Acabei recentemente de ouvir um delicioso audiolivro, um clássico disponível na librivox. Tratava-se de “Memórias póstumas de Brás Cubas” de Machado de Assis e fiquei maravilhado com o livro e pela história que retratava uma boa parte do século XIX brasileiro.
Nesta história, Brás Cubas, um aristocrata carioca, de fortuna de segunda geração que tem pretensões políticas e deixa-se envolver por uma filosofia denominada humanitismo.
Foi com muito prazer que segui a intriga do livro um romance de epóca, mas foi na descoberta desta pseudo-filosofia do humanitismo, que considero que Machado de Assis brilha, no seu poder de descrição do pensamento acerca do poder dos mais fortes que impera desde o séc XIX e está a chegar ao séc XXI. Quando Machado de Assis escreve, ele tem ainda a noção da escravatura na pele e na cultura da época e da sua explicação mesmo nos meandros filantrópicos, que desculpabilizam a sua ignóbil existência.
Nesta caricatura feroz, onde o nosso herói e o principal autor e líder do humanistimo- Quincas Borba, as duas personagens inesquecíveis caem na loucura embevecidos pelas suas ideologias.
Nesta cultura, não muito distante da cultura portuguesa e até europeia, o livro descreve um cenário onde essa lei do mais forte impera e legitima a existência de colónias e o massacre dos indígenas. É puro humanistimo, mas que tristemente este repulsivo meio de enquadrar o mundo e a realidade, ultrapassa esta literatura e é pura realidade. Ficou visível na ascensão do fascismo passados 50 anos e por sua vez seguida pelo Nazismo e o holocasto. Um culminar de desumanidade previsto nesta caricatura de filosofia.
Foi, portanto, uma pérola filosófica, onde o autor enquadra com cinismo um pensamento que imperava na época e que teve um desenlace que levou a duas guerras mundiais com epicentro na Europa. O humanitismo é uma sátira do positivismo e de uma crença na superioridade e do nacionalismo que infelizmente hoje está novamente a crescer bem debaixo dos nossos narizes.
Até quando o ser humano, minimamente informado e letrado, pode acreditar nessa noção de superioridade pela cor da pele, ou pelo local de nascimento do seu BI, ou da religião que seguimos? Seremos tão ridículos que caiamos nestas armadilhas de sentimentos tão negativos pelo impulso do Ego? Felizmente tenho a noção que tenho a consciência da irmandade humana, e creio que consegui incutir nos meus filhos a noção de empatia com todo o ser humano. Sem isso, não creio que possamos ser seres humanos em todo a sua plenitude.