basta

2 . Quando se instalou o pânico

Logo quando me vi em quarentena senti uma estranha combinação de emoções.  Já as escolas fechavam e as incertezas eram muitas, que o que me preocupou inicialmente foi colocar em segurança os meus. Ao sentir que o isolamento era a única via eficaz de se estar seguro, no meio de tanta informação errónea e pavor difundido nos média apercebi-me que havia a necessidade de me acalmar. Estávamos seguros. Isto na eventualidade de já não estar contaminado. Sentia um misto de pânico e alívio: mergulhávamos numa grande incerteza mas ao mesmo tempo eu sabia que estava a tomar a atitude mais sensata.

Quando surgiu a primeira segunda-feira que não saí para trabalhar nem levar as crianças para escola, a minha mente baralhada não assumia um registo de vida doméstica voluntária nem de descontracção. Afligia-me com a óbvia incerteza dos próximos dias e semanas (sem imaginar que seria mais indicado contabilizar meses). Primeiramente o terror pelo medo de adoecer com o vírus ou de o já ter transmitido aos meus pais, à minha mulher ou aos meus filhos, depois com a possibilidade de colapso económico que se poderia abater.  E aqueles pequenos prazeres da vida que me são tão caros, como correr ao fim do dia teriam de ficar em suspenso: era algo que estava do lado errado da porta de casa.

A primeira semana foi talvez a mais complicada. A minha mente não se adaptava e não queria dar sinais de preocupação aos meus entes queridos. Sei hoje porém, que apesar de tudo, era apenas uma mera nova realidade que me custava a assimilar e a entender. Todo o ser humano teme a incerteza, por muito aventureiro e corajoso que seja o seu temperamento. A grande questão que se coloca prende-se de como o encaramos. Se é algo que não podemos controlar isso motiva dentro de nós um turbilhão de pensamentos, expectativas e ansiedades que nos consomem.

Há mais de dois anos numa altura de bastante desassossego interno decidi tentar meditar. Eu pensei que fosse uma boa forma de apaziguar a mente, combater as depressões sazonais e diminuir o stress. Para meu espanto, a tarefa revelou-se bem mais difícil do que tinha imaginado. Meditar em si, não é muito fácil – estar quieto, a sós com a nossa mente liberta o tal cérebro primata que se recusa a serenar ou a obedecer a vontades. Mas com o hábito e com algumas meditações guiadas, a prática começa a dar alguns frutos. Agora que medito regularmente desde então, fiz-me valer desse caminho para encontrar alguma paz em tempos de pandemia. Nos primeiros dias, apesar de estar bem capaz de meditar profundamente a minha mente lutava na sua ansiedade em se tornar calma. Parecia de novo um noviço, que fechava os olhos e não sentia a calma que advém de quem segue o caminho meditativo.

Saber que um vírus, um pedaço de sequências genéticas, um parasita microscópico sem vida, fez parar o mundo tal como o conhecemos é como que absurdo. Mas de facto aquele ser minúsculo  abalou os alicerces das nossas convicções sociais, fez vacilar políticas e arrasou economias. Como algo tão pequeno e basicamente invisível provocou tal alvoroço fez-me pensar e também meditar numa questão que para mim é cada vez mais importante entender: tudo nesta vida é transitório. Mesmo as coisas que temos como dados adquiridos e imutáveis são de facto passageiras.  De repente a ideia de que coisas tão simples do nosso quotidiano tais como viajar, abraçar a família e os amigos, ir a um restaurante, ir a uma loja tornaram-se actividades perigosas e em breve proibidas. Tudo que considerávamos como as bases da nossa liberdade individual, da nossa sociedade de consumo em tempos de paz, não passavam afinal de actos meramente efémeros, sujeitos a imprevisíveis condicionantes do destino. A solução seria deixar ir… Ou algo assim, se é que o destino existe…

As notícias anunciavam um número crescente de mortos e unidades de cuidados intensivos começaram a encher-se. Em Itália o descalabro fazia-se sentir e em Espanha a hecatombe iniciava-se. As certezas eram poucas e obviamente aquela história de lavar bem as mãos não era o suficiente. Os sites de entrega de mercearias e supermercados online simplesmente deixaram de funcionar, tal era a procura, ou na melhor das hipóteses só fariam entregas para dali a umas duas ou três semanas, o que, dadas as circunstâncias, mais pareciam as calendas gregas. E assim foram aqueles primeiros dias de confinamento.

Agora que se fazem as limpezas de Outono em casa e que a rotina estudantil dos meus pequenos entrou em velocidade de cruzeiro, é chegada a altura em que sabe bem reatar as azafamas e atividades salutares do pós-férias.

Este ano quero que algumas das boas vibrações do Verão perdurem para lá do Outono e que se estendam num novo ritmo: queria-me libertar do excesso de stress que nesta época tende-me a cobrir de preocupações. Habitualmente no fim de Setembro sou já um caffeine junkie, consumido nas horas e nos atrasos, etc… Para não naufragar neste esquema de deixar a vida fugir entre os dedos das mãos, nervoso e tenso com a correria que é a azafama diária vou tentar implementar algumas regrar às minhas células cinzentas no sentido de o que me rodeia, sem deixar que a minha mente fique presa no momento que vem a seguir.

Para conseguir este milagre, vou seguir o que a experiência (para não lhe chamar a idade) me tem ensinado ao longo dos anos que calcorreio esta Terra. Em primeiro lugar não acreditar que num momento para o outro a minha lucidez e força de vontade sobre-humana me vão tornar instantaneamente num guru imune as vicissitudes da vivência neste mundo – é antes um processo gradual em que cada dia se sobe mais um degrau. Em segundo lugar, vou evitar os acontecimentos e influências que despertam em mim o nervosismo, a inquietação e o desconforto emocional. Coisas simples como evitar noticiários de desgraças ou polémicas infrutíferas nas redes sociais, conflitos de pensamentos infrutíferos sobre visões políticas ou futeboleiras, ou ainda não ouvir músicas ou ver filmes de carácter violento. No fundo, fugir dos pequenos conflitos que assolam o nosso quotidiano e buscar um pouco mais de paz. E em terceiro e último lugar seguir o conselho de uma alma amiga e iluminada – naqueles momentos menos felizes em que o nosso lobo mau interior ameaça se soltar da sua jaula, fechar os olhos respirar fundo e imaginar aquele momento especial de relaxamento e de profunda felicidade que nos inundou a alma. Basta recordar esse sentimento por alguns segundos e os nossos demónios se desvanecem e a nossa pulsação se regra novamente.

Este ano vou trazer os bons vibes do Verão até quando o frio começar a apertar. E talvez escrever um pouco mais aqui também me ajude nesses exorcismos. A ver vamos…

Nestes dias de outono, quando as árvores se despem das suas folhagens e o castanho esvoaça pelo chão das ruas não consigo resistir a uma melancolia típica de quando as folhas caem e as nuvens cinzentas enchem os céus.
Os dias longos de calor estão já muito distantes no tempo, mas muito perto na memória, e a saudade dos raios de Sol a aquecerem a nossa pele aumentam.
As recordações do verão passado povoam a mente como se fossem de outra dimensão, como de outra vida de tão diferentes. A memória sensitiva do calor e a lembrança do cheiro a arreia da praia húmida ou do campo ao entardecer de um dia tórrido. Como se o olfato e o tato tivessem memórias próprias e zonas de conforto tão intimas que se dissociassem de tudo o resto. Dá-me um arrepio na espinha imaginar de novo essas sensações que desfrutei ainda não há muitos dias atrás. Hoje quando as gotas de chuva escorrem na minha roupa sinto a estranheza dos tempos e do tempo, ainda para mais que agora rodeado das intempéries agarro-me às boas recordações de um passado recente, feliz e despreocupado. Tenho que aprender a requisitar aos meu neurónios que reproduzam novamente a sensação de calma e equilíbrio que o verão me proporcionou, quando nestas manhãs outonais a sinto as buzinas de uma fila de transito, a ansiedade dos minutos que escasseiam e o desconforto do frio. Talvez eu aprenda nesses momentos de crise da rotina a buscar refugio nas sensações de estar entre as sombras das cerejeiras e oliveiras a brincar as escondidas com os meus ternorentos filhotes ou desfrutando de uma breve leitura na espreguiçadeira da piscina enquanto um olho vislumbra de vez enquanto as brincadeiras aquáticas dos garotos.
À medida que envelheço, começo a aprender finalmente que procurar ser feliz não está correcto na sua essência. É uma falácia, pois a felicidade é um caminho, e não um destino. Se está a chover e se está frio podemos ter e sentir o conforto e a satisfação do verão, mesmo no mais rigoroso dos invernos. Basta querer.

Não sei se vou conseguir envelhecer como o meu amado vinho do Porto, mas sei que a minha motivação de permanecer aberto a novas ideias e vontades faz de mim menos conservador.

Talvez não seja mais o jovem envelhecido como era antes a minha matriz conservadora, mas sim um velho bastante jovem de pensamentos mais liberais. Talvez que o tempo nos ensine que o tempo passa demasiado depressa para nos levarmos muito a sério.

Depois do circo mediático ter assentado o seu arraial em torno da prisão preventiva do ex-primeiro ministro José Sócrates é inevitável pensar que a nossa democracia está a ser posta à prova.

Recordo-me que na história, casos como este, em que um ex-governante vai preso por indícios evidentes de enriquecimento ilícito levaram ao colapso das instituições e por conseguinte do próprio estado. Nem vale pena falar no caso em si, na personagem abjeta que durante uma década dominou a politica portuguesa, mas sim reflectir como é que é possível que a cultura politica portuguesa esteja repleta de Felgueiras, Isaltinos Limas, Varas e agora Sócrates em que aparentemente desde o presidente da Junta até ao Primeiro Ministro e qui ça, até o Presidente da República gosta de enriquecer às custas dos cargos públicos que exercem.

Não sou pessoa para atirar a primeira pedra, muito menos para achar que esta situação seria impossível – só que estivesse em coma nos últimos vinte anos e acordasse hoje acharia isto estranho; mas acho que chegamos a uma situação de descrédito tal que a democracia está terrivelmente ferida. Os danos feitos pelos tachistas incompetentes que se fazem passar por líderes e pelos carreiristas partidários e jotinhas que aguardam a sua vez de chegar ao poder pôs em causa a credibilidade da republica portuguesa – isto para não falar na falência do Estado – e se não fôssemos nós gente de brandos costumes (leia-se carneiros) teríamos há muito tumultos e quem sabe um ou outro golpe de estado por forças extremistas. Isso seria o normal noutros países, mas felizmente ou melhor pensando infelizmente não sucede em Portugal.

Neste jardim à beira mar plantado desde que se vai a votos há caciques e os enganos da rotatividade partidária – desde tempos Queirosianos – extrapolados no período republicano de há 100 a 90 anos atrás. Depois tivemos um fascismo provinciano de embrutecimento das massas e favorecimentos das elites governativas que durou quase meio século – sistema que só sucumbiu por um golpe militar algo estranho nos cânones das revoluções. Um 25 de Abril de panos quentes e muitos comícios utópicos que deu lugar a um novo bipartidarismo disfarçado que descreve a nossa existência democrática dos últimos quarenta anos.

A justiça portuguesa, famigerada pela sua ineficácia processual, pelo desmesurado poder dos meritíssimos e intocáveis juízes e pela teatralidade da barra do tribunal gordurosamente burocrático, vem agora a jogo em inúmeros processos contra corruptos e corruptores, mas que a mim, mais se assemelha a um foguetório mediatista do que ao natural decurso e independência do poder judicial.

Uma democracia para subsistir necessita por definição de três poderes separados e que garantam o correcto funcionamento dos outros três, numa simbiose que permita que o estado represente as aspirações do seu povo. Do povo e para o povo.

O equilíbrio do poder executivo, legislativo e judiciário em Portugal esta claramente em rotura, por inúmeros problemas a começar por uma Constituição cheia que boas intenções e virgulas a mais e que permite que o estado seja gerido a toque de pandeireta ou a marcha militar conforme a interpretação do leitor. O código penal é uma piada e o código processual parece que está cheio de vales do monopólio de sair da cadeia que advogados bem pagos sabem explorar ao limite. O poder executivo está nas mãos de um chamado bloco central que está contente com a apatia do sistema que permite graças ao clientelismo e clubismo dos eleitores que haja uma rotatividade do poder entre dois partidos que se revezam e alternam, mantendo o status quo e nada fazendo em prol do país. Se correr mal, basta esperar uns anos e volta-se para o poleiro. Se preciso faz-se uma coligação e os tachos perduram. E basta uns anos num cargo ministerial que se arranja uma fortuna em consultorias e outros negócios obscuros num futuro próximo. Basta que se esteja atento às oportunidade de corrupção ou falta de nojo ou cunhas que o sistema tem bem instalado na sua génesis.

No fundo estes políticos em que temos votado nos últimos quarenta anos são as térmitas que devoram aos poucos a talha dourada que é a democracia portuguesa. Brilhante por fora, mas empestada e podre por dentro.

Se eu pudesse concretizar todas as metas que me propus atingir em 2014 seria um super-homem. Já metade seria uma enorme façanha.
Apesar de saber como é difícil ir atrás desse objectivos demasiado optimistas feitos com o auxilio de vapores de espumantes é importante fazer a nossa parte e pelo menos tentar fazer algo em prol do que queremos.

Se há algo que aprendi nos últimos anos, em particular no mundo da corrida, é que nada se atinge se pelo menos não se der o primeiro passo. Não se pode terminar uma corrida se não nos levantarmos do sofá, calçarmos as sapatilhas e começarmos a correr. Assim também é na vida. Sem motivação e sem o desejo de começar não há melhorias na nossa vida. Desenvolvimento só existe se estivermos cientes que queremos evoluir: melhorar começa por querer. Mas isso é o primeiro passo da corrida, muito embora seja o que talvez custa mais, mas não basta. Correr é perseverança e reflexo da vida nenhuma meta se atinge se desistimos a meio do trajecto.

2ª parte – As razões
ou
Um basta à falência

Sábado dia 12 de Março, no dia que fazia dois anos de casado foi com satisfação e esperança que me dirigi até a Batalha para participar na manifestação. O porquê de me incluir nos protestos não foi por estar à rasca, uma vez que felizmente me posso considerar um desenrascado, mas sim por não poder compactuar com o meu silêncio com as políticas que transformaram Portugal, mais uma vez, num país sem futuro. E como eu, grande parte dos manifestantes. As palavras de ordem não eram muitas, mas nunca ouvi frases tipo «quero um emprego» ou algo dessa índole, mas sim só sobre a incapacidade dos políticos.

Grande parte desta ausência de futuro se deve à minha geração, que encarou a intervenção politica (muito erradamente) como coisa de fanáticos – uma reminiscência dos abusos do PREC a meu ver. Mas o que eu não entendo é que ainda haja a imagem nalguns meio que a manifestação de 12 de Março foi geracional e só acerca da precariedade dos empregos. Não foi só acerca disso. A manifestação não foi só contra a crise económica. Nem até só anti-governo. Foi tudo isso e muito mais. Espanta-me que muitas pessoas queiram reduzir tudo a pequenas parcelas da questão, a uma questão de jovens desempregados. Nas rua eles não estavam sós. Estavam as pessoas que ainda se interessam!

O que me levou a participar nessa manifestação – e que me encheu de orgulho e esperança por ter tanta adesão com a mesma motivação que eu – foi a necessidade de começar a dizer basta à actual falência politica. A falência que não é só governativa mas sim política, onde os nossos decision makers são caducos e personagens da nomenklatura partidária, agentes em última analise do status quo das últimas duas décadas. E isto sejam quais forem as siglas e cores que vestem, têm apenas o intuito de servirem o partido e os interesses e ambições pessoais e não o chamado servir a pátria e o bem-comum.

Manifestei-me contra a mediocridade dos políticos e a ausência de ideias políticas que possam regenerar o país, coisas que não abundam num regime podre e decrépito – o modelo democrático português precisa de uma transfusão sanguínea urgente. Precisa de ideias e ideais novos, e essencialmente de líderes que não estejam afastados do povo e dos cidadãos após anos de corrupção do poder partidário.

O fim de semana passado foi recheado de reencontros sobe o auspicio natalício.

Almoços e jantaras estavam agendados, a custo, nas agendas sobrecarregas da época. Com ou sem renas, o Natal tem vindo a preencher os restaurantes festas e encontros, pretextos para gastar alguns trocados enquanto estão no bolso. Isso já é tradição entre nós.

Logo ao almoço, numa festividade pouco tradicional, recheada de rebentos, acho que me comovi bastante por ter reencontrado J. passado todos esses anos de tempestuosidades inúteis sem sentido que nos afastou. Mas num click e porque a maturidade assentou nas nossas mentes com os anos, tudo se resumiu a sorrisos e cumplicidades. E isto com as maravilhas ao meu lado.

Ainda a suspirar fui para o jantar, que já tradicionalmente junta a trupe do inspector P. e o notável N. Ainda que fosse no sitio do costume, havia a bomba atómica – uma cápsula do tempo filmada por Sony´s Video8 e que devidamente editada, nos caiu numa exibição cinematográfica para reportar o que nos fomos em catraios. A imagem daqueles adolescentes irreverentes e bastante palhaços (para não dizer outra coisa) , além de gerar alguma incredibilidade acerca da quantidade de anos que se passaram, fez uma onda de saudade e fraternidade entre os presentes. Ver a nossa praia ainda não muito betonada, ver o quanto éramos magros, as nossas asneiras, a postura 80´s , as inocências e as sem-vergonhisses, deu um ar muito nostálgico mas feliz. Foi bom reviver o Passado, é ainda melhor viver o presente.

Seria vulgar dizer que te amo. Isso não basta, nem exprime o que sinto, nem como sinto por ti. Pareceria uma frase feita, um chavão esbatido pelo o uso, e não diria o que te quero dizer cada manhã que acordo a teu lado e me sinto feliz por isso.
Bastava ver o meu olhar para ver o brilho, do meu espelho de alma que vibra por ti.

Sonhos Urbanos

A ilha verde foi um destino de fuga fabuloso e inesperado. Eu nunca tinha antecipado os Açores como uma rota de férias, mas fiquei surpreso por muitos motivos.

Antes demais seria a visitação ao maninho no seu constante degredo e auto-ostracismo insular, e por outro lado era mais uma aventura a dois num local de férias distante.
Logo deu para depreender que caíramos em desgraça perante o S.Pedro e que o Sol nunca nos estaria reservado, mas sim um abundante ar húmido e pincelado com bastante nuvens negras e até aguaceiros. Mas isso era o menos importante num cenário tão peculiar, plantado em pleno centro do Oceano Atlântico. Fiquei atónito com a imponência do azul, do verde florescente e pela relatividade do tamanho de S.Miguel.

Logo à chegada fui brindado pelas verdadeiras excitações dionizinas do meu maninho e praxado a rigor com minis a ponto de pensar se não estava a ter um dejá-vu pois a minha chegada à Madeira, há meia dúzia de anos atrás, tinha tido o mesmo inicio rocambolesco. Espantado fiquei por ser acompanhado com semelhante entusiasmo, e companhia de desacatos hepáticos. A factura foi muito pesada mas acompanhada de iguarias culinárias únicas que me valeram uns bons quatro kilitos numa semana.

Logo se seguiram as viagens turísticas exigidas quando se está num cenário tão espantoso. Mesmo ao volante de um boloide conseguimos correr o que eu considero ser uma das belezas naturais mais espantosas que consegui presenciar e apenas sei que nenhuma descrição poderá alguma vez traduzir a maravilha que se desenlaça no olhar.

E aquela invasão na retina de beleza numa verdadeira jangada de pedra fica na minha memória de bons excelentes momentos, de liberdade e consciência da vastidão do planeta terra e do maravilhoso Atlântico.

Comemorar três décadas exige alguma ginástica mental. Não é apenas a questão do simbolismo do número redondo, mas sim porque se congemina a ideia frequentemente errada que depois dos vinte é necessário assentar. Puro erro dos mais envelhecidos da mente.

A maninha decidiu e bem comemorar num ambiente muito peculiar: no maior centro de actividades radicais da Europa. Num belo calor de Setembro, um fim-de-semana agitado a carburar cartuchos energéticos que eu não conhecia em mim sigo para as montanhas a norte, junto com a minha
Purpurina
para festejarmos as três décadas da maninha, não sabendo exactamente o que nos esperava na casa da família.

Logo a companhia se avizinhou perfeita, com crianças alegrando o ambiente de trintões, num chalé de madeira num monte perfeito. Mas a adrenalina era o nosso objectivo e lembrando-me do anjo sem asas quis experimentar um dos maiores slides da Europa. Foi uma experiência rápida e estimulante deslizando suspenso por um arnês montanha abaixo, parando quase para lá de onde a vista alcançava. A doce adrenalina é a mais potente de todas as drogas e que nos rejuvenesce e enrijece em dois tempos.
Mas mais adrenalina foi o curto percuso num valente UMM subindo a colina quase no mesmo tempo que demorou a deslizar… algo de verdadeiramente radical.

Confraternizando e soprando as velinhas estivemos cultivando a companhia e amizade, a aventura e as brincadeiras coloquiais, num par de dias excelentes, daqueles que alguem se atreveu a dizer que tinham sido dos melhores dias da sua vida.

Mas extremamente radical e de primeiríssima apanha foi a travessia de 38 pontes suspensas, estilo Indiana Jones, que um grupo restrito se aventurou ao longe de duas extenuantes horas e onde as vertigens eram o pão-nosso de cada segundo, mas que deram um extremo prazer de atingir e superar os obstáculos, um após o outro, sentido que por dentro também seria possível superar objectivos complicados, apenas às custas da força de vontade: mais que uma prova física era uma prova mental – os medos vencem-se a punho, as conquistas vencem-se a suor, basta que a nossa mente queira mesmo superar todas as barreiras.

E exultante após longa travessia suspensa ganhei o direito a um dos mais saborosos cabritos assados da minha vida, envolto em amizade e companheirismo.

No ano que se completavam trinta edições, decidi-me a uma aventura política por cores que não são as minhas e ver pelos meus olhos a maior festa politizada em Portugal. Rumo a grande cidade e passando a grande ponte parecida com as notas de quinhentos, ladeado pela
Purpurina
e amigas e pelo fiel companheiro de armas.

Após o reboliço de acertar com o trajecto e arranjar o livre acesso a tenda num extenso aglomerado de cogumelos de pano que dava para perder de vista, eu, vosso excelentíssimo comentador de façanhas mais ou menos banais, dei-me por mim em plena festa da Quinta da Atalaia, qual pára-quedista ou agente infiltrado no covil do lobo. Dez minutos bastaram para perceber que a festa do Jornal do Avante! está revestida de um carisma excepcional, onde parece que uma espécie de bolha revivalista está isolada do resto da realidade. Trata-se de assistir a uma zona livre de fast food e quase todas as formas capitalismo imperialista, e onde velhos e novos se atropelam de forma civilizada perante uma poderosa e bem oleada máquina de militantes voluntários que fazem a festa existir. O proverbial e lendário poder organizativo do PCP, provavelmente o mais poderoso exemplar em vias de extinção na Europa do comunismo marxista-leninista, deixou-me espantado. Como num belo exemplo idílico de socialismo, o proletariado organizava-se de forma a executar problemas complexos de organização com a máxima eficiência.

Mas mais que as questões de desempenho e de coloração militante existia a festa em si: um ambiente de genuína fraternidade como nunca presenciei, e que me senti privilegiado em sentir na pele tal alegria de grupo.

Calor e falta de banhos à parte, assim como um arrufo empolado, a festa do Avante mostrou-me uma miríade de sentimentos diferentes e de que eu não estava a espera, como naquelas experiências que se devem recomendar a gregos e troianos. Foi sexta a domingo em grande, acelerador a fundo, saltando ao som da Carvalhesa, tentando adormecer na tenda debaixo de gritos da Elsa, provando os Mojitos, descansando à sombra, passeando ao Sol e deliciando-me com o Sérgio. Para o ano há mais camaradas! E espero que seja com os mesmos camaradas.

Esperar ou vir esperar querer ou vir querer-te
vou perdendo a noção desta subtileza.
Aqui chegado até eu venho ver se me apareço
e o fato com que virei preocupa-me, pois chove miudinho

Muita vez vim esperar-te e não houve chegada
De outras, esperei-me eu e não apareci
embora bem procurado entre os mais que passavam.
Se algum de nós vier hoje é já bastante
como comboio e como subtileza
Que dê o nome e espere. Talvez apareça

No interregno das emoções fortes, foi-me necessária uma pequena barbárie masculina do campo futebolístico. O verdadeiramente glorioso tentava a dobradinha, e colocou-se em cima da mesa a possibilidade de ir numa comandita de adeptos ferrenhos até ao estádio do Jamor.

Ver o desporto das massas nunca me fez pulsar de emoção por aí além, mas devo reconhecer que assistir a uma partida de futebol do nosso clube de eleição dá muito adrenalina e eu gosto de todo o teatro envolvente, todo o cerimonial clubístico e da clubite de massas dentro dos domínios da civilidade. Ela ainda existe mas não vem como é obvio nas notícias que só se interessam por revaches asininas e histerismos de violência nos estádios ou de animais, que por sinal vi ao vivo pela primeira vez.

E eis que o comando de torcedores se organiza, muito embora duas desistências de última hora tenham comprometido bastante a organização e em particular o orçamento. Um comando formado por sete indomaveis, munidos de uma carrinha de transporte se faz à estrada na madrugada de domingo. Eu era dos poucos que não fazia parte das forças policiais, onde inspectores e sargentos à paisana se faziam à grande cidade.

O inspector P tomou o volante, e para bem dizer, com bastante sucesso até uma malfada subida da CREL, onde as últimas gotas de gasóleo se evaporaram e nos deixaram a penantes. Só faltou o garrafão de 5 L de praxe para nos disfarçarmos do verdadeiro rancho do piquenique portuga enquanto esperávamos contrafeitos pelo providencial auxílio da Brisa com o seu bidãozinho de 28 €.

Desfeito o contratempo, rumamos a um almoço pantagruélico, à antiga portuguesa no Forcado de Loures, com a tradição cretina em que os aniversariantes beijam uma cabeça de touro empalhada ao som da zarzuela tauromáquica, mas em que as entradas são de ir até às lágrimas. Regados e de estômago cheio, seguimos para o Jamor, esse belo parque de romarias e piqueniques à séria. No caos de pó para estacionar e das correrias de última hora lá nos instalamos em plena claque setubalense do lado oposto ao mar Azul do nosso FCP.
Felizmente o ambiente de taça estava nos nossos vizinhos, que após o jogo nos cumprimentaram com excelente fair-play. E a dobradinha foi nossa muito embora o local fosse tão mau que nem deu para apreciar o jogo… mas a festa sim.

E a quinta dobradinha do FCP foi a minha primeira e muito provavelmente ultima ida ao Jamor, pois não posso imaginar-me outra vez a levar com duas horas para sair do mar de pó onde a carrinha estava engarrafada. Valeu a companhia e a escolta policial e o facto de o Cavaco ter entregue o caneco. C´um caneco!

O meu feitio tem muitas facetas contraditórias, muitos defeitos, mas ultimamente vive carregado de esperanças e equilíbrios ganhos a custo. Uns dos meus escapes favoritos são as minhas pequenas excentricidades, que podem ir de um universo relativamente banal da sanidade, até ao limite de ser tido como uma das possíveis aquisições da equipa de futebol 7 do Magalhães Lemos.

O facto de não me impor muitas regras, permite-me abraçar esses pequenos devaneios com muitas repercussões do foro monetário e até físico. Se aceitarmos um conceito bastante válido de que não poderemos levar o cartão multibanco no caixão, e que a certa altura a nossa saúde vai mesmo desaparecer apesar de todos os esforços em contrário, coloca-se-nos uma questão muito simples: porque não?

É certo que me recrimino por alguns gastos excessivos, mas estar no clube gourmet é sempre uma razão de júbilo, em que cada cêntimo é maximizado até ao último momento de prazer. Por outro lado, os gadgets que povoam a minha casa têm tido enorme utilização, tipo hour-and-hours of fun. Claro que fico com um pouco de sentimento de quase culpa, ou até vergonha por me estar a tornar um geek fora de tempo. Mas eu sou dado a excentricidades, certo? Se me apetecer ter comportamentos típicos Cro-Magnon, e desde que não verifique se a moca funciona correctamente quando admnistrada no craneo dos vizinhos, ninguém tem nada a ver com isso.

Também não vou ser possuido no amago por um ancestral homem de Neandertal, apenas porque prefiro socializar-me de uma forma mais exclusiva e talvez mais intensa, prosseguir com uma maior auto-indulgência, maior receptividade aos meus apetites, e fundamentalmente quebras hábitos e correntes. Liberar-me dos condicionamentos na sua forma mas acabada e última.

Em determinados períodos, vá-se lá saber porque carga de água, sou demasiado propenso a letargias cíclicas. O facto que não escrever estas últimas semanas aqui apesar de uma enorme vontade é disso um exemplo acabado de como sou um ser bastante inconsistente para com os meus pequenos prazeres.

Desculpas aparte, estes últimos dias têm sido propensas a fait divers que me recordam de algo verdadeiramente excepcional: a vida tem inúmeras surpresas e quando julgamos que o planeta terra já rolou tudo que tinha que rolar para nós, eis que algo faz com que mergulhemos na máquina de lavar a roupa em pleno ciclo de centrifugação.

Acho que são as pequenas-grandes diferencias que nos recordam que a Vida tem sempre um V maiúsculo e que o deus das pequenas coisas está presente para nos dar momentos únicos de beleza e êxtase. Basta que tenhamos a alma aberta para abraçar novas aventuras.

Correu tudo bem. A visita da olímpica amiga fez com que o fim-de-semana fosse especial e apesar do corre-corre. As desilusões dos antros noctívagos programados com antecedência e escolhidos a olho para dar um ar de bom cicerone mostraram-se bastante ridículas.
Felizmente a gastronomia quase estritamente vegetariana foi brilhante e o risco audaz da galinha Vindaloo deram um sabor especial a umas conversas muito interessantes e lúcidas.

Nada melhor que ter uma visita tão ilustre e nobre para alegrar os nossos dias com a sua simpatia, inteligência e cultura e estreitar laços de amizade além fronteiras.

Pelo meio deu para agraciara pequena L. e os seus babosos pais, no seu primeiro aniversário.
O tempo passa ligeiro…

Dou-me conta que as intempéries emocionais na minha vida são tão pouco tempestades passageiras. Muito vulgar-me formam-se furacões de intensidade 5, mas que mais tarde ou mais cedo, vão perder a força e tornarem-se tempestades tropicais.

As chuvadas e vendavais não perduram. E tal como existe um clima dinâmico também no meu intimo sucedem-se as chuvadas e o sol resplandecente. De nada serve contrariar os elementos. Quando cai granizo, resta-me abrigar-me e esperar pacientemente que o Sol volte a brilhar. De nada adianta ameaçar as nuvens negras, dar murros ao vento, ou praguejar com os trovões. Basta esperar. Não tarda a bonança chega. Como num equilibro majestoso, por cada gota de chuva que cai, por cada baixa de temperatura, haverá sempre um raio de sol, um calor aconchegante.

Tudo está baseado num ponto de equilibro, tarde ou cedo o êmbolo tornará ao ponto de partida. Resta saber o Boletim Meteorológico com as previsões para os próximos dias.

A música sempre foi importante para mim. A música para mim é um modo de extrapolar a alegria ou de travar a tristeza, um remédio sempre pronto a ser administrado directamente do ouvido e que chega ao cérebro numa dosagem diária.

Mais importante é que tenho a mente sempre em busca de doces novos, palatos revigorantes de melodias frescas. Uma fome insaciável. Amar a música não e só agarrarmos as canções da nossa vida, mas sim deliciar-se com a textura e genialidade de novas batidas ou vibratos. Admirar a deambulação jazzística, ou as batidas electrónicas, os fantásticos efeitos vocais ou ainda até a velha gaita-de-foles. Do D&B ao Raggie, do Euro Dance ao Acid Jazz.

Porém nem tudo que vem à rede é peixe. Demasiadas vezes a música de consumo não passa de um hambúrguer de consumo imediato, para entupir as veias, e neste caso os tímpanos. Há quem prefira um hambúrguer a um coq au vin. Eu não.

Fico triste que se designe como música portuguesa o género musical dito pimpa. Não concordo que aquilo seja música, mas sim um produto embalado. Uma caixa de som de 1998, um estúdio, um microfone. Basta isso. Uma espécie de cachorro quente em que só variam os condimentos que a senhora da roulotte coloca em cima e que apenas serve para disfarçar que a salsicha é das mais baratas possíveis e o pão é de anteontem. E assim se faz o Pimba em Portugal.

Estou politicamente desiludido. Raramente me perco em discussões políticas, nem tenho paciência para troca de apupos dogmáticos ou esgrima de argumentos ortodoxo-partidários. Isto não quer dizer que não me interesse pela política no sentido que os seus resultados têm consequências profundas na nossa vida, quer queiramos quer não.

Seguir as rixas políticas em Portugal foi sempre um segundo desporto nacional. Basta ler Eça e perceber que nos ultimos 120 anos pouca coisa se alterou na maneira de estar na política portuguesa. Nunca entendi porquê, mas isso está intrincado na cultura lusa, de forma quase doentia.