eleições

No rescaldo das eleições autárquicas, às quais prestei talvez demasiada atenção, sinto uma enorme repulsa para o nível de debate político que assisti, não só na minha localidade assim como para todo país. Na minha cidade de residência – onde pelas minhas contas terá tidos os potenciais eleitores inundados por 10 euros de campanha eleitoral por cabeça, e depois de abstenção deverá rondar 20 euros a cabeça – segue já para o tribunal constitucional a impugnação do resultado eleitoral. Se a campanha tinha tido momentos de podridão então o seu rescaldo passa por arrastar de ressabiamento jurídico.

Lembrei-me entretanto de alguns textos que li há uma boa vintena de anos atrás, quando devorei de uma assentada uma dúzia de obras de Eça de Queirós e que tive o prazer de me deparar com «Uma campanha Alegre», onde aquele grande mestre da escrita retratava com tom critico e jocoso tão peculiar, aquele Portugal de 1890. Encontra-se passados mais de 120 anos enormes paralelismos, não da democracia per si, mas dos líderes e políticos que se apresentavam a votos. Desde os principais partidos que não tinham nada que os diferenciasse em concreto e que reuniam muitos votos de fieis e ferrenhos apoiantes, até a uma cultura do cacique que se mantém no poder e o transmite aos seus herdeiros, onde o seu nome representa votos da sociedade analfabeta da altura. Tal como hoje, a sociedade iliterada e de parcas noções de civismo, onde autarcas condenados e presos por corrupção quando exerciam os seus cargos são reeleitos e onde certas cidades continuam feudos de determinados partidos independentemente de quem der a cara pelo cargo, ou se reelegem um presidente tenha ou não ter tido um bom desempenho no cargo.

Nesta cidade os outdoors surgiram como cogumelos exibindo um nome de família a negrito de um novo candidato à câmara municipal, que por sinal tinha trocado de cores partidárias. Uma campanha recheada de fundos onde o candidato exibia o nome do seu falecido pai como uma mais-valia, apesar de não mostrara sua carreira de cargos conseguidos com a intermediação do famigerado Senhor Cunha que deram frutos catastróficos a duas instituições da cidade, com inclusivamente a falência de uma delas. Mas como falamos de Portugal, o politiqueiro tachista, o vira-casacas e o corrupto, são provavelmente os lideres políticos mais abundantes.

“The United States is extremely lucky that no honest, charismatic figure has arisen. Every charismatic figure is such an obvious crook that he destroys himself, like McCarthy or Nixon or the evangelist preachers. If somebody comes along who is charismatic and honest this country is in real trouble because of the frustration, disillusionment, the justified anger and the absence of any coherent response. What are people supposed to think if someone says ‘I have got an answer, we have an enemy’? There it was the Jews. Here it will be the illegal immigrants and the blacks. We will be told that white males are a persecuted minority. We will be told we have to defend ourselves and the honor of the nation. Military force will be exalted. People will be beaten up. This could become an overwhelming force. And if it happens it will be more dangerous than Germany. The United States is the world power. Germany was powerful but had more powerful antagonists. I don’t think all this is very far away. If the polls are accurate it is not the Republicans but the right-wing Republicans, the crazed Republicans, who will sweep the next election.”

Chomsky prevendo em 2010 as eleições de 2016

A política interessa-me e simultaneamente dá-me um enorme nojo. Primeiro porque gere o presente, o nosso dia-a-dia, direta ou indiretamente, e além disso é uma espécie de planear do futuro que envolve toda a nação. Porém a repulsa que me apoquenta é enorme e prende-se com as personagens que temos na campo político que temos.

Depois das eleições assistimos uma guerra palaciana, entre ajuntamentos improváveis e compadrios insólitos, agendas ocultas e insultos. Dramas teatrais com tomadas de posse de governos de duas semanas e a atitudes de um Presidente da República que mais parecia um dirigente desportivo. Tudo se jogou debaixo da mesa e os perdedores que se acharam vencedores fizeram birra.

Foi talvez demasiado triste e deixou óbvio que por detrás de divisões de doutrina e ideias políticos apenas se escondem egos e ambições e não o civismo e cidadania que são a génese do que idealizamos por democracia.

Não nos enganemos que o que chama um líder ao poder não é o dever de estado, mas sim a ambição de poder, mas atualmente neste Portugal infelizmente não há líderes. Tão só não há líderes, como também os que tentam fazer esse papel não passam de técnicos maquiavélicos de intrigas de bastidores. São pessoas que fizeram carreira na política sem darem mostras de nenhum predicado a não ser a retórica, troca de favores e movimentos de bastidores. São tão só lambe-botas que chegaram ao poleiro. E como é só isso que são capazes de fazer, seus únicos predicados, tornam-se dirigentes de um país totalmente incapazes de governar e fazer reformas necessárias.

E assim parece que a nossa democracia se vê mergulhada num ciclo vicioso de governos medíocres e ausência de lideres capazes. Mas pensando bem esse foi sempre o cariz da história portuguesa: somos um país e um povo com potencial desbaratado por chefes incapazes.

Estas eleições europeias afligem-me profundamente. Estas batalhas politicas pelo eleitorado prenunciam um perigoso desagregar da democracia. A partidocracia portuguesa está esvaziada de idealismos politicos e não se sabe o que está ser discutido ou votado. É um mero ajuntamento de pessoas que trocam a sua pretensa ideologia por um caciquismo politico à boa moda portuguesa – que sempre existiu desde a monarquia constitucional.

Depois de um barão laranja e a brasa da esquerda virarem a casaca ao que sempre apregoaram, parece-me cada vez mais patente a prostituição evidente que as figuras públicas fazem por um bocado de poder. Não é nada de novo, recordo-me de Zita Seabra e de Helena Roseta que mudaram substancialmente de cores partidárias. Mas era noutro contexto e com um pouco mais de pudor. Estes casos de assumido vira-cassaquismo rápido, sem periodo de nojo ou atravesia do deserto, já não são propriamente inusitados nem nos espantam tanto como seria suposto.

A ideologia partidária desapareceu ao longo dos anos. Os lanjanjas e os rosas, apesar dos nomes, são meramente liberais. Pouco se sabe do que separa o programa eleitoral dos partidos do centro (se é que existe sequer um programa e ideias) e as diferenças saldam-se por um conjunto de discursos demagógicos e não por um ideal ou programa e que mudam ao sabor do vento e da opinião pública.

Por tudo isso. acredito cada vez mais no deficit democrático português que já é crónico . A democracia ficou refém de um conjunto de caciques que orquestraram a subida ao poder através de compadrios, padrinhos, afiliações em sociedades semi-secretas como a Maçonaria e a Opus Dei. O poder não caiu à rua, nem esta na Assembleia da Republica, mas sim nos jogos de interesses colectivos de grupos selectos de jotinhas e seus patronos e patrocinadores.

Os partidos financiam-se como entidades mafiosas de lavagem de dinheiro com donativos que não se sabem as origens e como entidades fornecedoras de poder aos seus líderes. Estes chefes, parecem mais capos, que são os mais apadrinhados e os que mais favores devem, incapazes de ter ideias, mas tão só verborreia demagógica que desmentem passado 24 horas. É vergonhoso perceber que vivemos numa denominada democracia que está podre de sentido e de verdade e que num ciclo vicioso tende a piorar.

É neste clima que vou votar nas eleições europeias, tão importantes e que tanto impacto têm no nosso futuro, mas que porém ainda não vi uma linha sequer do que os euro-deputados pretendem fazer no europarlamento. Que vão votar, em que ala vão alinhar. Nada. Zero de conteudo politico democratico. Por isso o meu voto deverá ir para o partido com o logotipo mais radicalou até piroso uma vez que se vou votar no escuro, prefiro que seja num grupo radical com falta de sentido de estetica. Ou talvez vote no que tenha mais Cs ou Os. Venha o Diabo e escolha!

No rescaldo das eleições autárquicas fico com a noção que a democracia tal como a entendemos desde o 25 de Abril chegou a um momento de profunda degeneração e desarticulação.

A descrença na classe politica e da tal partidocracia,  ou seja desses clubes de tachistas, compadrios e associações semi-criminosas,  chamados partidos políticos,  atingiu tal nível que os votos nulos e brancos duplicaram.    Isto porque tudo somado as opções partidárias capazes de governar são do estilo da Coca-cola versus Pepsi-cola: ambas fazem mal à saúde, são um combinado de açucares e corantes e vivem à custa de publicidade para venderem o seu equivoco.

Eu cá vou começar a  preferir água da torneira.

Estou feliz apesar de umas costeletas fora do sítio que não me deixam dormir.
Sei que velhos hábitos não se costumam perder, mas tal frase é uma mentira escabrosa. Os hábitos perdem-se, desde que para isso exista força de vontade e algum ombro amigo que nos ajude a quebrar hábitos.

As eleições de ontem mostraram que o hábito do desinteresse cívico afinal diminuiu. A diminuição da abstenção da República veio dar um balão de oxigénio na esperança de democracia, e assegurar-me que afinal essa treta da república de bananas pode ser mudada. Pelo menos nisso tenho esperança.