2003

Estou algo envergonhado. Parece que a minha pacata vivência de blogueiro inveterado está a chamar a atenção e os elogios de alguns internautautas atentos. Acho que isso é óptimo para a minha auto-estima, mas deixa uma série de pontos de interrogação sobre a minha simplória motivação de escrever um weblog sobre a minha vida quase banal. Partilho ou exponho-me? Acho antes que desabafo.

in JornalismoPortoNet

Impressões mesmo digitais

O universo dos bolgs introduz-nos numa nova dimensão internáutica. Cada um de nós pode agora erguer a sua voz activa e marcar as suas impressões de uma forma digital, no verdadeiro sentido da palavra.
As formas mais puras e directas de expressão pessoal encontram-se sob a forma de diários que os internautas partilham com toda a comunidade digital. No diário de um meliante encontramos um dos melhores exemplos de percepções pessoais compartilhadas, atraindo de forma peculiar e sedutora mesmo o mais distraído dos navegadores. Ora espreitem lá…

O diário de um meliante, assinado por um auto-intitulado psicótico, descreve mais as divagações intelectuais do dito cujo, que propriamente os acontecimentos quotidianos que não suscitariam interesse, pois poderiam ser encontrados na vida do mais comum dos mortais. No entanto, estas reflexões são baseadas em vivências inspiradoras e, por isso, contêm uma expressividade sensorial notoriamente poética.
Trocando por miúdos, nos acontecimentos mais recentes o autor de tais escritos viajou ao país do sol – o Brasil da praia, paz e pagode. Lá encontrou não só um refúgio fisicamente paradisíaco, como também, e principalmente, uma evasão espiritual que lhe despertou os sentidos. Esta viagem à América do sol concedeu-lhe uma terapia interior que o rejuvenesceu.
Este blog contém também os já clássicos dados do seu autor, arquivos de acontecimentos passados e links para outros sites e blogs.
Mas o curioso neste diário é a bela forma como está escrito. Sobressai entre muitos outros que se limitam a uns rabiscos sem conteúdo que apenas satisfazem a mera afirmação pessoal do seu autor.

Mariana Mota

Publicado por turma001 a 16 maio, 2003 12:25

Obrigado Mariana

NO STRESS pós-traumático

3 – Como contabilizar caipirinhas e outros conselhos úteis

Não se devem estabelecer regras quando queremos fugir à rotina. Essa fuga, é para mim extremamente valiosa, pois no intimo do meu ser, sou um perfeito anarquista praticante no degredo capaz de explodir com qualquer ordem imposta.

Desta vez a promessa de explodir com os últimos neurónios ainda capazes de algum pensamento minimamente articulado foi concretizada.
N. e Dr.P. esses fantásticos companheiros de armas encarregaram-se de liderar as hostes revezando-se no comando de operações que eu também capitanei, se bem que de forma não tão frequente.
Devo dizer com franqueza que não poderia desejar melhores companheiros de armas para estas andanças, não só de desfalecimento mental, como também de férias retemperantes.

Foram muitas horas de diversão, muitos jantares que ficam nos anais da história universal gastronómica, muitas caipirinhas, mulatas, etc…

Para calcular o consumo per capita de caipirinhas (ou caipivodkas) tivemos sérias dificuldades.

N. ultrapassou as 100, e a partir daí as contas ficaram mais complicadas. Até esse ponto elaboramos uma base cientifica de calculo:

  • consumo mínimo Jantar – 2 (variável até 5)
  • Resto da noite base média 2
  • Se estiver com uma queimadela solar subtraia 1
  • Dores de garganta, gastroentrite, ou voo no dia seguinte subtraia 3
  • Se houver factor «Oi!» acrescente 3
  • Se na entrada do Club pedirem seu número telefone acrescente 2 (caso consiga dizer meia em vez de 6 subtraia 1)
  • Caso o clube esteja cheio de mais e se alguém conhecido subornou o Barmen acrescente 4
  • Se teve coragem de subornar o Barmen some 2
  • Se está a chover subtraia 2
  • Se esteve a chover todo o dia acrescente 3

Com esta base cientifica atingimos uma média ponderada conjunta per capita de 6.11111 caipirinhas/caipivodkas por noite.

Mas fora estes exageros, que abracei num grito de cisne consciente, nada como um confortável alheiamento e euforia de amizade genuína, sob um cenário de antro do paraíso. Nada de planificações, reservas de hotel, roteiros turisticos.

«-Onde vamos amanhã?», «-Se conseguirmos voo, que tal Salvador?», «-Oi!», «TAM, VASP. VARIG ou GOL?», «-A que pare em menos apeadeiros!» , «-Oi!».

Assim as coisas têm mais graça, mais aventura, adrenalina. Obriga a mente a despertar e estar alerta e a saber horientar-se num território novo e talvez hostil. Mas é isso que nos faz sentir Vivos.

N. praticamente cresceu e se fez homem ao meu lado, conhecendo-o eu há mais de 15 anos, numa amizade que sempre valeu nos bons e maus momentos. Dr.P é compincha de há 8 anos de noites desregradas. Nada como um par de amigos full flavour para tornar as coisas hilariantes e potentes. Nada de lights.
Não vale a pena fazer umas férias assim sem levar um de cada… Antes esquecer a escova de dentes!

NO STRESS pós-traumático

2 – Realidade redescoberta

Umas boas férias reflectem-se não no tempo em que estivemos ausentes, mas sim nas mudanças que encontramos quando chegamos. Quando digo mudanças não me refiro só ao que se passou na nossa ausência, mas também na forma como encaramos aqueles pequenos pormenores, que dantes podiam passar completamente despercebidos ou originarem grandes dores de cabeça.

Os nossos sentidos estão carentes, sôfregos, alertas, depois de vários dias de estímulos contínuos e não se deixam iludir por situações repetidas. É como um jogo de descubra 10 diferenças, que dantes passaria ao lado e agora a vista vai certeira a todas as pequenas modificações. É esse contexto que me ajuda a recuperar de uma peregrinação inesquecível: recuperar uma realidade que deixamos esquecida, cinzenta de estar tão desgastada e que de repente está de novo com cores garridas.

A redescoberta do nosso quotidiano, o retornar aos locais comuns pode ser feita com prazer, saboreando e usando uma nova perspectiva de uma grande angular que nos permite uma visão nova da nossa parca rotina e reduzido território.

Por isso quero ser um peregrino eterno, para me descobrir, e para redescobrir tudo e todos os que me rodeiam.

1 – America do Sol

Não foi a primeira vez no Brasil e com certeza também não será a última. A verdade é que necessitava assim de umas férias que me permitissem um alheamento total a todos os pequenos e grandes problemas do nosso quotidiano. E estas férias foram isso mesmo: o afastamento físico e mental de todas essas pieguices, para poder ter uma visão mais panorâmica do que tenho em mãos.

A vida é para ser vivida“, “aproveita o momento” e todos esses chavões, lá na América do Sol ganham todo o seu significado e recordam-me do quando e importante aproveitar cada momento em que o nosso coração ainda pulsa. Essa urgência sem ansiedade e importância de viver só pode ser plenamente entendida a quem testemunhou um pôr-do-sol numa praia perdida, ou sentiu a imensidão de um sertão, ou quando se bóia num mar quente e super salgado durante um hora, alturas quando apenas se sente o Criador e um calor aquece o espirito.

Claro que não há só maravilhas. Há o desespero da fome, mesmo ali ao lado da mais sumptuosa riqueza e abundância; o crime violento bota-chumbo-nele mesmo ali ao lado da mais humilde e honesta comunidade; a prostituição bem na esquina de duas igrejas protestantes apinhadas de gente. São estes contrastes que nos dão a mais forte chapada de realidade, que nos remetem para um novo horizonte de pensamento mais pragmático e menos ocidentalizoido-europeu sobre o bem-estar e a moral.
Talvez a pobreza não seja só fonte de desespero, nem a riqueza fonte de alegria. É certo que o anúncio televisivo do 1 de Maio fosse cruel e repugnante por mostrar as enormes desigualdades sociais no Brasil:

“Marcelo consegue apanhar 40 figos num minuto. Para conseguir comprar esses mesmos 40 figos, Marcelo terá de trabalhar 8 horas.”

Contudo vi mais sorrisos, simpatia, carisma e alegria de viver nas gentes mais humildes, do que naqueles bem de vida. É inesquecível sentir as gentes de um lugarejo perdido e a sua filosofia de vida simples e honesta, sem nada a esconder, sem reservas. A frontalidade e esperança com que encaravam a vida era mesmo motivante, e a sua coragem e positivismo embriagantes. Nas grandes cidades, já há mais uma lei da selva, um clima de competição que não combina com o resto, mas que mesmo assim pode ter o ar da sua graça, em particular no Nordeste.

Ainda embebido neste espírito, que por incrível que pareça, nada diferente do que eu trouxe à uns seis anos atrás. Sair do jacto após tantas horas e desaguar num Rio a amanhecer é indiscritível. Mais ainda é sentir logo no ar não só o calor térmico, mas algo mais que não se pode traduzir em palavras: o espírito da América do Sol, da terra da Vera Cruz. E isso não aparece em fotografias…


GIG, Fiat Palio
Búzios, Pousada do Namorado, Geribá
13 chopps, casquinha de siri e isca de peixe, mar quente,
Don Ruan, capirinha, roscas
Cabo frio, Eleven
Ferradurinha, Leiza, baseado,
Sauna, piscina, Rua das Pedras,
www.tudo-o-que-você-se-lembrar.com.br,
Ródizio, Casa da Pias,
Oi!, bronze, ondas, festa,
TAM, Enoque, Silvia Souza,
FOR,Oton,
SOBRE O MAR, Praia de Iracema, Pirata
Chuva, Praia do Meireles
Celta Sedan, Acaí,
Cumbuco, peixe fresco,
Ski-Bunda, brincadeira, Buggy,
Dunas, emoção, Banana,
Jangada, mestre Pedro ,
Mar Alto, Vivianne,
Peixada do Meio, calor,
Guaraná com cajú, beijo
gatas lindas
Club Mucuripe
caminhada no Meireles,
Elaine, praia do Futuro,
Pescando em Jangada,
Chuva no mar,
Capirinha de morango
SSA Varig
Pestana, mulatas,
Casquinha de Siri,
Gol, Aero Club,
Rock in Rio,
Itapuã, Pelourinho,
Dona Chika-ka,
Costa dos Coqueiros
Praia de Arembepe,
Baianas, Capirinha de maracuja,
Yemanjá,
Moqueca de camarão,
Café Cancún, Jet Set, Helena,
Praia de Guarajuba, altar de Iemanjá,
Mar quente, mar frio,
Sol gostoso
Paz
GIG, Vasp
MAD, Iberia

De regresso, repleto de força e cada vez mais apaixonado pela vida. Apesar de estar com um Jet-Lag horrendo estou a trabalhar cheio de energia renovada, sentindo uma enorme e reconfortante força anímica.

Valeu a pena queimar todos os neurónios.

Saudoso de Búzios e fazendo horas para apanhar o võo da TAM para FOR, estou já sentido o ausentar do stress da vidinha europeia.

A praia de Geripá foi gostosa, e deu para apreciar um chopp gostoso com casquinha de siri e isca de peixe, bem no meio da praia. Na praia de Ferradorinha foi muito bom também. Já estou pegando uma corzinha castanhinha.
O Eleven em Cabo Frio foi nosso local de diversão favorito, não só pela abundancia de caça grossa, como também pela música animada.
correndo tudo bem, a galera tá manera e tem rolado muita coisa de bom.
Agora tenho que ir que a hora do meu voo tá chegando.

Despido de juízo, penso que te desejo
E sei que meu tempo cavalga e urge.
Viajo em breve para onde não tenho destino;
No derradeiro encontro, esse adeus insano,
Quebraste a minha consciência
Semeaste minhas dúvidas plenas de sedução.

Tento esquecer todos os beijos que ficaram
E de como vazastes meu tino, derramado
Num inocente sussurro que me faz ferver a libido.
Sou agora um espectro que se consome de paixão.
A tua lembrança crava uma adaga no coração.
Será meu destino, procurar e retornar a esse amor vivido?

A tristeza amarga da saudade consumada
Gela-me num calor tórrido da incerteza.
Viajo agora sem sair, penso em voltar,
Vazio de emoçõo das distâncias percorridas
Anseio a força de todas as caricias contidas
Abraço o esquecimento do inesquecível.

Presidiário de uma cadeia de ausências,
Sinto falta do teu olhar,
Sinto falta do teu sorriso,
Sinto falta dos teus abraços,
Sinto falta dos teus beijos.

A noite passada

A noite passada acordei com o teu beijo
descias o Douro e eu fui esperar-te ao Tejo
vinhas numa barca que não vi passar
corri pela margem até à beira do mar
até que te vi num castelo de areia
cantavas “sou gaivota e fui sereia”
ri-me de ti “então porque não voas?”
e então tu olhaste
depois sorriste
abriste a janela e voaste

A noite passada fui passear no mar
a viola irmã cuidou de me arrastar
chegado ao mar alto abriu-se em dois o mundo
olhei para baixo dormias lá no fundo
faltou-me o pé senti que me afundava
por entre as algas teu cabelo boiava
a lua cheia escureceu nas águas
e então falámos
e então dissemos
aqui vivemos muitos anos

A noite passada um paredão ruiu
pela fresta aberta o meu peito fugiu
estavas do outro lado a tricotar janelas
vias-me em segredo ao debruçar-te nelas
cheguei-me a ti disse baixinho “olá”,
toquei-te no ombro e a marca ficou lá
o sol inteiro caiu entre os montes
e então olhaste
depois sorriste
disseste “ainda bem que voltaste”

Sérgio Godinho : A noite passada

Parte VI – Três mosqueteiros e Iracema

Finalmente as últimas horas estão a seguir inexoráveis. Caminham e desenvolvem. Uma após a outra passam fluidas, já não estão paradas. As preocupações já se desvanecem. Aprumam-se as ultimas despedidas. Mesmo nas três frentes. Excepto na frente Leste onde hoje não vou resistir a uma escaramuça que me pode causar sérias mazelas, uma vitória rápida ou uma esmagadora vitória dentro de semanas. Tudo depende dos ventos de guerra.

O tempo sai fluido e dentro de horas estarei nas férias merecidas, e quais três mosqueteiros, como tudo se encaminha, quer em mentalidade e coragem. N. e Dr.P. estão em plena forma, desesperados como eu em arrebentar tudo que houver para arrebentar e ter zero segundos de aborrecimento.
Descanso, festa, alegria, loucura, descontracção, mulheres e copos são a nossa ementa não programada. Acho que fazemos uma boa equipa, equilibrada, coesa. Se N. diz mata, Dr.P. diz esfola, e eu trago o machado. Se peço um copo, N. pede outro e Dr.P quer pagar os três. Se eu quero ficar até ao fim, Dr.P. quer ser o último a sair e N. ainda voltava a tentar entrar. Sofregos e Cª!
Vai ser bom, e só mesmo um grande selecionador seria capaz de montar um terceto ofensivo como o nosso. Penso que vamos dar muitas goleadas!

E nestas andanças me despeço, uma vez que nem sei se vou voltar. Posso-me perder num grito estridente de cisne, nos braços de Iracema ou Iemanjá, e para sempre ficar sepultado nas terras da Vera Cruz.


Adeus! Até sempre, ou até já!

Fim

ou talvez não

Parte V – Start your engines

Apesar de estar absolutamente derreado, consigo mesmo assim manter o bom humor. Felizmente que a ideia de viajar, apesar de não ser uma obsessão, está a dar algum alento. Este fim de semana de Páscoa saldou-se por um absoluto nó na cabeça às custas de encontros de última hora. Estou frágil demais para avaliar com frieza se todos foram bons, óptimos ou algo semelhante ao Titanic. São mesmo muitas frentes e o envolvimento do inimigo promete romper as minhas linhas.

A Oeste nada de novo, mas na frente Leste dá-se uma batalha sangrenta. Parece que é aí que se pode ganhar a guerra… mas também perder a guerra. Tem é que se aguentar as posições, até todas as divisões de reserva serem para aí transportadas. Só espero que a estratégia resulte, e que não seja uma carnificina, nem que hajam ataques supresa na frente Oeste ou Sul.

Fora estas tácticas, estou decentemente ensonado. Realmente estou cansado, e para cumulo o sono não vem com facilidade. Acho que se só tirasse férias em Maio ia mesmo queimar um fusível. Mas ontem surgiu-me uma dúvidade de uma mente nada lúcida. E se eu fosse só depois de resolver a frente Leste? Creio que fraquejo. Não posso!

Parte IV – Últimos preparativos

As despedidas sucedem-se e os preparativos intensificam-se. Não que eu esteja demasiado ansioso ou histérico em antecipação com estas férias que acalentava há tantos anos. Muito pelo contrário, não estou sequer com planos de estadia. Apenas sei que vou desaguar no Galeão seguindo directo a Búzios e depois logo se vê… Digamos que vou ao sabor do vento, ou melhor das mulatinhas & capirinhas.

Toda a questão prende-se com o serviço que tenho que deixar pronto na velha Europa: não só no campo profissional, como noutros campos. Envergonho-me que na última semana, a minha vontade de trabalhar e atenção está muito próxima da capacidade de uma Amiba.
Três jantares com as mais belas presenças em quatro dias, intercalados por um chá a dois, tem colocado a toda a prova a minha capacidade de endurance física e mental, e isto para não falar em acérrimas noitadas.

Finalmente acelero para todo-galope, esporas e chicote incessantes, tentando encabeçar a fila da frente e rezando que ainda sobre estamina para o sprint que ainda muito lá à frente vai ser exigido. Já só sinto o vento sibilando, o ruído ensurdecedor do troar dos cascos e visualizo uma linha imaginária no horizonte bem em frente, essa meta que ainda está longe.
E a todo-galope…

Parte III – Perdendo o Clube Kitten@Lux

Uma das noites mais especiais dos últimos anos, em termos de diversão noctívaga e andamento, foi sem dúvida a minha ida em Março até à grande cidade, qual groupie , para atender a dois conceitos de andamento nocturnos, que me são particularmente ternos: o Lux e o Clube Kitten.

Fiquei triste por saber que dia 25 de Abril o Clube Kitten@Lux volta ao seu esplendor, justamente numa data que eu vou estar a dar uma de búzio, nessa amada terra distante. Será por uma boa causa. Acho que me vou conseguir perdoar.

Ontem, foi mais uma noite de aeroporto. Confesso que estou muito chegado aquela gente, conjunto de alienados e cavalos de corrida. E ainda mais aquelas lindas mulheres. Por momentos preferia ter uma vida mais fútil, como alguém ligado à aviação e aeroportos. É vida dura, mais tem muito glamour e mais-valias interessantes. É a vida… Não se pode ter tudo.

Parte II – Base logística

Naturalmente que eu não gosto de deixar muitos imbróglios pendentes ou assuntos suspensos antes de ir de férias ou viajar. Trata-se de uma questão de leveza de espirito, que nos permite usufruir da nobre sensação, de que se não regressarmos, por algum motivo funesto ou até por opção radical de vida, nada ficaria por dizer ou fazer.

É uma questão de não deixar pontos sem nós, pontas soltas ou pontos nos is. É gratificante poder sentir essa liberdade segura de que deixamos tudo tratado, e as coisas não vão parar na nossa ausência, ou pelo menos nenhuma catástrofe emocional ou pessoal vai estar à nossa espera se voltarmos.

Contudo desta vez a expedição será longa e temo que vou deixar para trás alguns assuntos num limbo nada aconselhável. Estou a tentar, mas não me vejo com muito discernimento ou forças para isso, e os dias que me faltam não seriam suficientes.
Desta vez a ausência será também uma fuga ao meu próprio encontro, num grito de cisne enlouquecido. Retemperando forças e alegrias, abstraindo dos problemas, pausando um pouco. Para depois voltar. Mesmo assim quero deixar uma base logística sólida, ou pelo menos que se aguente de pé…

Como se o forcado se levantasse do chão poeirento da arena, sacudisse o pó e limpasse o sangue da cara e do colete. Ainda atordoado, leva a mão à cabeça e ajeita mais uma vez o barrete verde. A faena segue dentro de momentos e há que tentar mais uma pega daquele touro negro de 550 kg. É essa a honra de pegar de caras o touro. A perseverança e coragem.

“ehhhhhhhhhhh toro! Eh, toro, toro!!!”

A impaciência é sempre inimiga da sabedoria. Eu diria mesmo que é inimiga de qualquer equilíbrio mental ou emocional.
Sempre fui demasiado ansioso e sôfrego, mas a vida deu-me um par de lições ingratas mas profundas.

Uma em particular rendeu-me uma morte eminente, em que tive consciência plena que não teria grandes possibilidades de sobrevivência. Estava perante a morte certa, mas soube encarar a besta do pânico e não cedi. Na plenitude da aceitação da Inevitabilidade, na serenidade lógica, e na paz que fiz comigo e com o mundo, sem ânsias, deu-se o milagre. Sobrevivi contra todas as hipóteses matemáticas, que envolviam o tempo, a distância, os danos irreversíveis, os estados de choque, que os médicos equacionaram. Mas afinal esqueceram-se das variável fundamentais: a fé e vontade.

Nada desde então me deu mais provas que a nossa vontade pode ser grande, mas não deve ser uma birra de criança mas sim a perseverança de um idoso. O equilíbrio como inimigo da impaciência. A Vontade sobre o Caos. Existir ou Viver
Sei que muitas vezes relaxo a minha guarda e esqueço a minha bóia de salvação. Hoje mais que nunca a impaciência pode ser a minha maior inimiga.

Mas mais uma vez não me vou deixar morrer.