Junho 2003

Esta calor, e felizmente mais um fim-de-semana se aproxima. Não vou refastelar-me ao Sol como seria de esperar, mas vou passar antes um par de dias semi-militaristas de treinamento aborrecido. Mas é por uma boa causa, por um valor mais alto. Se tudo correr como delineado, na próxima segunda-feira terei atingido um pequeno objectivo, que as circunstâncias alheias me têm negado. Diz I. que são os deuses que estão contra, mas eu sinceramente prefiro ser um Ulisses e desafiar as minhas hipóteses contra esses amplos entraves.

Será um sacrifício que valerá a pena, e se não me escafeder em mil bocadinhos terei um sorriso na cara de uma ponta a outra. Vencer os nossos medos mais profundos e encarar de frente o pavor e o pânico e a forma mais saudável de Viver. Vai ser apaixonante de certeza, e terei o gosto doce de realização e coragem. Só espero que o tempo e o veiculo não preguem partidas como no ano passado.
Dizem que é quase tão bom como sexo, mas tenho as minhas dúvidas. A bem das baleias voadoras.

Emerge

Hyper –
Hy, Hyper
Hypermediocrity

You don’t
Need to
Emerge
From nothing

You don’t
Need to
Tear away

Feels good
Looks good
Sounds good
Looks good

Feels good too
Feels good too
Uh-huh that’s right
Feels good too
Uh-huh that’s right

You don’t need to
Emerge from nothing
You don’t need
To tear away
You don’t need to
Emerge from nothing
You don’t need
To tear away

You don’t need to
Emerge from nothing
You don’t need
To tear away
You don’t need to
Emerge from nothing
You don’t need
To tear away

???????

Uh huh that’s right
Uh huh that’s right

???????

You don’t need to
Emerge from nothing
You don’t need
To tear away
You don’t need to
Emerge from nothing
You don’t need
To tear away

You don’t need to
Emerge from nothing
You don’t need
To tear away
You don’t need to
Emerge from nothing
You don’t need
To tear away

Look alive!

You don’t
Need to
Emerge
From nothing
You don’t
Need to
Tear away
You don’t need to
Emerge from nothing
You don’t need
To tear away

Seria com certeza o sítio mais inusitado para observar uma avozinha indigente. Estavamos ainda meio ressacados, algo contrariados por uma sexta-feira extenuante e algo insípida. Propus uma ida até Cascais, apanhar algum Sol naquele lugarejo finório, onde nas primeiras fases da minha adolescência me divertir a valer, como só um adolescente imberbe seria capaz.

A inaptidão de poucas horas de sono não abonavam a favor da nossa boa disposição e estava sempre presente um pouco de humor negro a pairar no ar, de diálogos cortados e sem grande lógica. Apenas piadas descoordenadas e algo patéticas que nos faziam rir. Arranjar um restaurantezito para almoçar foi meio complicado, e os nossos óculos de Sol escondiam umas olheiras mais ou menos antipáticas. E ali, mesmo enfrente à amostra de marina, refastelados à mesa enquanto comíamos qualquer coisa sem grande prazer, reparei na velhinha negra, de luto e de caruma ou sujidade.
Aquela imagem bateu-me forte, como sempre as imagens dos alienados sociais. Não por pena, não por esses sentimentos patéticos de desprezo, nojo, ou misericórdia. Fico apenas sentimentalista ao imaginar que aquele ser humano, agora uma imagem esfarrapada, foi algures no tempo e no espaço, alguém capaz de ter um raciocínio lógico e talvez de se expressar e conviver como eu. Mas algures na viagem, ouve um trajecto errado, um atalho perigoso, um desnorte momentâneo que levou a uma espécie de beco sem saída em que se passou a residir.

Na cara as rugas encavalitadas escondiam uma percepção da idade da anciã, que apesar de magra e de movimentos lentos, não aparentava a agonia dolorosa de tantos idosos. Apenas o negrume da sujidade transformava a sua pele, como se fosse um mineiro de carvão coberta de uma folijem de grafite. Adormecia junto aos sempre presentes sacos plásticos, um depositório de bens, um conjunto de sacos de pertences de quem tem o céu como tecto.
Nas suas mãos afagava uma pombinha, ainda mais magra e coberta de negritude quase mais nauseabunda, mostrando um carinho enternecedor por aquela decrépita ave.
Era uma vez uma velhinha e a sua pomba, e pareciam felizes.

salpicos de sangue

Ontem alguém assaltou a loja durante o almoço. Nada de trágico, apenas um postigo partido e uma vidraça. Nada roubado a não ser uns telemóveis que estavam a carregar e foram devidamente palmados, após a constatação que não havia um único cêntimo na caixa fora das horas de expediente. Os larápios seriam concretamente o que eu chamo “pilha-galinhas movidos a ressaca de heroína“. Não se interessaram por equipamentos caros, ou artigos luxuosos: foram apenas atrás de dinheiro vivo e de artigos facilmente convertidos em dinheiro, como são os telemóveis.

Cash para pó. Concretamente os pingos de sangue da acrobacia da passagem pelo postigo de nada valeram, pois em 15 minutos os telefones celulares eram bloqueados pelo fabricante. Nada de Cash! Estranho sentir se tratou de um mero acto falhado, que vai participar nas estatísticas da criminalidade. Para mal de todas as ressacas e salpicos de sangue.

Tu es Foutu

Tu m’as promis le soleil en hiver et un arc en ciel
Tu m’as promis le sable doré j’ai reçu une carte postale
Tu m’as promis le ciel et la terre et une vie d’amour
Tu m’as promis ton coeur ton sourire mais j’ai eu des grimaces
Tu m’as promis
Et je t’ai cru
Tu es foutu
Tu-tu-tu…
Tu es foutu
Tu-tu-tu …

Tu m’as promis le cheval ailé que j’ai jamais eu
Tu m’as promis le fil d’Ariane mais tu l’as coupé
Tu m’as promis les notes de Mozart pas des plats cassés
Tu m’as promis d’être ta reine, j’ai eu pour sceptre un balai

Je ne sais pas ce qui se passe

In Grid

Não vou ser pretensioso e falar de Edward Albee, nem de um filme com Richard Burton e Elisabeth Taylor. Mas algo tem um cheiro fétido na sociedade portuguesa: desde tempos imemoriais que todo o português que se preze tem o triste hábito de tecer comentários e críticas, mesmo quando estes não lhe são pedidos, ou não têm qualquer tipo de cabimento possível.

É um estado de permanente na nossa cultura, funcionar numa atitude de analistas inveterados, de uma clonagem de Nunos Rogeiros, de peritos ultimados à última hora, ou de treinadores de bancada, Misters incompreendidos. Não que me importe, pois também eu sou parte do aculturamento português da maledicência ou do sentido crítico acutilante, justo ou injusto. Mas o busílis da questão é a aceitação das críticas e a sobrevalorização que se dão a estas no nosso país. Parece que a opinião dos outros é o motor de tudo daquilo que fazemos e vive-se por cá como uns meros autómatos que necessitam do feedback do controlo de qualidade para produzir novamente. É ridículo aceitar que não façamos as coisas por prazer, ou por mera vontade ou necessidade, mas sim com o intuito de agradar a alguém.

Quando escrevo este diário de um militante não estou a considerar sequer que alguém vá ler esta porra. Trata-se de um diário de bordo sobre imagens, momentos e pensamentos mais ou menos desinteressantes do meu quotidiano, aborrecido e fastidioso quanto baste. Mas não o escrevo para ninguém, excepto para mim mesmo. Posso eventualmente ter feito isso no passado, em que utilizava esta via para comunicar, mas hoje é só um mero meio de largar vapor e de tentar visualizar-me no intimo num espelho psicótico e destorcido em muitas ilusões e metáforas, factos imaginários, que provavelmente só eu os decifro. Tal vez por isso se chama “Psicótico – o diário de um meliante“!

Quando escrevo aqui não pretendo estender-me a analisar o filme XPTO, ou comentar sobre o estado da nação, da economia, ou da política. Isso são inutilidades que o tempo apaga, opiniões voláteis iguais a tantas outras. Conversa de café ou de autocarro? Isso faz-me lembrar as criancinhas da primária a levantarem a mão excitadas a dizerem a professora : – “Eu sei, eu sei!“. Posso cair na hipocrisia de comentar as minhas saídas fortuitas na nigth life, dando um assaz quadro de futilidade, mas isso provavelmente porque tenho uma vida fútil. Contudo isso dá-me prazer, e porque não deveria descrever o que me dá prazer? Já me basta prescindir de descrever a minha vida intima, (se bem que a ideia até seria curiosa), para ser algo visto como redutor. Não falo aqui da minha dualidade, do meu emprego, nem do meu dia-a-dia simplista ou mais complicado. Falo de algumas emoções que me atormentam ou me fazem feliz. Escrevo sobre banalidades, de filosofia barata, de viagens, esperanças e confusões. Mas não escrevo para ninguém em particular, se e que escrevo…

Provavelmente uma das personagens mais fulgurantes e lúcidas que Portugal teve nas últimas décadas deverá ter sido João César Monteiro, que utilizou o seu desprezo convenientemente, com frases basilares como “Quero é que os críticos se vão …”.

E pronto não quero voltar sentir esse clima maligno e negativo. Ao fim de contas gosto muito daquele ditado:

“Vozes de burro não chegam aos céus”

Questiono-me muitas vezes se não li em demasia alguns livros da época do romantismo. Este fim de semana foi como que acusado de ser um romântico. Para espanto meu, isso não me caiu nada bem, pois foi como que se eu fosse comparado a um anacronismo, ainda pior que ser machista ou comunista.

Fiquei de facto estupefacto. Nunca me tinha visto como romântico, mas todos os pequenos sinais de comportamento assim o indicam: um idealismo, uma postura gentlemen em relação ao belo sexo, uma reserva educada. Agora que penso nisso, e apesar de já me terem rotulado de lírico e sonhador (o que concordo inteiramente, para mal dos meus pecados), nunca me tinha identificado como um romântico. Pior que isso é saber que isso até me pareceu pejorativo, como se eu fosse um dinossauro excelentíssimo, um cro-magnon, uma espécie em vias de extinção.

Ser-se romântico, e encaixar nas ideias preconcebidas em torno desse conceito não deixa de ser custoso. Realmente não existe habitat possível nas relações humanas nos dias de hoje para tal tipo de comportamento tão inadaptado, não só emocionalmente como socialmente. Não me considero romântico, mas padeço desse mal estranho e em desuso de mimar as mulheres e ser um perfeito um pinga-amor démodé. Adjectivos como honesto, respeitador, atencioso, amável, prestável, educado, não têm agora grande estima no sexo feminino.

Sinto que a emancipação das mulheres ocidentais ao longo do século XX teve um efeito perturbador na sua idealização de homem: nada de cavaleiros em armaduras brilhantes, mas antes selvagens guerreiros estilo Atila.

Acredito que hoje um homem capta mais facilmente a atenção de uma fêmea humana se se comportar como um verdadeiro cafajeste. Para mim é quase algo contra natura, mas posso afiançar que as raras vezes que optei por tentar ser algo bruto, mesquinho ou maquiavélico numa relação, recebi das mulheres muita mais estima e interesse, do que se me comportasse como um dito romântico.

Como diz o ditado: “Quanto mais me bates, mais eu gosto de ti…

Francamente fiquei desapontado e quase revoltado na minha ida até à grande cidade para o DJ Kitten. Havia como que algo de leproso em relação à concepção inicial, e notava-se a degeneração cancerígena do capital na performance musical. Os cifrões nem sempre permitem que algo festivo e com uma génese tão poderosa possam se repercutir no tempo. Talvez a parte de baixo do Lux, ou o facto da ausência do verdadeiro Club Kitten portuense possam ter contribuído para o desaire das minhas espectativas, mas tudo que posso refletir é que não vou querer voltar ouvir falar em festas Kitten. Ponto final.

Por outro lado a companhia foi boa, mesmo assumindo os aspectos negativos do snobismo de S. em relação a mim. Os 600 Km foram bastante bons para o desenlace de uma pequena aventura de fim-de-semana e desfrutar da companhia de amigos, mesmo numa correria de conversas e monólogos quentes.

Mas tudo foi ensombrado por uma daquelas circunstâncias sombrias que nos fazem reflectir sobre a nossa fragilidade existencial. Ali mesmo a chegar ao Lux, depois do longo mas não muito interessante jantar no Chapitô, assistimos em silêncio presos no Táxi a um espectáculo anti-clímax. As luzes da ambulância mostravam ao longe algo de estranho e logo ali quando chegamos assistimos contrariados ao resultado de um hit and run fatal. Um corpo inerte era tapado com uma toalha, uma espécie de certidão de óbito não oficial, tal como é dada no asfalto de qualquer metrópole todos os dias. Só que naquela noite nada de mais sórdido me ocorreria, mesmo em pensamentos mais mórbidos. Mais tarde N. e eu brindamos à Vida. Ela continua …