Humano


Não percebo a violência. Em miúdo deparei-me com a adrenalina da força e da luta máscula e sentia nas veias um pulsar animalesco logo que era interpelado de forma mais provocatória. Basicamente agia instintivamente, tomando um papel que julgava ser honrando, tendo um corpanzil para isso entre os miúdos da minha idade.

Um dia, que a minha reputação de pequeno arruaceiro que não levava desaforos para casa, foi posta à prova, sendo manipulado por outros miúdos do liceu, espicaçando-me. Era apenas um galo de combate, ou melhor um garnisé. Pedi contas a um miúdo com mais dois anos que eu e provavelmente mais 5 ou 10 centímetros de altura. Levei de resposta um uper-cut bem inflingido, mas isso não me tocou verdadeiramente: apesar de eu ver estrelas não senti o sangue a jorrar-me pela boca enquanto a minha mão direita lhe apanhou a garganta. Julgo hoje essa loucura com tristeza, mas naquele momento seria capaz de o sufocar. Só a suplicas de desespero do adversário e a três ou quatro pacificadores que nos tentavam separar o larguei.

Não contente, passados alguns minutos um adversário ainda mais imponente veio interpelar-me. Empurrão e murros. Vou ao chão, levanto-me e de novo a fúria assassina. Desta vez tremi de raiva, possesso. Não estava sequer naquele local, apenas com rapidez letal procurei a garganta, ignorando pontapés e murros. Era um primata que num relâmpago agarrou novamente pela garganta a sua presa. Depois vi o desespero naquela face em que as carotidas eram esmagadas por uma força compressora motorizada a demência. Atónito parei.

Percebi que a violência era, e o que eu tinha de mais desumano: uma força irracional capaz de me destruir, num rasgo de escalada de descontrole furioso. A minha reputação instalou-se no liceu como simpático miúdo, capaz de virar uma fera assassina a quem ninguém deve provocar. Vacinado desta minha faceta negra, nunca mais fui solicitado para rixas, aprendendo uma importante lição da vida: somos humanos por opção e animais por essência.

Aprendi a controlar-me e a entender que a violência nada me dará, a não ser a minha própria derrota. Seja qual for o resultado de uma confrontação fisica prefiro ser um humano cobarde, do que um viril macaco corajoso.


2 comentários on "Humano"


  1. Algo tipo HULK?!? (O filme é muito mau!)

    É peferivel deixar escoar a adrenalina para os jogos de cartas, muito mais intelectual, apesar da batota.

    Também eu era terrivel, murros no nariz e essas coisas, sempre fui muito alto e sempre fiz jus a não levar desaforos para casa.
    Até ao dia que reconheci a força que tinha.
    E parei.
    Tirando aquele incidente, com o F. a ter uma visão detalhada da sola das minhas Doc’s nos primeiros anos da Univ.
    Mas por vezes o sangue ferve e não é por paixão.
    Somos também animais.

    Mas de nada nos adianta mandar murros e cabeçadas na parede como o amigo A. ou mandar murros e cabeçadas em qualquer idiota que se atravesse no caminho.
    Mas temos de aceitar, para dominar, essa natureza animal.

    Abraço
    p

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