Fevereiro 2003

Enfrentar contrariedades ou algo desse género, gera em mim uma espécie de antítese comportamental. Já há muito tempo que sem estar em férias não passava tão poucos serões em casa. Creio que estou a atravessar uma fase de relativa popularidade, que sem dúvida me faz encarar de forma objectiva o reino da subjectividade e emoções. Como se focasse a meta e não o percurso.

Ser cavalo de corrida não é propriamente o que desejo da vida, mas por vezes precisamos de percorrer as duas léguas sem pestanejar, forçados a um galope que não dá para espumar ou sequer para sentir as rédeas, arreios e o chicote. É só galopar até à meta, com todo o empenho, sem ter tempo para dúvidas.
Os momentos que antecederam a partida eram de tensão extrema e nervosismo. Mas quando as cancelas se abriram, nada mais importa, a não ser aquele momento de adrenalina total, onde o instinto nos derruba toda a consciência e nos leva.
O desgaste da corrida vem depois, não importa. Mesmo que os danos da corrida sejam irreversíveis, e os ligamentos fiquem inutilizados, um cavalo de corrida não vai deixar de correr até ao seu limite.
N. e eu estamos num hipódromo, e só vamos parar quando passarmos a meta, quer em últimos ou primeiros. Isso não importa. Basta que nos deixemos levar pela suprema vontade e satisfação que a corrida dá.

Seriamente mas não serenamente, só sei que nada disto faz sentido. O poço de emoções trasbordou e alagou sem piedade as minha fronteiras de raciocínio. Talvez porque não estivesse à espera, talvez porque não quisesse ver, o facto é que a Torre de Babel em X mostrou-se impiedosa, arrastada pela Roda do Destino em I. Face a mim está o Eremita em VII, e o desfecho é o Diabo em XII dando a confusão e ilusões. O Pendurado em XI é evidente prenúncio destes atritos. Certo e sabido tudo se escapou tudo ao meu discernimento, como uma bala que já tinha sido disparada, e o seu alvo, eu, estava estático, sem poder de reacção, incapaz de me desviar do seu trajecto.
E foi assim que antevi incrédulo. Era demasiadamente tortuoso, excessivamente lacónico e frio. E era para já, não tardava, com cavaleiros de mau agouro.
E a bala atingiu-me em cheio.
Porém os ferimentos não são mortais, nem apanharam sequer qualquer ponto vital. Mesmo assim doeu que se fartou e urrei de dor ao ser trespassado pelo metal incandescente. Mas a convalescência é rápida e não tarda estarei de novo pronto a dar o peito a outras miras telescópicas. E sem qualquer tipo de receio.

Podem me abater, mas não me conseguirão submeter.
Afinal gosto de Viver, e não de viver.

A poesia descansa as almas pesarosas e atormentadas. Por vezes basta ouvir alguns poemas solenes e também castiços, para alimentar e saciar a alma, purgando alguma fome ou sede do espirito.
As palavras são medicamentos de acção rápida na nossa alma, dando alivio e conforto, mesmo que falem em fúria e desalento. Ou mesmo alguns lirismo excessivo, mas que mesmo assim produz um sorriso.

N. e eu falamos bastante com Pete, um brilhante astrólogo, feliz por sentir que os seus 20 anos de estudo e o livro que está a escrever, estão a dar o seus fruto. Um após outro, o nosso círculos de amigos ficam extasiados com a precisão das suas leituras: Ju agradeceu-me imenso, N. ainda em choque quer levar toda a gente a Pete. Pete revela-se uma pessoa sensível, e obviamente tinha que ser peixe como eu.

Na noite seguinte N. e eu tivemos um jantar na Foz, por sinal excelente, óptimo para falar nas coisas da vida e retemperar forças, fazer planos de viagens. Depois fomos rir, ouvindo anedotas entre amigos em Mira-Gaia.

É pena que essas noites se repitam apenas uma vez por semana e a horas proibitivas, mas sei que contudo vou repetir a dose. Esta medicação deve ser cumprida até ao fim.

Nunca ninguém nos prometeu nada que perdurasse para sempre. Se o fizeram, apenas estavam a assumir com boa vontade ou com alguma motivação enganadora ou ilusão. Uma das constantes da vida é que nada é imutável. Nem mesmo as rochas, as memórias, os deuses e nem mesmo a velocidade do tempo de acordo com novas teorias da física. As mudanças ocorrem, mais cedo ou mais tarde, ao seu passo, ao seu ritmo. Inexoravelmente a metamorfose voluntária ou involuntária, cobre tudo com seu manto.

Muitas dessas mutações são lentas, levando por pequenas etapas, quase imperceptíveis, quase milimétricas, mas que acumuladas são mutações profundas e gritantes. As mudanças nem sempre são evolutivas ou benéficas. As mutações podem gerar da crisálida a borboleta ou podem gerar um Godzilla.

Como dois continentes que colidem, muitas vezes a pressão e atrito das placas teutónicas não se liberta para formar cordilheiras sumptuosas, ou largar suas energias formando novas ilhas e mostrando-se em pequenos abalos sísmicos. Essa dinâmica das mutações, por razões que a razão desconhece, provoca terramotos devastadores e vulcões à espera de entrarem em erupção em explosões arrasadoras.

Podemos durante muito tempo ignorar as fumarolas e os tremores, pensando que são meios naturais que a Terra tem para lidar com as suas mutações e as forças internas contrárias, de forma positiva: podemos até pensar que é uma fase passageira e que a energia libertada é a resolução do problema em sí. Está a libertar pressão, a mexer-se sem partir. O problema é quando esses sinais não são sinónimo da libertação passageira mas sim prenuncio da catástrofe vingativa vinda do interior da terra que se acumula.

Pensei que todos aqueles abalos eram benesses e que afinal estava mais perto da borboleta. Mas na crisálida apenas cresce um Godzilla, para meu desgosto. Para meu e de todos que do fundo do coração queriam ver uma borboleta feliz na primavera prometida e não um Godzilla num pesadelo apocalíptico japonês, que passo após passo, destrói tudo que o cerca, até quando nada mais tiver para destruir.

Acho que me repito, mas sem dúvida aquela música, que até acho meio básica, não me sai da cabeça.
“I will be Waitting” é a letra que me persegue, e vejo e revejo-me numa situação muito semelhante ao que estava antes, mas agora a parada é bem mais alta, com riscos dignos de um jogador inveterado e que nada mais tem a perder.

– Faisait vous jeux?

– Double or nothing!

Sou um navio que atravessa uma tempestade de emoções.
Os ventos da paixão sopram bruscamente e as ondas das emoções são vagas encrespadas.

Não antecipei os sinais da tormenta nem vi as gaivotas fugindo para terra. Estava um dia calmo, céu azul.
De repente veio uma brisa fresca e o céu encobriu. Mesmo antes de pensar em traçar uma rota para o porto de abrigo mais próximo, já trovões ribombavam e o mar encrespava. Eis que recolho as velas, visto o impermeável à pressa e já o vento uiva furioso e a água começa e cair das alturas em jorros.

Não entro em pânico, e tento dominar um medo terrível de ser tragado pelo mar. As ondas são já enormes.
Todas as ancoras são lançadas com esperança da rota traçada pelos elementos não me esmagar contra os rochedos em terra. Sem fuga preparo-me para enfrentar o centro da tempestade que se forma cada vez mais assustador. Avisto o tufão formando-se e com toda a esperança que me sobra, finco as mãos no leme com toda a força que encontro. Não será o temor da tempestade que me irá salvar. Nem tão pouco a minha vontade de sobreviver aquela tempestade assassina de marinheiros. Apenas o destino

Um lobo-do-mar sabe que as grandes tempestades não escolhem vítimas, nem reclamam sangue. Apenas se revelam quando menos se espera, como um teste dos elementos à coragem dos homens em navegar e desafiar o vasto oceano. Só os grandes homens do mar lhes podem resistir, mas no fim são as tempestades que os poupam, por serem valentes, ou os levam apenas por prazer.
Naquele momento que o navio trepa as vagas, descontrolado, apenas tentando enfrentar aquelas paredes de água salgada para não adornar e ser engolido pelo mar. Sei que parte da carga já está irremediavelmente perdida, mas isso sempre foi um risco que todos os marinheiros têm que assumir.

Seguro o leme com afinco e perseverança. Já não temo o tufão que se aproxima. Estou forte, mas sei que a minha vontade não me poderá salvar do destino.
Se Neptuno me quiser, assim será. Senão serei recompensado pela bonança e um porto seguro onde me esperam mil sonhos.
E tudo a tempestade decidirá, e tudo o tempo desvanece. Mesmo as grandes tempestades.

Neste momento a minha vida parece uma telenovela venezuelana. Resume-se tudo a muitos melodramas em simultâneo num enredo francamente mau, com muitas paixões assolapadas, ciúmes, desentendimentos, traições revirivoltas alucinantes, paixões intensas e amores eternos. Só não está dobrada em brasileiro…

Se agarrar o argumentista acho que o vou esganar na hora.

Porque o tempo destrói tudo.
Porque determinados actos são irrevogáveis.
Porque o homem é um animal.
Porque o desejo da vingança é um impulso natural.
Porque a maioria dos crimes remanesce sem castigo.
Porque que a perda do ser amado destrói como um relâmpago.
Porque o amor causa a vida.
Porque num mundo perfeito o túnel vermelho não existiria.
Porque as premonições não mudam o curso das coisas.

Porque é o tempo que revela tudo.
O pior e o melhor.

Irreversível, pretendia ser um filme choque, e como tal acho que foi talvez demasiado bem sucedido. O filme fala do crime e castigo e das consequências e de séries de acontecimentos em cadeia – mas visto de um anglo invertido, alias como o realizador frisa em imagens invertidas e dinâmicas, quase desconexas e enjoativas.

O clímax e desfecho primeiro, e só depois os antecedentes, minoram o ultra realismo e rudeza de uma violência explicita, com o assassínio brutal de Ténia com o crânio esmagado num antro infernal sado-gay. Mas depois (antes) o marido e o ex-namorado de Alex procuram no Rectum Ténia, mas depois forçar um travesti a revelar-lhe onde está Ténia, e depois descobre Alex brutalizada e violada. Os 9 minutos em que Alex é sodomisada por Ténia no túnel vermelho não são passíveis de serem vistos sem horror. O ultra realismo é mórbido e macabro. Só se pode desviar o olhar.

Irréversible peca por rodear-se quase exclusivamente da vingança e dos actos de violência que a antecedem e determinam e o seu desfecho, focando-os como a suas duas cenas fulcrais. Mas o mais impressionante é o facto de na verdade não ser algo muito diferente da realidade crua e brutal de uma violação. Mas depois a vida… a festa, o metro, a gravidez, a cama, a premonição . O Fim-principio.

Choose life. Choose a job. Choose a career. Choose a family. Choose a fucking big television, Choose washing machines, cars, compact disc players, and electrical tin openers. Choose good health, low cholesterol and dental insurance. Choose fixed- interest mortgage repayments. Choose a starter home. Choose your friends. Choose leisure wear and matching luggage. Choose a three piece suite on hire purchase in a range of fucking fabrics. Choose DIY and wondering who you are on a Sunday morning. Choose sitting on that couch watching mind-numbing sprit- crushing game shows, stuffing fucking junk food into your mouth. Choose rotting away at the end of it all, pishing you last in a miserable home, nothing more than an embarrassment to the selfish, fucked-up brats you have spawned to replace yourself. Choose your future. Choose life… But why would I want to do a thing like that?


Let´s go Porno!!!

Questiono-me muitas vezes se serei muito excêntrico. A verdade é que nas duas ultimas semanas, tenho me comportado como tal, em especial, durante o fim-de-semana. N. tem dado o mote de um desenfreado gosto pelo descontrole e alienação noctívaga, que passam rapidamente da euforia para a culpabilização após os pecadilhos cometidos. E assim se eu ponderar bem, apesar de o acompanhar como amigo que o ampara, qual anjo da guarda, também sei que a minha vontade não é forte pois quero partilhar essa necessidade de alienação e busca pelo desenfreado e ilusório ao ritmo em que não existe um amanhã.

Não admira que me tenha colocado numa posição de xeque-mate, oferecendo a Dama e deixando o Rei sem fuga possível, ao tentar fazer de um misto advogado do Diabo, cruzado com Grilo falante, e simultaneamente gozando cada momento dessa vida desenfreada. Se a minha vida neste momento esteja tão repleta de paixões intensas é também verdade que tenho o coração tão partido, e tantas vezes colado com cimento-cola que o meu autocontrole está a dar de sí.

Creio que será essa a síndroma da falésia: sei que é perigoso caminhar pelos precipícios da falésia; aviso todos desse perigo, mas contudo o fascínio e a beleza dessas falésias e das ondas rebombando nas rochas escarpadas é tão imenso que somos atraídos por um magnetismo irresistível. A vertigem é um alento e também um suicídio. Dar valor à vida e agarra-la com todas as forças e pelas mesas razões saber que a posso perder devido aos riscos que saboreio.

O segundo síndroma é o do Guru. Não creio que quando a minha chama se apagar me vão oferecer um par de asas ou um halo. Apenas sei que me comporto com uma exasperante lucidez e iluminação. Não sei se é ilusória, mas as pessoas até me dão ouvidos, e dou por mim a ter rasgos de sabedoria, de imagens de equilíbrio e vomito palavras de conforto e esperança. Não é que não as sinta profunda e sinceramente. Mas o facto é que as tento transmitir, compelido e motivado por algo que me é mais forte. Não sei se será mais um belo sinal de maturidade, ou se é apenas um irritante tique da alma. O facto é que M., N., I., Ju, So., J., A. entre outras pessoas que me são queridas ouvem de mim palavras profundas e me sinto como aqueles seres de éter que sussurram ao ouvido dos seres humanos palavras de conforto e esperança e animo. Uma imagem como as Asas do Desejo de Wim Wenders, em que a realidade de vários planos de existência se confundem.

Estou sereno e contudo energético. Cansado e com endurance acrescida. Envelhecido e mais jovem que nunca. Desmoralizado e confiante.

Tio Patinhas preso por pedofilia!

PATOPÓLIS – O milionário Howard Duck, mais conhecido como Tio Patinhas, foi preso ontem, acusado de pedofilia. A polícia encontrou em sua caixa forte vídeos nos quais ele aparece em situações comprometedoras com seus sobrinhos Huguinho, Zezinho e Luizinho. Testemunhas disseram que ele fez o mesmo com o sobrinho mais velho, Donald, que, traumatizado, passou a andar sem calças durante toda a vida. Maga Patológica, que seria obrigada a assistir às cenas, acabou se transformando numa psicoPATA.

Ju. quebrou a barreira das 3 décadas com alguma indiferença; N. passa por uma segunda adolescência; A. está fechado em casa, M. é vitima de assédio sexual; I. paira nas suas dúvidas, J. está sem equilíbrio; P. está fantastico, G. mudou-se para a casa nova, anseio rever S. e R.; Doutor P. agarra-se à carreira; Inspector P. cerca os Carlos Cruz; Passado já não existe; Bob e os patrões deixam-me saudades, Ch. não dá notícias; F. nunca mais a ví; Kitten volta este fim-de-semana; Pete tem nova consulta; o meu outro lado tem que ser actualizado; D. é cada vez mais resmungão; F.M.T. parece com energia; J.B. segue brilhante; M.L. vai se casar; Jonas está a ter os frutos merecidos do seu trabalho, e eu?

E eu?

Boa pergunta.

Um café é sempre um clássico pretexto para o reencontro. É algo de social que apresenta um leque de impulsos de debate, que no nosso país assume a nossa pacatez e o gosto algo intrincado na nossa cultura das tertúlias.
Mas um chá tem também um conceito bem semelhante se bem como pude constatar, nos dias que passam, pedir um chá, mesmo num salão de chá apenas nos dá direito ao saquinhos standard.

Foi bom reencontrar B. e A. e estar na cavaqueira quer sobre assuntos sobre a iluminação, quer sobre o último desastre da conquista dos céus, ou sobre o império do mal. De certa forma as horas passam quando comunicamos e partilhamos ideias. Não sei se será um tom asceto-filosófico que a proximidade das 3 décadas nos proporciona, ou se será apenas pura e simples lucidez da longevidade.

Mas como B. recordou, estamos a virar a minoria, contra todas as probabilidades, que após certa idade ainda tem o espirito suficientemente aberto para provar novas músicas, novas comidas, novos pensares, sem se resumir ao cinzento, preto no branco do ”eu gosto/eu não gosto” ou do ”é bom/é mau”. Creio que é esse o segredo da eterna juventude, cuja fonte está mesmo ali ao lado da luz com que quisermos brindar a nossa massa cinzenta, ou alma se prefiram.