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As pequenas células cinzentas necessitam exercício. Esta seria talvez uma das frases mais repetidas de uma das minhas personagens de ficção favoritas le monsieur Hercule Poirot, famoso detective privado, um belga vivendo na Londres imperial das novelas da escritora Agatha Christie. Em adolescente eu devora livros de suspense e mistério e a mestria daquela escritora deixa-me em suspenso até ao desvendar do mistério. O estranho e perspicaz belga, orgulhava-se de exercitar as pequenas células cinzentas e meticulosamente deduzir quem era o frio assassino.

Recordo-me ainda de alguns desse livros, muito embora na altura todos aqueles nomes da aristocracia britânica e toda aquela estética do anos trinta me confundisse um pouco. Mas o que mais me fascina hoje é que aquela autora, teve ao longo de cerca de quarenta anos de carreira a mestria e a capacidade de labuta para escrever mais de 80 obras policiais. Trata-se tão somente da autora mais lida em todo o mundo e os seus livros só serão ultrapassados em número de vendas pela Bíblia e pelas obras de Shakespeare. Qual seria o seu segredo? Como teriam as suas pequenas células cinzentas tanta capacidade criativa e tanto empenho em escrever? Como seria capaz de tanta fecundidade de escrita e tanto arrojo nas suas histórias envolventes?

Fico surpreendido como alguém é capaz de suster anos fio a originalidade e a solidez de um estilo de escrita , conseguindo todos os anos meter um livro ou dois no prelo e elaborar uma obra literária tão profícua como a lady Agatha Christie. Aquelas pequenas células cinzentas deviam ser muito especiais. E deviam suar muito.

Nem sempre as palavras fluem com a regularidade que as desejamos. Vulgarmente sou fustigado com um incomodo período de procrastinação que de tempos a tempos vem bater à minha porta.

Mas o que interessa nem sempre tem tradução em palavras – apenas é passível de se tentar descrever num conjunto confuso de frases sem nunca se conseguir um mísero texto que se adeqúe ao estado de alma que se quer transmitir. Por isso nem sempre faz sentido expor ao mundo por palavras o que se sente ou faz.

Além disso a audiência que presumo existir provoca uma timidez infame, um medo que o nosso retrato vivencial seja mal entendido ou mal descodificado, um mal que já me persegue há muito.

Mas estes argumentos são meras desculpas e a programção segue dentro de momentos…

As palavras não são capazes de suster o peso das emoções fortes, nem milhares de frases podem descrever com autenticidade as imagens que ecoam na minha mente.

Como na música do Chico Fininho, só por leviandade se pode sorrir assim, – mas não o posso deixar de o fazer.

II – Frases que se perpetuam

Esqueço-me que as palavras também se materializam, que passam de um pensamento a um estado visível de transmissão. Quando são ditas, as palavras apenas passam à distancia que o som e o ar as permite transportar e são actos efémeros audíveis, completamente momentâneos e raramente reproduzíveis novamente na sua essência, timbre como são proferidos e conotação com a língua, a boca e os lábios o emitem.

Quando as palavras passam por uma caneta, uma máquina de escrever, um teclado, tomam outra alma, são já um compromisso materializado de um pensamento, ideia ou emoção. Podem ser lidas repetidamente e os seus significados circunscritos dissecados, pondo a nu toda a sua expressão e mensagem.

Mesmo que sejam destruídos o seus suportes, como o papel, ou estas pacatas páginas, essas palavras atingiram uma substância eternizada que se perpetua, sendo eterna mesmo que já não existente, pois ouve uma prova palpável da sua presença.
Essa marca de que as palavras são para todo o sempre fustiga hoje a minha leveza de escrever. Toda a ânsia e escassez de tempo com que matraqueio o teclado, não me dá a lucidez de transportar a clareza do que pretendo enviar numa simples mensagem.

Quando as minhas memórias e emoções são aqui depositadas não estão escritas na areia à espera de uma onda que as apague, nem estão só marcadas a canivete na cortiça do tronco de uma árvore. Essas memórias e emoções serão depositadas transportadas numa capsula do tempo, para sempre incorruptíveis num vácuo temporal. E quando é assim, deixa uma efeito semelhante a uma ponte para a eternidade e que depois de ser lançada não pode mais ser alterada, rectificada ou repensada, como a placa que viaja na sonda Pioneer 10 a 12,5 mil milhões de kilometros da Terra, uma mensagem da humanidade que muito provavelmente sobreviverá a extinção da humanidade e civilização que a concebeu.

I – O peso das palavras

As palavras têm muitas vezes um significado muito peculiar e forte, dependendo em muito do momento e do contexto em que são pronunciadas ou escritas.
Eu infelizmente dou excessivo valor a algumas e menosprezo outras frequentemente, dando-lhes uma relatividade muito própria na minha personalidade muitas vezes sombria. Esqueço-me que as palavras são meros objectos de transporte e significação de actos e imagens, que apenas pesam uma tonelada, ou são leves como uma pluma, em função do que vai na alma de quem as solta ao vento.

As palavras devem ser medidas apenas quando chegaram ao chão, desnudas da emoção da pressa de serem ditas ou escritas, funcionando apenas como um marco momentâneo de circunstancias e alvoroços. Quando tal acontece, a sua beleza ou fealdade sublima-se transportando-nos para significados mais profundos dos pensamentos e emoções, num campo intervalado, sem maquete, luzes, câmara e acção.

Não existindo o barulho nem as falhas de um pensamento irreflectido e contingente, é fácil por de lado aqueles conjuntos de vogais e consoantes, de verbos, pronomes e sujeitos. As palavras são então coadas de sarcasmo momentâneo, dissolvidas do vocabulário impertinente, decantadas de impuseras gramaticais, escoadas de subterfúgios de incompreensões.

Depois da alquimia da purificação das palavras fica a mensagem velada, o seu verdadeiro significado. Onde estava um insulto, pode antes estar um pedido de compreensão; onde estava um impropério estava antes uma chamada de atenção; onde estava um rosnido estava antes um pedido de afecto.

Tenho que começar a fazer uma alquimia às palavras que me ecoam, agarrando a sua essência, não me deixando levar no seu tom áspero, e antever por detrás de um grosseiro véu, o linho, o veludo, o cetim e a seda que transportam. Desejo também que a minha língua e a minha caneta se desprendam, não calculando sempre os quilos, gramas e miligramas que as frases que profiro contenham, de forma a não me prender, nem me conter de soltar gritos e actos falhados ou palavras feridas, pois elas são um podre fruto parido de cuja semente floresce num novo e luxuriante jardim.

Faz dois anos que iniciei este diário algo confuso. Muita água passou debaixo do moinho deste então, muitas linhas e pensamentos desconexos, memórias encapuçadas e atribulações em que este meliante se viu envolvido.

Nenhum destes retalhos parece fazer sentido, mas reunidos, seguindo a cronologia com que os depositei na Internet, algo interessante parece surgir da amalgama de textos e frases: forma-se um estranho retrato evolutivo, desconexo de lógica com pinceladas abstractas, mas que sempre me deu um estranho prazer e que agora forma um bolo de memórias fermentadas.

O Psicótico nunca pretendeu ser uma afirmação narcisista, nem um enigmático pedido de ajuda sobre uma vivência menos conseguida, consciente ou inconsciente. Não foi um repositório de conhecimentos triviais ou uma pseudo-obra literária. Tão pouco foi um show off da night life, ou roteiro de diversão. Provavelmente foi tudo isso e simultaneamente nada disso.
Trata-se somente da minha manta de retalhos, uma cápsula do tempo aberta em permanência no éter do ciberespaço, partilhada ao mundo sem intimidades em demasia, mas que apenas se destina ao próprio autor.

Parabéns Psicótico

Por vezes a solidão está onde menos se espera. Mesmo quando se está no meio de uma multidão. Almocei numa tasquinha muito castiça e onde se come em conta. Duas velhinhas lânguidas, balbuciavam pequenas frases soltas de sentido.
A tarde está infernal e trabalhar é um verdadeiro atentado ao pudor. Apetecia despir-me todo e mergulhar num mar ondulado. Sonhos ! Sonhos ! Sonhos ! Sonhos ! Sonhos ! Sonhos ! Sonhos ! Sonhos ! Sonhos ! Sonhos ! Sonhos ! Sonhos ! Sonhos ! Sonhos ! Sonhos !