Abril 2004

Estou bastante feliz, mas num deficit mental preocupante. Sinto-me a correr contra um cronómetro incomensurável e intolerante perante os pequenos imprevistos e atrasos do dia-a-dia.
Esse estranho tiquetaquear como que me sufoca, muito embora a coragem de repensar e agilizar a minha mente aumentam a cada instante, tornando-se mais fácil estar preparado e mais alerta para essas novas alterações que se avizinham.

Neste fim-de-semana pude constatar a enormidade que é a indústria cosmética e o que ela faz movimentar – eu já sabia o quanto a nossa sociedade valoriza a imagem e o conceito «capa de revista» para o perfil feminino e masculino. No entanto escapava-se-me algo importante para perceber o porque de tão grande interesse, no qual eu também vivo: a imagem na vertente da promessa de beleza e juventude mexem em instintos animais básicos, capazes de nos tornar obcecados na sua persecução.

Não ter gorduras, carnes flácidas, olheiras, pele amarelada dá-nos um aspecto mais atraente, saudável e logo maior capacidade de agradar ao sexo aposto. Assim parecer mais jovem é também um sinal de sobrevivência pois a morte estará mais longe da juventude.

É nestes parâmetros que a vaidade se mistura com o consumo e toda uma engrenagem de produtos mais ou menos milagrosos é uma salvação para as nossas pobres mentes consumidoras. Ser belo é a doce miragem da sobrevivência, da capacidade de vir a ser feliz como nas revistas cor-de-rosa, num sonho que nos arrasta para a fogueira das vaidades. Como num anúncio de perfume ou de baton: a vida passa a ser perfeita graças aquela cor ou odor.

Ausente, sofro por mil tormentos que não mereço, ou que não tenho direito de sofrer. É tempo de tentar uma réstia de esperança, ou pelo menos tentar colar os múltiplos estilhaços e inúmeros cacos em que se estilhaçou o meu futuro. Apenas quero um perdão e a chance de recontruir a edificação que ficou abalada.