conversa

Há dez anos atrás a inteligência artificial era algo ainda do campo da ficção científica. Hoje porém a IA já faz deepfakes com dois cliques do rato.

É então estamos pensar que provavelmente metade dos conteúdos introduzidos diariamente na internet são produzidos com uma mínima intervenção humana. O ChatGPT por exemplo na sua actual versão gratuita é capaz de mimetizar textos complexos como se tratassem de autores famosos graças a um par de frases curtas de comando. Assim estás linhas que agora escrevo seriam quase impossíveis de distinguir entre o que eu teclo ou o que um programa estatístico é capaz de debitar.

Estamos numa época de mudança. Atualmente a inteligência artificial está já desenvolvida o suficientemente para apresentar textos que dificilmente se distinguem dos textos escritos por um humano. E isso com o acesso a essas ferramentas de escrita de uma forma simples, acessível e já massificada através de serviços como o ChatGPT ou o Bard. 

Assusta-me por isso que talvez num futuro próximo a criatividade da escrita humana se possa reduzir a uma mera série de comandos de meia dúzia de palavras que serão o suficiente em teoria para reescrever uns novos Lusíadas em 15 segundos.  Será que o leitor notará qualquer diferença sobre a alma do autor? Talvez não. Porém creio que o perigo está na normalização da temática. No fundo neste momento a inteligência artificial se resume a compilar enormes quantidades de textos e estimar qual o texto mais apropriado para responder.

É preciso compreender que inteligências artificiais não estão de facto a criar. Quando muito estão a remixar temas e conceitos e não a buscar nada de novo. Estão a compilar os resultados de uma pesquisa, recorrendo a uma colossal memória de sequencias de palavras e apresentando-as de uma forma que o algoritmo estipulou.

Por isso não há nada de novo no horizonte. Há tão só uma poluição absurda, um débito obsceno de textos publicados, ou talvez melhor dizendo, vomitados na Internet por esses robots. Vi numa notícia que se estimava, se a memória não me engana que 90% dos textos publicados online no corrente ano não foram digitados ou ditados num computador, mas sim fabricados por intermédio de um destes robots.

Nada existira de sentimento nesta escrita, a poesia será por o derradeiro um fingimento literal baseado no nada e tão só de sequências estatísticas e probabilidades.  A alma da prosa inverosímil deixa de existir, passando a haver textos plastificados, uma espécie de literatura junk texts. Vamos provavelmente viver numa globalização artificial do pensamento, em que o algoritmo utilizado nas IA trouxe para a mediania toda a leitura e pensamento.  E eu qual dinossauro excelentíssimo, escrevendo palavras ao vento como um D. Quixote.

Não creio que as festas de homenagem sejam necessárias. Contudo enquanto ouço um instrumental jazz entre calado com uma peça musical de música eletrónica a bombar, questiono-me se é ainda prazeroso escrever aqui. A resposta é – Sim! e volto a ter muita necessidade de escrever e deitar cá para fora os meus pensamentos.

É uma forma sadia de lidar com as contingências da vida e também de exercer a minha singela vontade de comentar e fazer considerações acerca da realidade.

Apesar de estar ausente nos tempos mais recentes, tenho como desculpa estar envolvido numa série de batalhas da vida que são bem mais importantes e consumidoras da capacidade de opinar.   Também e justamente porque me acho a fazer uma caminhada mais espiritual, tenho conseguido combater o meu Ego e feito com que episódios mais exuberantes do Ego tenham desaparecido.

A meditação tem me fornecido o caminho mais espiritual e roubado as cenas mais tempestuosas da minha existência.  Mesmo assim, terei que reeditar a promessa de voltar aqui mais vezes. Para meu bem, parabéns caro Psicótico.

1 . Quando nada o faria prever

Logo no início de Janeiro senti que algo diferente e assustador se estava a formar, quando começaram a surgir notícias de um vírus na China. Mas longe de os meus pensamentos mais dantescos, iria supor que a realidade que daí surgiu fosse o que se acabou por derrubar sobre nós.

Talvez agora seja fácil de o dizer, mas quando lí as primeiras noticias que um novo vírus tipo SARS‌ estava a grassar numa cidade chinesa, (que nunca tinha ouvido falar) que tinha dez milhões de habitantes, senti logo um calafrio na espinha. Isto porque talvez me fizesse lembrar um desses enredos apocalípticos de ficção científica ou de livros de terror catastróficos. Foi de forma algo alarmista e hipocondríaca que repassei o meu temor à minha cara metade, e perante a ideia de começar a encher a dispensa de conservas, o que teve uma resposta muito reprovadora e porventura mais lógica. Eu de certeza estava a ver filmes e séries a mais…

Agora que a primeira vaga está a dar mostras de terminar, reconheço que o medo e o pânico que grassaram ao longo destes três meses foram feitos como numa história de Stefen King, com o terror irracional e inconsistente a estender-se passo-a-passo. Muitas vertentes deste medo eram inconcebíveis, impossíveis de serem previstas. O que ao princípio parecia apenas algo que acontece lá longe, foi-se aproximando aos poucos. Como um cancro foi envolvendo tudo e tornando-se inexoravelmente uma realidade. Um pesadelo que tinha saído de um conto de terror e que agora nos tinha engolido.

Foi logo a meio de março, nesse já longínquo março que me vi forçado a ficar em casa, numa quarentena voluntária uma vez que tinha estado em contacto com um dos primeiros casos conhecidos. O monstro veio bater à porta, sorrateiro nos últimos dias em que se poderia fazer um jantar, neste caso com os gimbras e Ma. P. , gente da velha guarda que gosta de conversa. Inocentemente uma semana depois, quando os alarmes começaram a tocar e as escolas a hesitarem no fecho, Ma. telefona-me sério que o seu rebento tinha dado positivo e que a quarentena voluntária seria uma boa ideia.

Na altura não entendi a profunda mudança que aquela notícia trazia, qual arauto numa tragédia grega enquanto o coro gritava de espanto. Depois quando se vislumbrou o estrago, percebi que a porta de minha casa tinha ganhado um novo peso e que se tinha fechado com uma enorme tranca. E‌ assim começou o meu longo confinamento e uma nova e estranhamente agridoce prisão.

Ontem foi um dia que terminou sob o auspicio da saudade e de velhas amizades. E regado a Number Ten no seu final como recordando algumas façanhas menos honrosas de grande apreciador de gin tónico.

O meu maninho veio fazer as suas férias de Natal da sua grande aventura africana e junto com o meu colega da faculdade G., jantamos ao som do futebol. Uma francesinha típica da nossa cidade com o cenário da derrota do verdadeiramente glorioso frente ao Sporting que estimulou um ar de desilusão. Porém esse desaire em casa do adversário não foi o suficiente para ensombrar uma noite de reencontros e de por a conversa em dia enquanto sorviamos as Sagres de lei.

Velhos amigos e veteranos de guerras académicas e afins recordamos episódios caricatos e memoráveis sentido a saudade de uma juventude física que já não temos, mas sabemos que os nossos ossos não são o estigma do nosso envelhecimento. As nossas mentes são bem abertas e do futebol à política mostramos a nossa abertura a jovens ideias e ideais. As questões existenciais, a paternidade, os planos de futuro polvilharam a conversa deste terno de jovens que se recordaram dos tempos idos com encanto e humor. Os ossos podem estar mais perros mas as mentes estão ainda afiadas. Pena que a noite se esfumou tão depressa.

Portugueses: 2010 tem sido um ano difícil para muitos; incerteza, mudanças, ansiedade sobre o futuro. O espírito do momento e de pessimismo, não de alegria. Mas o ânimo certo para entrar na época natalícia deve ser diferente. Por isso permitam-me, em vésperas da minha partida pela segunda vez deste pequeno jardim, eleger dez coisas que espero bem que nunca mudem em Portugal.
9:55 Segunda feira, 20 de Dezembro de 2010

1. A ligação intergeracional. Portugal é um país em que os jovens e os velhos conversam – normalmente dentro do contexto familiar. O estatuto de avô é altíssimo na sociedade portuguesa – e ainda bem. Os portugueses respeitam a primeira e a terceira idade, para o benefício de todos.

2. O lugar central da comida na vida diária. O almoço conta – não uma sandes comida com pressa e mal digerida, mas uma sopa, um prato quente etc, tudo comido à mesa e em companhia. Também aqui se reforça uma ligação com a família.

3. A variedade da paisagem. Não conheço outro pais onde seja possível ver tanta coisa num dia só, desde a imponência do rio Douro até à beleza das planícies do Alentejo, passando pelos planaltos e pela serra da Beira Interior.

4. A tolerância. Nunca vivi num país que aceita tão bem os estrangeiros. Não é por acaso que Portugal é considerado um dos países mais abertos aos emigrantes pelo estudo internacional MIPEX.

5. O café e os cafés. Os lugares são simples, acolhedores e agradáveis; a bebida é um pequeno prazer diário, especialmente quando acompanhado por um pastel de nata quente.

6. A inocência. É difícil descrever esta ideia em poucas palavras sem parecer paternalista; mas vi no meu primeiro fim de semana em Portugal, numa festa popular em Vila Real, adolescentes a dançar danças tradicionais com uma alegria e abertura que têm, na sua raiz, uma certa inocência.

7. Um profundo espírito de independência. Olhando para o mapa ibérico parece estranho que Portugal continue a ser um país independente. Mas é e não é por acaso. No fundo de cada português há um espírito profundamente autónomo e independentista.

8. As mulheres. O Adido de Defesa na Embaixada há quinze anos deu-me um conselho precioso: “Jovem, se quiser uma coisa para ser mesmo bem feita neste país, dê a tarefa a uma mulher”. Concordei tanto que me casei com uma portuguesa.

9. A curiosidade sobre, e o conhecimento, do mundo. A influência de “lá” é evidente cá, na comida, nas artes, nos nomes. Portugal é um pais ligado, e que quer continuar ligado, aos outros continentes do mundo.

10. Que o dinheiro não é a coisa mais importante no mundo. As coisas boas de Portugal não são caras. Antes pelo contrário: não há nada melhor do que sair da praia ao fim da tarde e comer um peixe grelhado, acompanhado por um simples copo de vinho.

Então, terminaremos a contemplação do país não com miséria, mas com brindes e abraços. Feliz Natal

Artigo do Embaixador do UK ao deixar Portugal: Expresso 18 Dez 2010

Sou amigo do Mário Crespo há muitos anos e tenho-o na conta de um homem independente e sério, o que não significa que partilhe muitas opiniões com ele, ou que entenda que ele é um modelo de jornalismo. Também não acho isso de mim próprio, ou de ninguém em particular.

A liberdade é a coexistência de modelos e não a imposição de um em concreto.

Ao longo de mais de 30 anos de carreira jornalística – e nesse particular sou mais antigo do que o Mário – não me lembro de um cronista ser dispensado depois de a crónica estar pronta a ir para a oficina. E o que isto significa é que os limites da liberdade estão mais apertados do que nunca.

Tenho o director do JN, José Leite Pereira, na conta de um bom profissional e de um homem independente e sério. É jornalista há muitos mais anos do que eu, tem uma experiência considerável. Não creio que ele se impressione com uma crítica a Sócrates, como não creio que ele exigisse gratuitamente a Mário Crespo uma confirmação independente de fontes. Provavelmente, não o faz (nenhum de nós o faz) quando, em vez de Sócrates, está um outro cidadão qualquer em causa.

Porém, no caso do primeiro-ministro as palavras são relevantes, já que proferidas por quem tem a responsabilidade do poder executivo neste país. É certo que a conversa pode ser considerada privada, mas é igualmente certo que o bom-nome de Mário Crespo foi atacado de forma pública, ou jamais seria ouvida por circunstantes que nada tinham a ver com a conversa.

O que se passa, então?

Posso tentar avançar uma explicação: Mário Crespo tornou-se incómodo para Sócrates (e até para Cavaco, que denunciou em algumas crónicas), e a sua incomodidade estava a deixar o próprio José Leite Pereira numa situação difícil. Por isso o director do JN recorreu a um excessivo escrúpulo jornalístico para resolver a questão. E decidiu não publicar a crónica.

Não posso condenar José Leite Pereira, não é do meu timbre julgar os outros. Apenas posso dizer que este é o panorama da nossa Comunicação Social: Grupos que dependem do poder do Governo, patrões que pressionam directores e editores até à exaustão, cronistas afastados por serem incómodos e uma multidão de lambe-botas que, prudentemente se cala ou arranja eufemismos para tratar a questão.

Tenho em comum com Mário Crespo o facto de trabalharmos num grupo onde nada disto acontece (felizmente não será o único). Talvez não estejamos inteiramente preparados para o mundo ‘lá fora’, onde as palavras têm de ser medidas, onde não se pode escrever preto no branco, como aqui faço, que Sócrates é o pior primeiro-ministro no que respeita à Comunicação Social; o único que telefona e berra com jornalistas, directores, com quem pode. O único em que nestes mais de 30 anos que levo de vida jornalística, se preocupa doentiamente com o que dizem dele, em vez de mostrar grandeza e fair-play com o que de errado e certo propaga a Comunicação Social.

Lamento dizê-lo, tanto mais que é nosso primeiro-ministro e seguramente tem trabalhado muito e o melhor que sabe.

Mas é a verdade, e num momento destes a verdade não se pode esconder.

Henrique Monteiro in Expresso

Terça-feira dia 26 de Janeiro. Dia de Orçamento. O Primeiro-ministro José Sócrates, o Ministro de Estado Pedro Silva Pereira, o Ministro de Assuntos Parlamentares, Jorge Lacão e um executivo de televisão encontraram-se à hora do almoço no restaurante de um hotel em Lisboa.
Fui o epicentro da parte mais colérica de uma conversa claramente ouvida nas mesas em redor. Sem fazerem recato, fui publicamente referenciado como sendo mentalmente débil (“um louco”) a necessitar de (“ir para o manicómio”). Fui descrito como “um profissional impreparado”. Que injustiça. Eu, que dei aulas na Independente. A defunta alma mater de tanto saber em Portugal. Definiram-me como “um problema” que teria que ter “solução”. Houve, no restaurante, quem ficasse incomodado com a conversa e me tivesse feito chegar um registo.

É fidedigno. Confirmei-o. Uma das minhas fontes para o aval da legitimidade do episódio comentou (por escrito): “(…) o PM tem qualidades e defeitos, entre os quais se inclui uma certa dificuldade para conviver com o jornalismo livre (…)”. É banal um jornalista cair no desagrado do poder. Há um grau de adversariedade que é essencial para fazer funcionar o sistema de colheita, retrato e análise da informação que circula num Estado. Sem essa dialéctica só há monólogos. Sem esse confronto só há Yes-Men cabeceando em redor de líderes do momento dizendo yes-coisas, seja qual for o absurdo que sejam chamados a validar. Sem contraditório os líderes ficam sem saber quem são, no meio das realidades construídas pelos bajuladores pagos. Isto é mau para qualquer sociedade.
Em sociedades saudáveis os contraditórios são tidos em conta. Executivos saudáveis procuram-nos e distanciam-se dos executores acríticos venerandos e obrigados. Nas comunidades insalubres e nas lideranças decadentes os contraditórios são considerados ofensas, ultrajes e produtos de demência.

Os críticos passam a ser “um problema” que exige “solução”. Portugal, com José Sócrates, Pedro Silva Pereira, Jorge Lacão e com o executivo de TV que os ouviu sem contraditar, tornou-se numa sociedade insalubre. Em 2010 o Primeiro-ministro já não tem tantos “problemas” nos media como tinha em 2009. O “problema” Manuela Moura Guedes desapareceu. O problema José Eduardo Moniz foi “solucionado”. O Jornal de Sexta da TVI passou a ser um jornal à sexta-feira e deixou de ser “um problema”. Foi-se o “problema” que era o Director do Público.
Agora, que o “problema” Marcelo Rebelo de Sousa começou a ser resolvido na RTP, o Primeiro Ministro de Portugal, o Ministro de Estado e o Ministro dos Assuntos Parlamentares que tem a tutela da comunicação social abordam com um experiente executivo de TV, em dia de Orçamento, mais “um problema que tem que ser solucionado”. Eu. Que pervertido sentido de Estado. Que perigosa palhaçada.

Texto Escrito por Mário Crespo que foi censurado pelo Jornal de Noticias dia 1 Fevereiro de 2010

O palhaço compra empresas de alta tecnologia em Puerto Rico por milhões, vende-as em Marrocos por uma caixa de robalos e fica com o troco. E diz que não fez nada. O palhaço compra acções não cotadas e num ano consegue que rendam 147,5 por cento. E acha bem.

O palhaço escuta as conversas dos outros e diz que está a ser escutado. O palhaço é um mentiroso. O palhaço quer sempre maiorias. Absolutas. O palhaço é absoluto. O palhaço é quem nos faz abster. Ou votar em branco. Ou escrever no boletim de voto que não gostamos de palhaços. O palhaço coloca notícias nos jornais. O palhaço torna-nos descrentes. Um palhaço é igual a outro palhaço. E a outro. E são iguais entre si. O palhaço mete medo. Porque está em todo o lado. E ataca sempre que pode. E ataca sempre que o mandam. Sempre às escondidas. Seja a dar pontapés nas costas de agricultores de milho transgénico seja a desviar as atenções para os ruídos de fundo. Seja a instaurar processos. Seja a arquivar processos. Porque o palhaço é só ruído de fundo. Pagam-lhe para ser isso com fundos públicos. E ele vende-se por isso. Por qualquer preço. O palhaço é cobarde. É um cobarde impiedoso. É sempre desalmado quando espuma ofensas ou quando tapa a cara e ataca agricultores. Depois diz que não fez nada. Ou pede desculpa. O palhaço não tem vergonha. O palhaço está em comissões que tiram conclusões. Depois diz que não concluiu. E esconde-se atrás dos outros vociferando insultos. O palhaço porta-se como um labrego no Parlamento, como um boçal nos conselhos de administração e é grosseiro nas entrevistas. O palhaço está nas escolas a ensinar palhaçadas. E nos tribunais. Também. O palhaço não tem género. Por isso, para ele, o género não conta. Tem o género que o mandam ter. Ou que lhe convém. Por isso pode casar com qualquer género. E fingir que tem género. Ou que não o tem. O palhaço faz mal orçamentos. E depois rectifica-os. E diz que não dá dinheiro para desvarios. E depois dá. Porque o mandaram dar. E o palhaço cumpre. E o palhaço nacionaliza bancos e fica com o dinheiro dos depositantes. Mas deixa depositantes na rua. Sem dinheiro. A fazerem figura de palhaços pobres. O palhaço rouba. Dinheiro público. E quando se vê que roubou, quer que se diga que não roubou. Quer que se finja que não se viu nada.

Depois diz que quem viu o insulta. Porque viu o que não devia ver.

O palhaço é ruído de fundo que há-de acabar como todo o mal. Mas antes ainda vai viabilizar orçamentos e centros comerciais em cima de reservas da natureza, ocupar bancos e construir comboios que ninguém quer. Vai destruir estádios que construiu e que afinal ninguém queria. E vai fazer muito barulho com as suas pandeiretas digitais saracoteando-se em palhaçadas por comissões parlamentares, comarcas, ordens, jornais, gabinetes e presidências, conselhos e igrejas, escolas e asilos, roubando e violando porque acha que o pode fazer. Porque acha que é regimental e normal agredir violar e roubar.

E com isto o palhaço tem vindo a crescer e a ocupar espaço e a perder cada vez mais vergonha. O palhaço é inimputável. Porque não lhe tem acontecido nada desde que conseguiu uma passagem administrativa ou aprendeu o inglês dos técnicos e se tornou político. Este é o país do palhaço. Nós é que estamos a mais. E continuaremos a mais enquanto o deixarmos cá estar. A escolha é simples.

Ou nós, ou o palhaço.

Crónica no JN de Mário Crespo

Não estou com grande disposição
p’ra outra enorme discussão
tu dizes que agora é de vez
fico a pensar nos porquês
nós ambos temos opiniões
fraquezas nos corações
as lágrimas cheias de sal
não lavam o nosso mal

e eu só quero ver-te rir feliz
dar cambalhotas no lençol
mas torces o nariz e lá se vai o sol

dizes vermelho, respondo azul
se vou para norte, vais para sul
mas tenho de te convencer
que, às vezes, também posso…

ter razão!
também mereço ter razão
vai por mim
sou capaz de te mostrar a luz
e depois regressamos os dois
à escuridão

Se eu telefono, estás a falar
ou pensas que é p’ra resmungar
mas quando queres saber de mim
transformas-te em querubim
quero ir para a cama e tu queres sair
se quero beijos, queres dormir
se te apetece conversar
estou numa de meditar

e tu só queres ver-me rir feliz
dar cambalhotas no lençol
mas torço o meu nariz e lá se vai o sol

dizes que sou chato e rezingão
se digo sim, tu dizes não
como é que te vou convencer
que, às vezes, também podes…

(Escuridão)

ter razão!
também mereces ter razão
vai por mim
és capaz de me mostrar a luz
e depois regressamos os dois
à escuridão

Atenção!
os dois podemos ter razão
vai por mim
há momentos em que se faz luz
e depois regressamos os dois
à escuridão

Letra e interpretação de Jorge Palma

A reabertura dos tempos de lazer foi no mínimo interessante. O facto de me ter dedicado pela segunda vez na minha vida ao desporto radical do campismo, e na companhia do veteraníssimo mestre, tornaram uns dias que seriam à priori de dolce fare niente de pasmaceira numa inestimável experiência e tempo de lazer pacato.

Tomar rumo ao sul sem chegar a latitudes pavorosas, montar o barraco e comprar a múmia que me havia esquecido de trazer fizeram-me bem, e apesar do tempo estar pavoroso para radicais, foi um quality time de cavaqueira, VTES, companheirismo, formigas e dormir no chão.

Em última análise foi importante mudar de ares, estar longe de um volante visitar locais quase de forma aleatória sem preocupações de tempo ou espaço, apenas me deixando relaxar com a amizade e a Nikon para saborear a passagem das horas. Nos longos diálogos as conversas intransigentes e inteligentes deambularam desde o sentido da vida, ao cortar nas casacas e a inocência perdida que reina no campo de batalha dos trintões, e como não podia deixar de ser – na história universal. Uma salada de fruta intelectual que me levou a ter sestas ou quase-sestas. Assim a espera foi brilhante e não custou tanto no início. É bom ter alguém com quem contar.

Mil conversas podem-se perder, mil frases podem ficar esquecidas durante anos num recôndito neurónio. Mas a música perdura, lembrando-nos de uma miríade de momentos, sentimentos, alegrias e até euforias.

Sempre gostei de música. Avidamente consumo música, tenho gostos eclécticos sem nunca comprometer a qualidade. Desde Jobim a Franz Ferdinand, de LSD Sound System a The Clash, tudo sem o seu espaço, nos meus inúmeros catálogos virtuais de músicas preferidas. Passado, presente e futuro que trazem melodias e memórias, conforto e alivio, esperanças de novas emoções fortes.

E verdade seja dita: nada como um iPod como companheiro de corrida. É garantia de novo record pessoal.

Correu tudo bem. A visita da olímpica amiga fez com que o fim-de-semana fosse especial e apesar do corre-corre. As desilusões dos antros noctívagos programados com antecedência e escolhidos a olho para dar um ar de bom cicerone mostraram-se bastante ridículas.
Felizmente a gastronomia quase estritamente vegetariana foi brilhante e o risco audaz da galinha Vindaloo deram um sabor especial a umas conversas muito interessantes e lúcidas.

Nada melhor que ter uma visita tão ilustre e nobre para alegrar os nossos dias com a sua simpatia, inteligência e cultura e estreitar laços de amizade além fronteiras.

Pelo meio deu para agraciara pequena L. e os seus babosos pais, no seu primeiro aniversário.
O tempo passa ligeiro…

Quando o pico do calor chegou, assim como a época de incêndios, decidi tirar uns dias de férias para descanso dos meus ossos. Pretendia resolver uma data de assuntos burocráticos pendentes, mas a minha capacidade de organização e uma manifesta preguiça há muito adiada, apenas me permitiu realizar um punhado de tarefas agendadas há muito.

Uma das que me deu particular prazer, foi visitar a maninha e cunhado, conhecendo o seu rebento. Fiquei babado diga-se de passagem, mas quem não ficaria? Um sorriso lindo, pacifica de natureza, L., é a menina dos papas babados. Além da petiza, outra novidade era a nova casa, bem na baixa da minha cidade. Vista para os paços do concelho, em plena rua feliz. A baixa que está deserta durante a noite, acaba por ser um local aprazível. E se não fossem os ratos alados que invadem tudo e os gatos atrevidos, tudo pareceria como que se estivéssemos algures numa cidade verdadeiramente cosmopolita. Ao contrario das grandes cidades lusitanas, as pessoas de países bem organizados vivem nas próprias grandes cidades e não apenas na sua periferia.

Fiquei abismado com o trabalho de arquitectura e bom gosto, que a casa contém, assim como a inquilina do rés-do-chão, talvez a última pessoa que imaginaria encontrar nessa noite. Havia ali um je ne sais pas de Artes em Partes, e Maus Hábitos que me agradaram , pelo conforto e open air.

Os assuntos do Passado vieram em conversa corriqueira, mas agora mais nos aspecto saudosistas. O tempo acaba por acabar a frustração e revolta, para dar espaço apenas às boas memórias que valem a pena recordar. É bom reatar laços de amizade.

Rezam as lendas, que numa longínqua semana, vários cavaleiros da ordem do garfo e faca se sentaram á mesa, para um frugal repasto de fim de Julho.
Gratos pelo cair da noite na feira, o ar quente tornou-se suportável. Longas foram as conversas da nobre cortes, onde um porco bravo com castanhas deliciou os convivas.

Correu célere o delicioso vinho tinto, servido em canecas de barro, escorrendo pelas gargantas sempre secas dos convivas. Serenos e alegres deliciaram-se e alegraram-se na noite. Terminada a farta refeição, logo os cavaleiro partiram em demanda. Buscavam no meio da multidão, algum artigo por entre as tendas dos artificies que pudessem levar para os seus solares.

Mas eis que esta pequena aventura, rapidamente se tornou numa epopeia digna de ser cantada por todas os seríes de jograis por este reino fora. Os quatro cavaleiros mais bravos deparam-se inesperadamente com uma tenda com um precioso tesouro escondido iria maravilhar os seus olhos e gargantas. Tratava-se de um nêctar, uma ambrósia divina servida em pequenos copos esculpidos em madeira chamada Ginjinha.

Tratava-se de Ginjinha de óbidos, com um maravilhoso paladar a canela, como que irresistível ao palato mais exigente. Depois as lendas começam a divergir. Conta-se que dois cavaleiro se entusiasmaram tanto que tiveram como montada, uma linda burra chamada Luana. Conta-se também que os escudeiros que traziam a Luana graciosamente ajudaram a que a deliciosa ginjinha começasse lentamente a desaparecer das pipas. Conta-se também que os cavaleiros ao se verem confrontados por uma câmara de reportagem e ao saberem que se tratava da TVI se recusaram determinantemente a serem entrevistados por tão medíocre meio de informação.

Longa foi a noite e ainda amanhecia, quando exaustos, os cavaleiros prometeram não esquecer aqueles momentos medievais.

Antony Quinn

A nossa fisionomia nem sempre pode estar dentro de padrões que consideramos medianos. Foi num jantar relâmpago, junto ao mais místico castro na costa portuguesa, numa tasquinha à antiga lusitana, que a conversa motorizada a Muralhas e afins, se encaminhou para os antepassados de cada um, baseados na nossa aparência.

Fui identificado como grego, algo que nunca me tinha apercebido, nem identifico com facilidade junto ao espelho. Serei eu um Zorba, o grego, de fisionomia pouco moçarabe como a maioria dos portugueses? Dizem que sim, embora eu talvez me visse mais na antiguidade clássica como fenício, uma vez que as chances de percorrer no meu sangue uma só gota grega são muito escassas. Nada de espartanos ou filosofos, antes comerciantes e navegantes.

Sendo N. um aparente escocês, mas nada avarento, C. de ascendências judaicas, S. seria faraónica. Bom e o coitado do delicioso polvo é que se danou, devorado naquele castro ancestral e lusitano.

Parte II – A fasquia

Para ser franco, a principal razão que me levou a saltar não se tratou de uma sede radical de adrenalina, mas sim o facto de me impor uma barreira importante que conseguisse superar.

Muita gente encara a maioria dos desportos ditos radicais com um cariz negativo em que um conjunto de lunáticos arrisca a vida para dar nas vistas e sentir a emoção do risco e da aceleração das batidas cardíacas. No meu caso não se tratou de ter o gostinho por um “rush“, mas de algo mais importante. Tratou-se um desafio pessoal ao estilo do que em bom português se poderia descrever pela seguinte questão “Tens ou não tens tomates?” Foi há cerca de dois anos, em conversa corriqueira com M. no Aniki Bóbó que a ideia de saltar se introduziu na minha mente, e foi ganhando alguma forma, como se fosse aquela realização interessante.

Julgo que quando um atleta de salto em altura se propõe a evoluir tem que pensar em subir a fasquia. De nada lhe servirá saltar com à vontade um mísero metro e cinquenta durante toda a carreira como desportista. O que faz dele um atleta é subir aquela fasquia sempre que lhe seja humanamente possível. A Vida é como uma prova em que a fasquia vai subindo, e só aqueles que treinam para se superarem, e estão dispostos a novos desafios podem saborear a realização de subir a um pódio.

Depois do treino e de demasiadas horas de conselhos teóricos e de histórias de pára-quedistas sobre as suas experiências pessoais, nada poderia ser mais importante como o acto de ter a coragem no momento da verdade. Esse momento foi passado com determinação e capacidade, em que eu dominei o pavor de me projectar das alturas esperando que nada acontecesse de muito errado.

Sentir a satisfação de ter atingido uma meta, transpor uma adversidade é algo que nos faz sentir vivos e capazes de encarar com mais facilidade outra barreiras presentes e futuras que se nos deparam. O vigor do auto-domínio e vontade de chegar aos nossos objectivos dão-nos um incentivo e auto-confiança essenciais para vingar a vida.

Não me posso queixar de aborrecimento ou tédio. Desde quarta-feira que não sei o que é ter um serão calmo, proporcionando uma aprazível longa noite de sono. Em grosso modo estou a sentir que este cavalo de corrida, ainda tem estamina para dar mais uma dezena de voltas ao hipódromo a todo-o-galope, e que afinal a prova pode não ser de velocidade mas sim de resistência.

Positivamente não estou letárgico ou, pelo contrário histérico, para sentir que a minha vida deveria permanecer calma.
Há alturas da vida que temos que nos desgastar, nem que seja por uma causa vã ou demasiado passageira, apenas porque sentimos que há a necessidade de aproveitar os momentos tal qual eles esbarram contra nós.

Quarta-feira, as celebrações com I., quinta-feira estive com P. na Ribeira. Sexta-feira jantei com N. num restaurante a imitar fracamente a gastronomia e restauração da terra da Vera Cruz. Mais tarde, e já com algumas saudosas caipirinhas fomos até ao rio, onde encontramos as J.s num sitio chamado Zoo. I. cortou-se, o que me irritou um pouco, talvez por não ter mais paciência. O resto da noite foi bastante comprida, e acabou no talho a abarrotar de gente, e eu já devidamente encopado.

Sábado foi um dia sisudo, tentando descansar, mas a noite levou-me ao Matrix Reloded com N. J. e I. Para não ser escasso o meu tempo, larguei a brigada do reumático e segui, apesar de exausto, para uma sessão de D´n´B com o Bricolage no H.C. onde dancei e trotei até tarde. Ver a Invicta daquele ponto de vista sobranceiro ao Douro, bem do lado oposto, é um dos quadros mais perfeitos de luz e enredo de formas de uma cidade que sobe uma encosta e se reflecte no Rio. Que parvoíce tentarem colocar umas pseudo-docas lá.
Para carimbar a noite em grande só mesmo vencer as estatísticas e ter que bufar ao balão, algo que eu nunca tinha feito antes. resultado: 0,00! (se fossem 24 horas antes, nem o meu poderosíssimo anjo-da-guarda me valia…)

Last but not leastt, Domingo foi tempo de Sol, e de assistir às contabilidades do Inspector P. sobre a sua viagem à abençoada cidade de Sevilha. À noite, apesar dos abalos sísmicos que as minhas pestanas produziam, foi com todo prazer que me reencontrei com a minha mana, que já não via desde o Natal. Com R., F. e Chi. foi uma conversa de recordação, bastante animada, falando do Passado mas também no Futuro, das pequenas e grandes coisas singelas da vida.

E é assim que eu tenho deixado algumas horas por dormir. Afinal posso dormir tudo o que quiser quando estiver 7 palmos debaixo de terra…

marado

Até agora descobri e espreitei 3 blogs portugueses. Um com direito a .COM e tudo, o www.psicotico.com, escrito, ao que me parece por um gajo do Porto, meio marado e que de vez em quando espreito. A conversa parece-me arrastar-se demasiado para a night-life do autor, com muitos nomes de miudas identificados por insinuantes e resumidas vogais e consoantes. Nada mau para ele.

Deplorável, ou talvez não aquele baile dos Vampiros. Estava mesmo a precisar de arrebentar em termos de escala de Richt e proporcionar-me algum descontrolo.Sábado deu direito a domingo até às 8 AM , e um enigmático SMS para N. as 5:22 AM “Deda estar socorro”?!
Estava a precisar deste breve momento de descontrolo, e até deu para trocar duas de conversa com o grande senhor Kitten, e até encontrei a bela I. por lá, cheia de risinhos. E como estou numa fase de dilúvio, C. tem feito tudo para estar comigo. Isto dos aeroportos tem que se lhe diga…

Durante o concerto, que era bastante sufrivel, DJ Kitten, vulgo J. é a simpatia em pessoa e respondeu-me envergonhado, ao lhe dar os parabéns por sexta estar no LUX como cabeça de cartaz que não estava a espera de tanto sucesso. Já o conhecia da Matéria Prima e de uma noite no Triplex que eu já meio acelarado lhe estendi uns aplausos.
Afinal Kitten frisou que tinha iniciado o Clube Kitten e não iniciado a carreira de DJ Kitten. É interessante ver que Kitten prefere ser um pioneiro de uma club culture do que um DJ famoso. E é de facto esse pioneiro. Mais e mais gente, novas gerações se rendem as suas performances electro-trash, que não são um mero pretexto de dança, mas sim um verdadeiro catolicismo com direito a missa completa em cada mês.

Bom mas isso já não interessa. Sexta estou no Lux para Club Kitten@Lux