2006
música maestro!
Mil conversas podem-se perder, mil frases podem ficar esquecidas durante anos num recôndito neurónio. Mas a música perdura, lembrando-nos de uma miríade de momentos, sentimentos, alegrias e até euforias.
Sempre gostei de música. Avidamente consumo música, tenho gostos eclécticos sem nunca comprometer a qualidade. Desde Jobim a Franz Ferdinand, de LSD Sound System a The Clash, tudo sem o seu espaço, nos meus inúmeros catálogos virtuais de músicas preferidas. Passado, presente e futuro que trazem melodias e memórias, conforto e alivio, esperanças de novas emoções fortes.
E verdade seja dita: nada como um iPod como companheiro de corrida. É garantia de novo record pessoal.
Mystical Place
excentricidades
O meu feitio tem muitas facetas contraditórias, muitos defeitos, mas ultimamente vive carregado de esperanças e equilíbrios ganhos a custo. Uns dos meus escapes favoritos são as minhas pequenas excentricidades, que podem ir de um universo relativamente banal da sanidade, até ao limite de ser tido como uma das possíveis aquisições da equipa de futebol 7 do Magalhães Lemos.
O facto de não me impor muitas regras, permite-me abraçar esses pequenos devaneios com muitas repercussões do foro monetário e até físico. Se aceitarmos um conceito bastante válido de que não poderemos levar o cartão multibanco no caixão, e que a certa altura a nossa saúde vai mesmo desaparecer apesar de todos os esforços em contrário, coloca-se-nos uma questão muito simples: porque não?
É certo que me recrimino por alguns gastos excessivos, mas estar no clube gourmet é sempre uma razão de júbilo, em que cada cêntimo é maximizado até ao último momento de prazer. Por outro lado, os gadgets que povoam a minha casa têm tido enorme utilização, tipo hour-and-hours of fun. Claro que fico com um pouco de sentimento de quase culpa, ou até vergonha por me estar a tornar um geek fora de tempo. Mas eu sou dado a excentricidades, certo? Se me apetecer ter comportamentos típicos Cro-Magnon, e desde que não verifique se a moca funciona correctamente quando admnistrada no craneo dos vizinhos, ninguém tem nada a ver com isso.
Também não vou ser possuido no amago por um ancestral homem de Neandertal, apenas porque prefiro socializar-me de uma forma mais exclusiva e talvez mais intensa, prosseguir com uma maior auto-indulgência, maior receptividade aos meus apetites, e fundamentalmente quebras hábitos e correntes. Liberar-me dos condicionamentos na sua forma mas acabada e última.
Respirar fundo
Quando a revi ao longe, não quis acreditar que todos aqueles sentimentos de puro deslumbre estavam reactivados. A sua beleza singela despertava de novo em mim aquela atracção intimidadora que eu sabia que em pouco segundos me iam tornar numa amiba embasbacada. Respirei fundo e segui em seu encontro. Não era mais tempo de não olhar olhos nos olhos uma mulher bonita.
Aprender
Apesar de incorrer no pecado de utilizar chavões estereotipados, não deixo de afirmar que a experiência da vida é uma aventura que só se atinge o objectivo, passando por um longo percurso de tentativas e erros. Erros esses que nos fazem aprender, a melhorar, a ser mais lúcidos e maduros.
Bater com a cara na porta e uma lição que dói, mas é uma lição necessária. Sem o erro, o logro, o insucesso, não somos capazes de acordar do país dos contos de fadas e procurar na profundidade do nosso ser o melhoramento e o rejuvenescimento necessários para que não nos tornemos em algo de oco.
Nem tudo são rosas, mas também, nem tudo são espinhos. Por cada prova de obstáculos, vislumbra-se uma meta e um pódio que nos aguardam. E por essa meta, onde todos que a cruzam têm medalha, vale a pena correr.
Primaveril

deus das pequenas coisas
Em determinados períodos, vá-se lá saber porque carga de água, sou demasiado propenso a letargias cíclicas. O facto que não escrever estas últimas semanas aqui apesar de uma enorme vontade é disso um exemplo acabado de como sou um ser bastante inconsistente para com os meus pequenos prazeres.
Desculpas aparte, estes últimos dias têm sido propensas a fait divers que me recordam de algo verdadeiramente excepcional: a vida tem inúmeras surpresas e quando julgamos que o planeta terra já rolou tudo que tinha que rolar para nós, eis que algo faz com que mergulhemos na máquina de lavar a roupa em pleno ciclo de centrifugação.
Acho que são as pequenas-grandes diferencias que nos recordam que a Vida tem sempre um V maiúsculo e que o deus das pequenas coisas está presente para nos dar momentos únicos de beleza e êxtase. Basta que tenhamos a alma aberta para abraçar novas aventuras.
I´m Jack´s true
O que possuímos acaba por nos possuir.
25 anos de Kilas
Ilustres
Correu tudo bem. A visita da olímpica amiga fez com que o fim-de-semana fosse especial e apesar do corre-corre. As desilusões dos antros noctívagos programados com antecedência e escolhidos a olho para dar um ar de bom cicerone mostraram-se bastante ridículas.
Felizmente a gastronomia quase estritamente vegetariana foi brilhante e o risco audaz da galinha Vindaloo deram um sabor especial a umas conversas muito interessantes e lúcidas.
Nada melhor que ter uma visita tão ilustre e nobre para alegrar os nossos dias com a sua simpatia, inteligência e cultura e estreitar laços de amizade além fronteiras.
Pelo meio deu para agraciara pequena L. e os seus babosos pais, no seu primeiro aniversário.
O tempo passa ligeiro…
A Casa
A grande Diva
Como um penetra entre os rich and the richest, teve acesso a convites para o concerto da Mariza na Casa da Música. Nunca fui apreciador de fado até ter ouvido um par de temas da Mariza, em especial a Loucura e desde então tenho sido um fã incondicional desta Diva.
Mais de que uma fadista, Mariza é a personificação de um fado que saiu da saudade da Severa e da alçada da madrinha Amália. O facto da Mariza ter orgulhosamente sangue africano nota-se na forma como ela interpreta o Fado.
O concerto em sí parecia mais um encontro de privilegiados, do que propriamente um local em que os fãs vão ouvir a sua interprete favorita. Isto porque não creio que determinadas personalidades do mundo político e social (e até alguns cromos) se tivesses deslocado até à Casa da Música para o privilégio de ouvi-la cantar.
Vestida de um deslumbrante mas espartano vestido bordeux comprido, Mariza parecia ainda mas alta e esguia, e irrompe logo com a Loucura para iniciar. Logo nos seduz com o seu invulgar à vontade em palco e capacidade de falar com a plateia, até brincando com o demasiado formalismo das gravatas e casacos de vison que por ali abundam.
Além de uma capacidade vocal sem paralelo, Mariza não é só uma mera fadista, ela introduz novos temas e interpreta de forma magistral todos temas, dando-lhe sempre toda uma expressividade como só ela o consegue. Ela gesticula, exprime-se para alem da voz e até dança o Fado. Dá ao fado uma transcendência de música do mundo e não a música de um lugarejo chamado Lisboa. É uma música com raízes étnicas, mas é muito mais que isso. Os violinos, a viola de arco, o violoncelo e a percussão são introduzidas, fazendo todo o sentido numa fusão que é fado, mas é muito mais que fado.
As transparências revelam a sua origem moçambicana, o seu crescimento na Mouraria, o seu caminho no jazz e a redescoberta do Fado. É é pela sua voz que o Fado se moderniza e se torna algo que os meus ouvidos deliram.
Pena é que os aplausos tenham pecado por ser escaços. Deslumbrante quando Mariza interpretou Summer Times como ninguêm e quando evocando uma tasquinha fadista, cantou em plenos pulmões sem microfones e a sua voz autentica e cristalina acompanhada às guitarras se fez sentir em toda a sala 1. Um momento inesquecível. Genial, rendo-me a seus pés!
ESPERO
A roda da Fortuna
Ordinariamente Portugal
ORDINARIAMENTE todos os ministros são inteligentes, escrevem bem, discursam com cortesia e pura dicção, vão a faustosas inaugurações e são excelentes convivas. Porém, são nulos a resolver crises. Não têm a austeridade, nem a concepção, nem o instinto político, nem a experiência que faz o ESTADISTA. É assim que há muito tempo em Portugal são regidos os destinos políticos. Política de acso, política de compadrio, política de expediente. País governado ao acaso, governado por vaidade e por interesses, por especulação e corrupção, por privilégio e influência de camarilha, será possível conservar a sua independência?
Foi você que pediu um Valium?
Nada como um péssimo despertar, uma boa pitada de insónias recorrentes e um desejo profundo de deixar os pensamentos fluírem desordenados para limpar a mente. Suponho que os ciclos de vida quotidiana seguem a malfadada piada dos interruptores: umas vezes para cima, outras vezes para baixo. Para contrariar isso, desliga-se o telemóvel, presenteamo-nos com uma boa sessão de exercício masoquista, seguido de um bom banho de imersão, acende-se um incenso e metemos alguma música particularmente intimista no iPod. Melhor que uma dose cavalar de Valium!
Hoje de manhã saí muito cedo
Hoje de manhã saí muito cedo,
Por ter acordado ainda mais cedo
E não ter nada que quisesse fazer…Não sabia que caminho tomar
Mas o vento soprava forte, varria para um lado,
E segui o caminho para onde o vento me soprava nas costas.Assim tem sido sempre a minha vida, e
Assim quero que possa ser sempre —
Vou onde o vento me leva e não me
Sinto pensar.
Lá no alto
Neve
Estava cansado e irritadiço, como uma criança que não dorme. Necessitava de um refúgio das insónias e do stress.
Não cruzei os braços e agi. Com alguma urgência que não entendia bem, com uma impulsividade nada comum.
E eis-me em direcção à serra dos meus antepassados, junto para as minhas raízes da raia em pleno dia de gelo. A viagem foi indecente, como a estrada. Mas eis que à chegada, acolhido pela noite e um vento glaciar regresso aquela casa de granito. De súbito a urgência da minha deslocação como que se desvendou, fez sentido. O meu tio completava setenta anos de vida e eu não o sabia. Inconscientemente a minha pressa tinha uma razão e isso era já um prenúncio de uma peregrinação bem-sucedida.
A casa estava quente apesar de o frio aparecer no exterior com um gume afiado e dilacerante. O amanhecer após uma noite de sono longo e sustentado como não tinha à muito tempo pareceu-me convidativo a mais uma incursão e comunhão entre o Eu e a imensidão do horizonte raiano.
Ao sair equipado para as caminhadas e intempéries fui atropelado por um caminhão TIR vindo directamente do árctico a ponto de ter que me reforçar com várias camadas de vestuário. E lá fui rumo a liberdade sem rumo numa caminhada nos planaltos agrestes. Vale após vale fui-me perdendo, absorto no silêncio perfeito de escutar o vento gelado, com a alma esvaziando a mente a cada passo, perdendo a noção de tempo. Logo o chão incrustado de geada, alternava com o gelo a que o regato transbordante se tinha transformado. O gado tentava ruminar o pouco feno pois os lameiros exibiam turfas de ervas congelada e aqui e ali uma ave de rapina esvoaçava, desesperada por um roedor para matar a fome.
Por pouco uma matilha de cães pastores de raça indeterminada, mas possantes não me tomava por um pilha-ovelhas ou lobo em pele de cordeiro.
Foi então que o vislumbrei lá longe. Cinzento e massivo, um enorme penedo reinava ao seu redor. Arredondado de um granito milenar da Serra chamava por mim, e sem perceber tomei o seu rumo saltando muros de pedregulhos instáveis e passado debaixo de arame-farpado.
Ao chegar a sua beira percebi que teria de o conquistar apesar das suas linhas circulares e esguias com mais de 5 metros de altura. Era como um conjunto de ovos graníticos alinhados. Após voltas e mais voltas, descobri-lhe os pontos fracos, um acesso quase inacessível para o topo das suas parábolas. A custo venci-o. E lá no alto pude ver quilómetros infindáveis, só, em comunhão comigo mesmo e com a natureza. Para além do rendilhado verde-escuro, traçado de linhas cinzas, cresciam as montanhas espanholas com neve nos cumes. Atrás o Sol brilhava acima dos últimos cumes da Estrela. Senti-me rejubilar e gritar de alegria por aquela conquista. E não fosse o corpo dar sinais que em breve estaria em precisar urgentemente de líquidos quentes por ali ficaria.
De volta as lides familiares, aproveitei para dar um passeio pela tarde até às terras da família munido com o meu olho mecânico, mas o frio crescia e as nuvens prometiam o tom escuro. Ao regressar o vento cortava as orelhas e a face parecia um mísero pimento dorido.
Ao anoitecer nevou. Primeiro a medo, pequenos flocos minúsculos. Já escuro, os flocos eram espessos e um manto branco pousou aliviando o frio e paralisando o vento. Branco níveo, buscava reflexos florescentes de azul. Berrava por dentro de emoção.
Na manhã domingueira na antecipação coloquei-me em novo percurso, desta vez calcando uma camada de neve já compactada, sentido o luz branca e intensa, perdido e zonzo com o espectáculo único. Frio por fora e quente por dentro, vi a neve escoando-se lentamente à medida que o Sol subia, calmo e sereno.
Compreendi que me falta espaço na cidade, onde os horizontes são cortados e curtos. Na aldeia não sofro da claustrofobia do horizonte. Nada esconde o limite do nosso olhar. E nada como o silêncio que nos acolhe e envolve na natureza para relaxar a alma.