Junho 2004

Foi um jogo meio morto mas a que se seguiu uma festa rija – a Selecção chegou à final, fazendo história num ponto conturbado da história politica portuguesa. Apesar de eu estar meio constrangido, as notícias e o jogo fizeram-me ver que as preocupações e tristezas não podem comandar-nos e que temos que receber os poucos escapes e ópios que estão ao nosso alcance.

A Selecção das quinas motiva um orgulho nacional ferido, tentando adiar para melhores datas as decisões políticas que nos vão cair em cima nos próximos trimestres de forma desastrosa. Mesmo assim de nada vale sofrer por uma tragádia vindoura em vez de saborear a vitória actual.

Pessoalmente sinto-me aprisionado numa redoma aprisionante que não me deixa reflectir nem ser capaz de controlar o meu destino próximo. Tenho a sensação que tudo está fora de eixos e que as balanças estão oscilando desenfreadamente, impedindo para já, qualquer ideia com peso e medida. A ver se me aguento até à final.

Nada como um velório para nos recordar que somos efêmeros e que vivemos segundo um a espécie de arrendamento físico cujas assoalhadas tem um prazo de validade restrito mas desconhecido.

Não temo a morte, mas sofro com ela sempre que ela se aproxima um pouco. Não pelos que vão, mas sim pelas dores de quem fica e chora os seus. Ver pessoas que sempre vi bem-dispostas e alegres, encharcadas em Xanax para se manterem minimamente humanas e se refugiarem da dor e um quadro triste e que me revolta.

Depois todas as tradições do enterro, fazem-me sentir as tripas torcerem-se ao limite: todas aquelas flores, velas, cangalheiros, carros funerários, beatas, choros, gravatas pretas, sussurros sociais, estão longe de o que deveria ser uma despedida.

Quando eu bater as botas, quero uma Jazz Band tipo New Orleans, nada de flores e que eu seja rapidamente cremado e minhas cinzas largadas no curso de água mais próximo. O pó  deve regressar pó.

é triste viver num país sem rei nem roque, onde parece que todos os políticos e eleitores começaram subitamente a desempenhar um estranho papel de órfãos.
Creio que é hipócrita afirmar que se trata de uma crise ou problema de coloração partidária, de falta de postura de cidadania ou ainda de algum deficit de honestidade perante os eleitores.

A política Portuguesa, a meu ver, desde há muito que só tem uma credibilidade equiparada a personagem Carmen Dolóres de uma qualquer telenovela venezuelana de 5ª categoria: chora muito, passa de gata borralheira a princesa depois de muitos desamores e suplicios mas no fim casa-se e fica para sempre feliz. Depois, na próxima novela, basta mudar a fronha à actriz principal e voltamos ao mesmo. Parece-me que na politica portuguesa actual existe esta postura Carmen Dolóres. Mudam-se as caras mas não se muda o enredo. Ao fim de contas o rosa e o laranja são a mesma coisa, apenas com caras diferentes, dado o vazio de líderes, ideologias ou ideias capazes de salvar a nação.

O que me custa mais são os rios de frases demagógicas, os chavões eleitorais, as camisolas partidárias, como se a nossa democracia entorpecida fosse capaz de proporcionar verdadeiras mudanças do comportamento político. Há muito que o desacredito do mundo político português e da lama a que este desceu, tornou o português médio alguém que se limita a preocupar com o próximo carrinho de compras do Continente, de como o Benfica foi roubado e para que destino exótico as suas parcas economias lhe permitem fugir numas semanas de ilusão.

Não censuro o Dr. Barroso por se por a andar para um cargo importante, longe deste barco que está a ir a pique há mais de uma década sem ninguém com coragem ou capacidade para pegar no leme. Também não censuro o Dr. Lopes por querer um cargo que preencha as suas ambições polóticas, apesar de ser um cargo para que nunca esteve preparado.

A única coisa que censuro é que os portugueses só parecem patriotas para agitar cachecóis e bandeiras desde há muito anos e não se interessarem verdadeiramente no que lhes estão a fazer ao país, nem tem verdadeiras convicções politicas: não sabem o que é um programa partidário, nem são capazes de assistir a um debate político na televisão.

É caso para dizer:

Salve-nos D.Sebastião!

Por vezes não me reconheço e até questiono o que faço. Não por dúvida no que toca ao que desejo e almejo, mas sim porque é importante rever as nossas opções de vida. Necessariamente somos impelidos a tomar rumos e caminhos diferentes do que esperávamos inicialmente. Por isso nem sempre me reconheço, ainda com os resquícios do vício errado de programar a vida.

É urgente o Amor,
É urgente um barco no mar.

É urgente destruir certas palavras
Ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos,
muitas espadas.

É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
É urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.

Cai o silêncio nos ombros,
e a luz impura até doer.
É urgente o amor,
É urgente permanecer.

Na ressaca de uma festa esfusiante de toda uma nação, é importante dizer que eu também vibrei e sofri com o desempenho futebolístico da nossa Selecção. Foi um bom jogo, cheio de emoções e realmente ganhou a melhor equipa, o que me deixa orgulhoso.

Parabéns Portugal!

É contagiante toda a alegria e moral que o desporto-rei pode movimentar. A Selecção Portuguesa no Euro, esta a desencadear um fenómeno que não era capaz de antever no meu povo. Algures no nosso genoma lusitano está determinado muito orgulho bairrista e nacional que tem vindo a ser recalcado desde à séculos pelos infortúnios de uma Nação mal governada e vitima dos desacatos da história. As bandeiras espalhadas por tudo quanto é canto, a mobilização em torno de um simples desporto de massas, num grito nacionalista algo esquecido.

O nosso hino aguerrido, não deixa de conter um quase fanatismo irracional: marchar contra canhões é no mínimo suicida, mas tendo em conta a época em que ”A Portuguesa” foi escrita, em que os nossos ditos aliados Ingleses nos fazem um ultimato, por causa uns milhões de quilómetros quadrados em África. Todo o Zé povinho reclamou a entrada em guerra com o Bulldog Inglês que com certeza comeria como pequeno almoço o Frango Português do fim do século XIX. E tudo por causa de um mapa cor-de-rosa unindo as costa da Africa Portuguesa. D.Carlos e a monarquia acabaram por cair por se terem rebaixado e aceitado o ultimato na esperança de não irritar mais a Victória, que na altura era a soberana indisputada do mundo. É neste fervor e revolta da humilhação que «A Portuguesa» se canta, como um sintoma de rebeldia e revolta por uma injustiça, por um vexame que custa a engolir.

Com a festa futebolística que hospedamos, muito para além das nossas possibilidades financeiras, revivemos muito do caracter português – culturalmente festas de pompa e circunstancia, casamentos, baptizados de arromba, foguetórios e procissões são uma parte indispensável para ser português. Isto mesmo que não haja dinheiro, há que dar aos convidados a ideia que a casa é farta e não se olha a meios para isso, como é o caso dos dez estádios de futebol, em vez dos 30 hospitais.

O Euro 2004, é a nossa grande festa, em que tentamos mostrar que não somos nenhuns pelintras, e a nossa Selecção e uma injecção de orgulho nacionalista sublimado, uma restia de esperança em que possa o nosso povo se orgulhar e moralizar. Quem sabe ganhar aos Ingleses seja um motivo para mudar algumas consciências e sair da depressão profunda em que os portugueses se enterraram, económica e socialmente, e da maneira que vêm e sentem o facto de serem portugueses.
Espero que a festa continue e não termine abruptamente nas mãos inglesas.

Por vezes deparamo-nos por diante de grandes decisões e fraquejamos, ou pelo menos não optamos pelas melhores opções. Somos feitos de um barro de qualidade, mas que tem as suas imperfeições, razão de sermos meramente humanos.

Percebo mais profundamente que não de deve dar demasiada importância ao que toca a estar errado ou certo, de saber ou ignorar, quando o que tem mesmo peso é se aprendemos, se vimos uma luz mais forte.

Um ser não pode temer de castigos e sobreviver sobe medos de errar ou falhar, mas sim buscar conhecimentos, aprendendo a melhorar os seus passos e acções para que sejam menos imperfeitos. Trata-se de ganhar experiência, e no final – tentar evoluir rumo ao nosso melhoramento íntimo.

Sinto-me como que uma criança que dá os primeiros passos, sofrega e cambaleante, mas insistente. Dá dois passos e estatela-se no chão, chora ou sorri, conforme o impacto, mais eis que em segundos se endireita, cambaleia e espeta mais seis passos rápidos de alegria e moral. Força de viver na sua versão mais pura, na mesma forma que deve ser quando se procura crescer ser ser em altura, ou nas frugalidades do poder mundano.

Hoje estou particularmente irritadiço. Pareço o ser descompassado, muito ao contrário do que me tenho sentido intimamente. É sem dúvida um refluxo passageiro, de uma certa erosão do meu circuito profissional. Espinhos passageiros.

Nada que uns bons momentos de meditação e recolhimento não resolvam num ápice. Ao fim de contas sei-o hoje mais do que nunca que estou profundamente feliz com tudo o que se passa na minha vida.