Capeia Arraiana


Capeia antiga

Resolvi dedicar estes dias quentes do pino de Agosto para rever as minhas raízes e visitar os meus parentes, que revejo tão irregularmente. Não sou achacado a reuniões familiares, mas apetecia-me mesmo rever minha anciã avó, meus tios e principalmente meus primos, que há tantos anos não revia.

Fiz-me à horripilante estrada que serpenteia a Serra da Estrela, com uma tolerância zero invisivel, agora totalmente a monte, sem ter passado por um único carro da BT.

Cheguei à Raia, com reencontros emocionados, sangue de família a borbulhar, embora me sinta sempre algo incomodado algo este tipo de manifestações. Sou demasiado reservado e contido infelizmente, para ser alvo de atenção quando a intimidade não é assim tão profunda. Mesmo assim deu-me uma enorme alegria todos aqueles reencontros.

Logo fui encaminhado para a praça de touros onde a Capeia Arraiana das oito aldeias se ia desenrolar. A Capaia Arraiana é uma tradição de lide do touro muito estranha e particular, que mesmo remontar ao tempo dos Iberos, não se conhecendo tradições similares. Apesar de me desagradar o mau trato aos animais, sendo a Capaia uma corrida onde o animal enfrenta o homem numa espécie reminescente de ritual de mistificação, onde não há sangue, nem nenhum objecto de tortura.

A Capaia Arraiana é uma espécie de garraiada, mas que é antecidada pelo Forcão, um enorme triangulo em carvalho solido, com várias traves de sustentação que atravessam o triângulo e onde três toros sólidos, dois em forma de V nos lados desse triângulo e um na bissectriz do angulo interno desse V.

Na dianteira de cada extremidade do V existem as galhas, onde o touro se for bravo investe. Sustido em força por 20 a 30 rapazes solteiros da aldeia raiana, o objectivo é suster as investidas do touro, oferecendo-lhe as galas durante o embate, evitando a todo o custo que o bravo animal contorne o V ou levante o forcão atacando assim os desamparados homens do forcão. As manobras do pesado triângulo, exigem um esforço enorme em peso e coordenação e não mais de cinco minutos pode o forcão ser empunhado pelos valentes. O touro, acaba por estar também exausto, por vezes atordoado pelas marradas na madeira solida, é agora alvo de uma pega, depois de cuidadosamente pousado o forcão. Alguns mais corajosos tentam agarrar o touro pela cauda ou pela cernelha, mas raramente isso é possível.

É um espectáculo algo bizarro, mas realmente esta tradição popular muito singular, parece remontar a tempos esquecidos, dando um efeito onde se respira uma luta de honra e valor, mas principalmente um significado: a união dos homens pode vencer as forças da natureza.
O touro regressa vivo depois da corrida, e os bravos recontam depois na Raia a sua experiência as belas moças raianas.

Mas eu estava doido por sentir o Sol espreitando pelas colinas, mergulhando lá na Serra, deixando os vales dourados entre o pasto doirado e os pedregulhos granito grisalho revestidos por turfas de giestas. É um quadro de uma beleza que me estoura o coração. Sentindo vento do final da tarde, já poisadas as poeiras, sentindo os cheiro da terra agreste da Raia, brilhando sobe um céu azul, reconheci alguns tempos de meninice, assim como parte das minhas raízes feitas carne.

Creio que nenhum homem se pode conhecer, se não sentir que parte de si deriva das suas raízes ancestrais, embebida na cultura e valores. Em parte sinto-me beirão e tenho orgulho nisso.


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