenaram-me ao esquecimento da banalidade dos leigos.

Recordo como se fosse hoje o dia turvo que queimei de impulso todas aquelas folhas já amarelecidas que se esbateram em chamas e fumo. Mais tarde julguei ter sido um mero sonho ou ilusão, e que a “Fênix Renascida” , “Mergulhando no Mar Absurdo”, “Doce terna adormecida”, “Sangue derramado” iam estar ao alcance da minha mão. Erro meu. Estavam mortas, reduzidas a pó e na minha memória só restavam cinzas de um subproduto disforme de noites de vigília.

Foram-se de vez, mas contudo descansam em paz, protegidos do meu revivalismo.
E quem sabe talvez a veia apesar de murcha ainda não secou totalmente. E tal como o mito da Fênix, renasça das suas próprias cinzas, ao contrário dos pelicanos côr-de-fogo.