cobardes

Os donos do Pingo Doce quiseram esfregar-nos na cara o nosso egoísmo, a nossa venalidade, a tremenda distância que nos separa dos outros, desde que de permeio esteja o nosso umbigo. Quiseram fazer-nos provar a gordura cobarde que temos em vez de músculo; explicar-nos, muito devagar, como se fossemos imbecis, que nada nos custa pisar as vidas dos vizinhos desde que seja para alcançar couratos a metade do preço. E conseguiram. Anunciaram primeiro que iam obrigar os seus trabalhadores a laborar no feriado do 1.o de Maio.

Quando alguma polémica eclodiu, sujeitaram a referendo nacional a solidariedade da manada tuga: “E se vos déssemos um desconto jeitoso, ainda ficariam do lado dos oprimidos, ou correriam por cima deles para agarrar vinho em saldos?” O resultado viu-se ontem pelas nossas ruas: milhares a encher bagageiras com os despojos dos direitos dos outros.
Nas declarações de rapina, o gáudio cheirava-se à légua: “Podemos registar o entusiasmo e a euforia dos nossos clientes, que precisam de campanhas como esta.” Como precisamos, foi só assobiar para nos pormos de cócoras, orifícios lubrificados pela nossa própria cupidez.

Pouco depois, quase todas as grandes superfícies comerciais decretavam, à força de intimidação, a morte do 1.o de Maio. Mais um capítulo na história da infâmia em que vamos dando razão ao ditador que nos baptizou como “uma nação de cobardes” – acrescentámos ontem a palavra que faltava: “Glutões.”

Crónica de Luís Rainha publicada no i

Pensei que os tormentos que passei no passado em relação ao trim-trim tinham terminado. Há uma meia dezena de anos, era eu ainda mais mocinho, uma mulher despeitada achou que fazer telefonemas anónimos durante 6 meses para minha casa, mantendo uma linha fantasma, daquelas em que ninguém responde do outro lado, era uma boa forma de me seduzir ou algo do género.
Nunca percebi o prazer de gastar dinheiro numa chamada telefónica, só para sentir alguém do outro lado e ouvir a sua voz sem se querer identificar ou falar. Acho que só os cobardes têm medo de dar a cara e acabam por ter atitudes infantis ou um pouco mentecaptas como incomodar alguém pelo telefone sem sequer lhe dirigir a palavra.

Quando digo tormentos não me refiro a aborrecimento, mas mais a ser algo diário rotineiro de algo inoportuno e masoquista.

Clockwise. Trim-Trim

Terei um appel sádico? Não foram seis meses que me chateassem. Depois da curiosidade inicial de imaginar quem esta a fazer aquilo torna-se patético assistir, dia após dia, a um degradar de orgulho e auto-estima. Não foi a única vez… E também não foi a última infelizmente…

Agora com o telemóvel a coisa voltou num formato semelhante. Já praticamente não atendo esse tipo de chamadas não identificadas ou de números estranhos. O problema é que agora me chateiam um bocadinho mais: descarregam-me a bateria do telemóvel…

Bom é caso para dizer que os meios de comunicação mudam, evoluem e tornam-se tecnologicamente mais avançados, mas as pessoas não… Acabam por ser basicamente as mesmas por dentro…