2004

O fim nunca é realmente um fim. Alias um fim não existe, o que entendemos como um termino, ou uma espécie de destruição, não passa de um erro cognitivo. Quando algo ou alguém desaparece, no sentido do que entendemos como fim, morte ou extinção, fica pelo menos algum túnue resquício do que foi ou teria sido.
Por isso acredito que numa vida nada realmente termina ou se extingue. Apenas muda e altera-se, restituído de outro formato, num molde diferente. Pode mudar a sua existência, forma e até conteúdo, mas de algum modo permanece, nem que seja num outro aspecto.

Como a nossa visão nem sempre vê além do aparente, e os nossos sentidos e crenças pessoais são algo limitados, interiorizamos o conceito de fim e de termino quando achamos que algo desapareceu. Esfumou-se no ar. Não o vemos mais, não o sentimos mais, logo deixou de existir. Terminou.

Para além das aparências, esquecemos que a essência mude assumir diversas formas, que a lagarta pode tornar-se borboleta, deixar de comer folhas e voar rumo a azul infinito. Terá a lagarta tido um fim?

A extinção da vida, como a morte, pode ser antes vista como uma metamorfose, uma etapa de mudança para outro plano existencial se nisso tivermos fé. Mesmo quando o esquecimento cai as coisas não terminam. Assim como as minhas lembranças que se escorrem nos meus neurónios maltratados, não fazem que o meu passado tenha um fim. Essas lembranças converteram-se, cessaram o ámago de momentos da memória e passaram a existir num agir perpetuado que me constitui e faz de mim quem eu sou.

Três anos é um longo tempo para manter um diário online. É uma questão de paciência, perseverança ou será uma questão de teimosia ou mera estupidez?
Quando escrevo sinto que os contornos e as motivações mudaram, assim como o meu corpo e espirito mudaram. Envelheceram e amadureceram. Melhoraram de certa forma, num upgrade que a vida oferece â medida que os anos correm no calendário.
Hoje muitos dos dados adquiridos do período em que estava na grande cidade se tornaram obsoletos e nada me impele a escrever para um grupo de amigos, como dantes o fazia, numa espécie de jornal de parede comunitário onde colocava os meus papeis.

Hoje essa faceta de grafitti de pensamentos, extinguiu-se com um novo despertar, para voos mais elevados, para vivências mais reais. Mas o mais importante foi também, ter tido graças a este espaço, a hipotese de me reencontrar e ver que existia toda uma nova dimensão não programada que em última analise, tranforma a pouco e pouco num novo ser, com uma nova vivência com V graúdo. Foi como se o diário de um meliante me libertasse e me mostrasse um destino que não antecipei e a pouco e pouco me desse aquilo que não tinha sequer atrevido almejar.

Hoje sei que só mantenho este espaço porque é uma espécie de casulo abandonado mas apreciado, que me deixa, decerto recordações de um passado fastidioso, mas também das mudanças que me atraíram para uma subida de divisão, com direito a taça e tudo do desporto que é a Vida.

Talvez o abandone em breve, talvez o reanime de uma comatose intermitente, talvez simplesmente o esqueça parado no tempo, como uma caixa de espelhos feita capsula do tempo.

Mesmo assim parabéns!

Me gustas cuando callas porque estás como ausente,

Y me oyes desde lejos, y mi voz no te toca.
Parece que los ojos se te hubieran volado
Y parece que um beso te cerrara la boca.

Como todas las cosas están llenas de mi alma
Emerges de las cosas, llena del alma mia,
Mariposas de sueño, te pareces a mi alma,
Y te pareces a la palabra melancolia.

Me gustas cuando callas y estás como distante.
Y estás como qujándote, mariposa em arrullo,
Y me oyes desde lejos, y mi voz no te alcanza:
Déjame que me calle com el silencio tuyo.

Déjame que te hable tambiém com tu silencio
Claro como uma lámpara, simple como un anillo.
Eres como la noche, callada y constelada.
Tu silencio es de estrella, tan lejano y sencillo.

Me gustas cuando callas porque estás como ausente.

Distante y dolorosa comosi hubieras muerto.
Uma palabra entonces, uma sonrisa bastan.
Y estoy alegre, alegre de que no sea cierto.

Pablo Neruda

Na ressaca futebolística, de um pequeno amargo, que contudo não foi um grande drama coloco-me perante a existência de uma patriotismo capaz de ainda salvar o país. Será que existe de facto um factor de agrupamento na mentalidade de ser português que possa vir ao de cima quando necessário for? Será que é esse o doce que tanto necessitamos?

Sem considerações ao estilo pessimista velhos de Restelo, que a sociedade portuguesa mergulhou na última década, talvez seja possível também evitar o optimismo eufórico estilo adepto do Benfica que banha as nossas banais multidões.

Se conjugássemos estes dois factores, moral de vencer com humildade será com certeza possível que Portugal suba à tona de água e deixe o mergulho no pantanal de frustrações económicas e sociais em que se tem envolvido.

Para ser franco fiquei frustrado pela Selecção ter sido derrotada pelos defensivos gregos. Mas o que interessa é que realmente quer Portugal, quer a Grécia mereceram ganhar pois foram humildes e tentaram dar o seu melhor sempre. É neste desenrolar de ideias que não estou mais desconsolado e muito pelo contrário, sinto que algo de muito positivo surgiu no Domingo à noite: os portugueses apesar de derrotados, festejaram uma vitória – de ter chegado tão longe no campeonato europeu de futebol, e da organização do Euro 2004 ter tido êxito.

Vencer é importante, mas mais importante é tentar vencer com convicção e excelência e mostrando a capacidade de tentar os seus objectivos. E isso é valido, quer no futebol, quer no mundo empresarial, quer politico. Mentalizar-se que é na excelência que está o ganhar.

Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem acabei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,

Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem;
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.

Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo : ”Fui eu ?”
Deus sabe, porque o escreveu.

Fernando Pessoa

Foi um jogo meio morto mas a que se seguiu uma festa rija – a Selecção chegou à final, fazendo história num ponto conturbado da história politica portuguesa. Apesar de eu estar meio constrangido, as notícias e o jogo fizeram-me ver que as preocupações e tristezas não podem comandar-nos e que temos que receber os poucos escapes e ópios que estão ao nosso alcance.

A Selecção das quinas motiva um orgulho nacional ferido, tentando adiar para melhores datas as decisões políticas que nos vão cair em cima nos próximos trimestres de forma desastrosa. Mesmo assim de nada vale sofrer por uma tragádia vindoura em vez de saborear a vitória actual.

Pessoalmente sinto-me aprisionado numa redoma aprisionante que não me deixa reflectir nem ser capaz de controlar o meu destino próximo. Tenho a sensação que tudo está fora de eixos e que as balanças estão oscilando desenfreadamente, impedindo para já, qualquer ideia com peso e medida. A ver se me aguento até à final.

Nada como um velório para nos recordar que somos efêmeros e que vivemos segundo um a espécie de arrendamento físico cujas assoalhadas tem um prazo de validade restrito mas desconhecido.

Não temo a morte, mas sofro com ela sempre que ela se aproxima um pouco. Não pelos que vão, mas sim pelas dores de quem fica e chora os seus. Ver pessoas que sempre vi bem-dispostas e alegres, encharcadas em Xanax para se manterem minimamente humanas e se refugiarem da dor e um quadro triste e que me revolta.

Depois todas as tradições do enterro, fazem-me sentir as tripas torcerem-se ao limite: todas aquelas flores, velas, cangalheiros, carros funerários, beatas, choros, gravatas pretas, sussurros sociais, estão longe de o que deveria ser uma despedida.

Quando eu bater as botas, quero uma Jazz Band tipo New Orleans, nada de flores e que eu seja rapidamente cremado e minhas cinzas largadas no curso de água mais próximo. O pó  deve regressar pó.

é triste viver num país sem rei nem roque, onde parece que todos os políticos e eleitores começaram subitamente a desempenhar um estranho papel de órfãos.
Creio que é hipócrita afirmar que se trata de uma crise ou problema de coloração partidária, de falta de postura de cidadania ou ainda de algum deficit de honestidade perante os eleitores.

A política Portuguesa, a meu ver, desde há muito que só tem uma credibilidade equiparada a personagem Carmen Dolóres de uma qualquer telenovela venezuelana de 5ª categoria: chora muito, passa de gata borralheira a princesa depois de muitos desamores e suplicios mas no fim casa-se e fica para sempre feliz. Depois, na próxima novela, basta mudar a fronha à actriz principal e voltamos ao mesmo. Parece-me que na politica portuguesa actual existe esta postura Carmen Dolóres. Mudam-se as caras mas não se muda o enredo. Ao fim de contas o rosa e o laranja são a mesma coisa, apenas com caras diferentes, dado o vazio de líderes, ideologias ou ideias capazes de salvar a nação.

O que me custa mais são os rios de frases demagógicas, os chavões eleitorais, as camisolas partidárias, como se a nossa democracia entorpecida fosse capaz de proporcionar verdadeiras mudanças do comportamento político. Há muito que o desacredito do mundo político português e da lama a que este desceu, tornou o português médio alguém que se limita a preocupar com o próximo carrinho de compras do Continente, de como o Benfica foi roubado e para que destino exótico as suas parcas economias lhe permitem fugir numas semanas de ilusão.

Não censuro o Dr. Barroso por se por a andar para um cargo importante, longe deste barco que está a ir a pique há mais de uma década sem ninguém com coragem ou capacidade para pegar no leme. Também não censuro o Dr. Lopes por querer um cargo que preencha as suas ambições polóticas, apesar de ser um cargo para que nunca esteve preparado.

A única coisa que censuro é que os portugueses só parecem patriotas para agitar cachecóis e bandeiras desde há muito anos e não se interessarem verdadeiramente no que lhes estão a fazer ao país, nem tem verdadeiras convicções politicas: não sabem o que é um programa partidário, nem são capazes de assistir a um debate político na televisão.

É caso para dizer:

Salve-nos D.Sebastião!

Por vezes não me reconheço e até questiono o que faço. Não por dúvida no que toca ao que desejo e almejo, mas sim porque é importante rever as nossas opções de vida. Necessariamente somos impelidos a tomar rumos e caminhos diferentes do que esperávamos inicialmente. Por isso nem sempre me reconheço, ainda com os resquícios do vício errado de programar a vida.

É urgente o Amor,
É urgente um barco no mar.

É urgente destruir certas palavras
Ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos,
muitas espadas.

É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
É urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.

Cai o silêncio nos ombros,
e a luz impura até doer.
É urgente o amor,
É urgente permanecer.

Eugénio de Andrade

Na ressaca de uma festa esfusiante de toda uma nação, é importante dizer que eu também vibrei e sofri com o desempenho futebolístico da nossa Selecção. Foi um bom jogo, cheio de emoções e realmente ganhou a melhor equipa, o que me deixa orgulhoso.

Parabéns Portugal!

freiras armadas:um contracenso

É contagiante toda a alegria e moral que o desporto-rei pode movimentar. A Selecção Portuguesa no Euro, esta a desencadear um fenómeno que não era capaz de antever no meu povo. Algures no nosso genoma lusitano está determinado muito orgulho bairrista e nacional que tem vindo a ser recalcado desde à séculos pelos infortúnios de uma Nação mal governada e vitima dos desacatos da história. As bandeiras espalhadas por tudo quanto é canto, a mobilização em torno de um simples desporto de massas, num grito nacionalista algo esquecido.

O nosso hino aguerrido, não deixa de conter um quase fanatismo irracional: marchar contra canhões é no mínimo suicida, mas tendo em conta a época em que ”A Portuguesa” foi escrita, em que os nossos ditos aliados Ingleses nos fazem um ultimato, por causa uns milhões de quilómetros quadrados em África. Todo o Zé povinho reclamou a entrada em guerra com o Bulldog Inglês que com certeza comeria como pequeno almoço o Frango Português do fim do século XIX. E tudo por causa de um mapa cor-de-rosa unindo as costa da Africa Portuguesa. D.Carlos e a monarquia acabaram por cair por se terem rebaixado e aceitado o ultimato na esperança de não irritar mais a Victória, que na altura era a soberana indisputada do mundo. É neste fervor e revolta da humilhação que «A Portuguesa» se canta, como um sintoma de rebeldia e revolta por uma injustiça, por um vexame que custa a engolir.

Com a festa futebolística que hospedamos, muito para além das nossas possibilidades financeiras, revivemos muito do caracter português – culturalmente festas de pompa e circunstancia, casamentos, baptizados de arromba, foguetórios e procissões são uma parte indispensável para ser português. Isto mesmo que não haja dinheiro, há que dar aos convidados a ideia que a casa é farta e não se olha a meios para isso, como é o caso dos dez estádios de futebol, em vez dos 30 hospitais.

O Euro 2004, é a nossa grande festa, em que tentamos mostrar que não somos nenhuns pelintras, e a nossa Selecção e uma injecção de orgulho nacionalista sublimado, uma restia de esperança em que possa o nosso povo se orgulhar e moralizar. Quem sabe ganhar aos Ingleses seja um motivo para mudar algumas consciências e sair da depressão profunda em que os portugueses se enterraram, económica e socialmente, e da maneira que vêm e sentem o facto de serem portugueses.
Espero que a festa continue e não termine abruptamente nas mãos inglesas.