Finalmente concretizei um sonho que alimentava há muito. Subi aos céus e desci suspenso por um pedaço de nylon, conseguindo não só desfrutar de uma sensação única, como também provar a mim próprio que não existem barreiras, e que a vontade supera o instinto e lógicas condicionadas.
Dizem que o homem não foi feito para voar e que se Deus quisesse que voássemos, ter-nos-ia dado asas. Discordo! Somos apenas anjos sem asas, lutando pelo direito de voltar a ser essa essência etérea e alada.
Não é possível colocar em palavras aqueles três minutos, que simultaneamente tiveram um gosto a eternidade e a fugacidade de um pestanejar.
Durante todo o fim-de-semana respirei toda a ansiedade do baptismo do paraquedismo. O treino repetido, a teórica, as manobras ensaiadas até ao exaustão, a cassete remoída no vídeo e na minha memória, o arnês suspenso a torturar as minhas virilhas. O ambiente de camaradagem semi-militar, numa irmandade de quem já tem centenas de saltos e tem no olhar um brilho de satisfação que eu não entedia antes de saltar.
Finalmente o Cessna 182 decolou, já no entardecer de Domingo, quando toda a ansiedade me tinha roído até ao âmago. Lá em cima a minha mente lutava entre o pavor e a calma enquanto todos aqueles ponto se distanciavam, ficando cada vez mais pequenos. Chegou a minha vez. Agi maquinalmente, pois era absolutamente contra natura, agarrar-me ao montante da asa, a 140 km/h e a 4500 pés. “Pronto!!” gritei e à voz de “OK” lancei-me no vazio.
Talvez o meu cérebro nunca estivesse preparado para sentir pela primeira vez o terror misturado com a ansiedade e prazer. Ao ver o avião subir vertiginosamente e o corpo catapultado à medida que a tira extractora do automático ejecta o pára-quedas, todas as ideias que nos possamos lembrar passam a cavalgar em simultaneo como numa parada de militar do exército da CCCP de 6 horas no Kremlin perante o politburo, comprimida num único segundo, levando dos 10 km/h a Mach 271,7 a nossa capacidade cerebral.
Tudo porque em teoria, quando se salta de um avião estamos do ponto de vista da Física mortos numa queda fatal. Não sei se gritei, de fiz a contagem, se balbuciei uma série de palavrões. Acho sim que o meu consciente e inconsciente cruzaram-se, chocaram e fundiram-se, e que levitava em êxtase.
Estava a minha existência sujeita a algo de verde alface no meio do imenso azul que se começa a abrir, numa lufada de salvação.
Algo estava errado: os cordões enrolados. Simples de resolver e sem pânico rodei. E depois voava e finalmente atingi um estágio de libertação e liberdade do espirito.
O tempo parou, e a suavidade do ar e a imensidão do espaço rolavam como uma injecção de 50 ml seratonina directamente no córtex. Não seria o Nirvana mas era contudo um estádio intermédio de iluminação e expansão da mente. Sem adjectivação possível.
M. chama-lhe sexo com anjos. Eu prefiro dizer que está a uns escassos níveis do Nirvana.
De volta ao chão, uma aterragem minimamente calma, e um sorriso de orelha a orelha. E um brilho no olhar. Senti a electricidade da satisfação e realização em cada célula, de cada tecido do meu corpo.