2003

Parte II – A fasquia

Para ser franco, a principal razão que me levou a saltar não se tratou de uma sede radical de adrenalina, mas sim o facto de me impor uma barreira importante que conseguisse superar.

Muita gente encara a maioria dos desportos ditos radicais com um cariz negativo em que um conjunto de lunáticos arrisca a vida para dar nas vistas e sentir a emoção do risco e da aceleração das batidas cardíacas. No meu caso não se tratou de ter o gostinho por um “rush“, mas de algo mais importante. Tratou-se um desafio pessoal ao estilo do que em bom português se poderia descrever pela seguinte questão “Tens ou não tens tomates?” Foi há cerca de dois anos, em conversa corriqueira com M. no Aniki Bóbó que a ideia de saltar se introduziu na minha mente, e foi ganhando alguma forma, como se fosse aquela realização interessante.

Julgo que quando um atleta de salto em altura se propõe a evoluir tem que pensar em subir a fasquia. De nada lhe servirá saltar com à vontade um mísero metro e cinquenta durante toda a carreira como desportista. O que faz dele um atleta é subir aquela fasquia sempre que lhe seja humanamente possível. A Vida é como uma prova em que a fasquia vai subindo, e só aqueles que treinam para se superarem, e estão dispostos a novos desafios podem saborear a realização de subir a um pódio.

Depois do treino e de demasiadas horas de conselhos teóricos e de histórias de pára-quedistas sobre as suas experiências pessoais, nada poderia ser mais importante como o acto de ter a coragem no momento da verdade. Esse momento foi passado com determinação e capacidade, em que eu dominei o pavor de me projectar das alturas esperando que nada acontecesse de muito errado.

Sentir a satisfação de ter atingido uma meta, transpor uma adversidade é algo que nos faz sentir vivos e capazes de encarar com mais facilidade outra barreiras presentes e futuras que se nos deparam. O vigor do auto-domínio e vontade de chegar aos nossos objectivos dão-nos um incentivo e auto-confiança essenciais para vingar a vida.

Já o suor me escorre num ardor de Verão
Trabalhando num cubículo fétido
Num velório sem defunto.

Suportando os rigores do assalariado
Contido, sou prédio devoluto
Fundo de alicerces abalados

Pouco futuro, parcas esperanças
Nada que um suspiro possa transpirar
Nada que um olhar possa transparecer
Nada que o cansaço possa vencer.

E é sinal de que a mísera e fútil
Consciência ressequida não é eterna,
Nem noite perdura.
É só o suor desta luta!

Retorcido numa secretária inútil,
Vejo-te terra prometida
Essa luz viciante,
Longe e distante,
Forte e vibrante.

Corro em teu encalço
Solto, livre de ilusões
Para realizar nosso sonho.

Parte I – O dopado

Quando o meu voo terminou e senti aos meus pés a agora diferente sensação de pisar terra firme, algo estava em êxtase na minha mente. Todo aquele cansaço e prostrações do quotidiano tinham-se eclipsado.

Por estranho que pareça não seria a adrenalina pulsante nas veias que me estaria a roubar o periclitante juízo que me resta. Era uma enorme alegria, um fulgor de concretização que nos enche o coração em ocasiões raras. Como se tivesse quase tocado o Divino, elevando o meu estado de consciência, que transbordava.
Ainda perfeitamente nas alturas, a torrente de pensamentos gerados por esta experiência não parava, e sei hoje que a vertigem de repetir na hora a façanha era tão grande que não teria qualquer tipo de auto-controle.

Foi neste estado de graça que desci a colina sinuosa a mais de 100 km/h, fazendo gritar os pneus e disparando continuamente o sistema anti-derrapagem. Estava embrutecido nos movimentos, e felizmente apercebi-me a tempo que já não era um ser alado. Queria partilhar tudo aquilo, mas ausência de palavras e a comoção, e muito provavelmente aquele brilho nos olhos algo alienado, não me tornaram num bom narrador. Já me queimava o telemóvel na orelha, e fui até a casa de C. que oferecia mais um excelente jantar, com N., S., e mais gente do Sá Carneiro . Não consegui comer, nem era capaz de deixar de sorrir. Eléctrico tinha mais visitas por fazer, minhas pernas eram molas, minhas asas ausentes ainda não apresentavam sinais de dormência.

Fui ter com os amigos do Passado, ainda high. Foi um bom resto de serão. Contudo quando chegou a hora de dormir, dei-me conta que ainda estava dopado pela mais poderosa de todas as drogas: a alegria de desfrutar a Vida.

Finalmente concretizei um sonho que alimentava há muito. Subi aos céus e desci suspenso por um pedaço de nylon, conseguindo não só desfrutar de uma sensação única, como também provar a mim próprio que não existem barreiras, e que a vontade supera o instinto e lógicas condicionadas.

Dizem que o homem não foi feito para voar e que se Deus quisesse que voássemos, ter-nos-ia dado asas. Discordo! Somos apenas anjos sem asas, lutando pelo direito de voltar a ser essa essência etérea e alada.

Não é possível colocar em palavras aqueles três minutos, que simultaneamente tiveram um gosto a eternidade e a fugacidade de um pestanejar.

Durante todo o fim-de-semana respirei toda a ansiedade do baptismo do paraquedismo. O treino repetido, a teórica, as manobras ensaiadas até ao exaustão, a cassete remoída no vídeo e na minha memória, o arnês suspenso a torturar as minhas virilhas. O ambiente de camaradagem semi-militar, numa irmandade de quem já tem centenas de saltos e tem no olhar um brilho de satisfação que eu não entedia antes de saltar.

Finalmente o Cessna 182 decolou, já no entardecer de Domingo, quando toda a ansiedade me tinha roído até ao âmago. Lá em cima a minha mente lutava entre o pavor e a calma enquanto todos aqueles ponto se distanciavam, ficando cada vez mais pequenos. Chegou a minha vez. Agi maquinalmente, pois era absolutamente contra natura, agarrar-me ao montante da asa, a 140 km/h e a 4500 pés. “Pronto!!” gritei e à voz de “OK” lancei-me no vazio.

Talvez o meu cérebro nunca estivesse preparado para sentir pela primeira vez o terror misturado com a ansiedade e prazer. Ao ver o avião subir vertiginosamente e o corpo catapultado à medida que a tira extractora do automático ejecta o pára-quedas, todas as ideias que nos possamos lembrar passam a cavalgar em simultaneo como numa parada de militar do exército da CCCP de 6 horas no Kremlin perante o politburo, comprimida num único segundo, levando dos 10 km/h a Mach 271,7 a nossa capacidade cerebral.

Tudo porque em teoria, quando se salta de um avião estamos do ponto de vista da Física mortos numa queda fatal. Não sei se gritei, de fiz a contagem, se balbuciei uma série de palavrões. Acho sim que o meu consciente e inconsciente cruzaram-se, chocaram e fundiram-se, e que levitava em êxtase.
Estava a minha existência sujeita a algo de verde alface no meio do imenso azul que se começa a abrir, numa lufada de salvação.
Algo estava errado: os cordões enrolados. Simples de resolver e sem pânico rodei. E depois voava e finalmente atingi um estágio de libertação e liberdade do espirito.
O tempo parou, e a suavidade do ar e a imensidão do espaço rolavam como uma injecção de 50 ml seratonina directamente no córtex. Não seria o Nirvana mas era contudo um estádio intermédio de iluminação e expansão da mente. Sem adjectivação possível.

M. chama-lhe sexo com anjos. Eu prefiro dizer que está a uns escassos níveis do Nirvana.
De volta ao chão, uma aterragem minimamente calma, e um sorriso de orelha a orelha. E um brilho no olhar. Senti a electricidade da satisfação e realização em cada célula, de cada tecido do meu corpo.

I made it! I was there in the skys! I can fly!

Esta calor, e felizmente mais um fim-de-semana se aproxima. Não vou refastelar-me ao Sol como seria de esperar, mas vou passar antes um par de dias semi-militaristas de treinamento aborrecido. Mas é por uma boa causa, por um valor mais alto. Se tudo correr como delineado, na próxima segunda-feira terei atingido um pequeno objectivo, que as circunstâncias alheias me têm negado. Diz I. que são os deuses que estão contra, mas eu sinceramente prefiro ser um Ulisses e desafiar as minhas hipóteses contra esses amplos entraves.

Será um sacrifício que valerá a pena, e se não me escafeder em mil bocadinhos terei um sorriso na cara de uma ponta a outra. Vencer os nossos medos mais profundos e encarar de frente o pavor e o pânico e a forma mais saudável de Viver. Vai ser apaixonante de certeza, e terei o gosto doce de realização e coragem. Só espero que o tempo e o veiculo não preguem partidas como no ano passado.
Dizem que é quase tão bom como sexo, mas tenho as minhas dúvidas. A bem das baleias voadoras.

Emerge

Hyper –
Hy, Hyper
Hypermediocrity

You don’t
Need to
Emerge
From nothing

You don’t
Need to
Tear away

Feels good
Looks good
Sounds good
Looks good

Feels good too
Feels good too
Uh-huh that’s right
Feels good too
Uh-huh that’s right

You don’t need to
Emerge from nothing
You don’t need
To tear away
You don’t need to
Emerge from nothing
You don’t need
To tear away

You don’t need to
Emerge from nothing
You don’t need
To tear away
You don’t need to
Emerge from nothing
You don’t need
To tear away

???????

Uh huh that’s right
Uh huh that’s right

???????

You don’t need to
Emerge from nothing
You don’t need
To tear away
You don’t need to
Emerge from nothing
You don’t need
To tear away

You don’t need to
Emerge from nothing
You don’t need
To tear away
You don’t need to
Emerge from nothing
You don’t need
To tear away

Look alive!

You don’t
Need to
Emerge
From nothing
You don’t
Need to
Tear away
You don’t need to
Emerge from nothing
You don’t need
To tear away

Seria com certeza o sítio mais inusitado para observar uma avozinha indigente. Estavamos ainda meio ressacados, algo contrariados por uma sexta-feira extenuante e algo insípida. Propus uma ida até Cascais, apanhar algum Sol naquele lugarejo finório, onde nas primeiras fases da minha adolescência me divertir a valer, como só um adolescente imberbe seria capaz.

A inaptidão de poucas horas de sono não abonavam a favor da nossa boa disposição e estava sempre presente um pouco de humor negro a pairar no ar, de diálogos cortados e sem grande lógica. Apenas piadas descoordenadas e algo patéticas que nos faziam rir. Arranjar um restaurantezito para almoçar foi meio complicado, e os nossos óculos de Sol escondiam umas olheiras mais ou menos antipáticas. E ali, mesmo enfrente à amostra de marina, refastelados à mesa enquanto comíamos qualquer coisa sem grande prazer, reparei na velhinha negra, de luto e de caruma ou sujidade.
Aquela imagem bateu-me forte, como sempre as imagens dos alienados sociais. Não por pena, não por esses sentimentos patéticos de desprezo, nojo, ou misericórdia. Fico apenas sentimentalista ao imaginar que aquele ser humano, agora uma imagem esfarrapada, foi algures no tempo e no espaço, alguém capaz de ter um raciocínio lógico e talvez de se expressar e conviver como eu. Mas algures na viagem, ouve um trajecto errado, um atalho perigoso, um desnorte momentâneo que levou a uma espécie de beco sem saída em que se passou a residir.

Na cara as rugas encavalitadas escondiam uma percepção da idade da anciã, que apesar de magra e de movimentos lentos, não aparentava a agonia dolorosa de tantos idosos. Apenas o negrume da sujidade transformava a sua pele, como se fosse um mineiro de carvão coberta de uma folijem de grafite. Adormecia junto aos sempre presentes sacos plásticos, um depositório de bens, um conjunto de sacos de pertences de quem tem o céu como tecto.
Nas suas mãos afagava uma pombinha, ainda mais magra e coberta de negritude quase mais nauseabunda, mostrando um carinho enternecedor por aquela decrépita ave.
Era uma vez uma velhinha e a sua pomba, e pareciam felizes.

salpicos de sangue

Ontem alguém assaltou a loja durante o almoço. Nada de trágico, apenas um postigo partido e uma vidraça. Nada roubado a não ser uns telemóveis que estavam a carregar e foram devidamente palmados, após a constatação que não havia um único cêntimo na caixa fora das horas de expediente. Os larápios seriam concretamente o que eu chamo “pilha-galinhas movidos a ressaca de heroína“. Não se interessaram por equipamentos caros, ou artigos luxuosos: foram apenas atrás de dinheiro vivo e de artigos facilmente convertidos em dinheiro, como são os telemóveis.

Cash para pó. Concretamente os pingos de sangue da acrobacia da passagem pelo postigo de nada valeram, pois em 15 minutos os telefones celulares eram bloqueados pelo fabricante. Nada de Cash! Estranho sentir se tratou de um mero acto falhado, que vai participar nas estatísticas da criminalidade. Para mal de todas as ressacas e salpicos de sangue.

Tu es Foutu

Tu m’as promis le soleil en hiver et un arc en ciel
Tu m’as promis le sable doré j’ai reçu une carte postale
Tu m’as promis le ciel et la terre et une vie d’amour
Tu m’as promis ton coeur ton sourire mais j’ai eu des grimaces
Tu m’as promis
Et je t’ai cru
Tu es foutu
Tu-tu-tu…
Tu es foutu
Tu-tu-tu …

Tu m’as promis le cheval ailé que j’ai jamais eu
Tu m’as promis le fil d’Ariane mais tu l’as coupé
Tu m’as promis les notes de Mozart pas des plats cassés
Tu m’as promis d’être ta reine, j’ai eu pour sceptre un balai

Je ne sais pas ce qui se passe

In Grid

Não vou ser pretensioso e falar de Edward Albee, nem de um filme com Richard Burton e Elisabeth Taylor. Mas algo tem um cheiro fétido na sociedade portuguesa: desde tempos imemoriais que todo o português que se preze tem o triste hábito de tecer comentários e críticas, mesmo quando estes não lhe são pedidos, ou não têm qualquer tipo de cabimento possível.

É um estado de permanente na nossa cultura, funcionar numa atitude de analistas inveterados, de uma clonagem de Nunos Rogeiros, de peritos ultimados à última hora, ou de treinadores de bancada, Misters incompreendidos. Não que me importe, pois também eu sou parte do aculturamento português da maledicência ou do sentido crítico acutilante, justo ou injusto. Mas o busílis da questão é a aceitação das críticas e a sobrevalorização que se dão a estas no nosso país. Parece que a opinião dos outros é o motor de tudo daquilo que fazemos e vive-se por cá como uns meros autómatos que necessitam do feedback do controlo de qualidade para produzir novamente. É ridículo aceitar que não façamos as coisas por prazer, ou por mera vontade ou necessidade, mas sim com o intuito de agradar a alguém.

Quando escrevo este diário de um militante não estou a considerar sequer que alguém vá ler esta porra. Trata-se de um diário de bordo sobre imagens, momentos e pensamentos mais ou menos desinteressantes do meu quotidiano, aborrecido e fastidioso quanto baste. Mas não o escrevo para ninguém, excepto para mim mesmo. Posso eventualmente ter feito isso no passado, em que utilizava esta via para comunicar, mas hoje é só um mero meio de largar vapor e de tentar visualizar-me no intimo num espelho psicótico e destorcido em muitas ilusões e metáforas, factos imaginários, que provavelmente só eu os decifro. Tal vez por isso se chama “Psicótico – o diário de um meliante“!

Quando escrevo aqui não pretendo estender-me a analisar o filme XPTO, ou comentar sobre o estado da nação, da economia, ou da política. Isso são inutilidades que o tempo apaga, opiniões voláteis iguais a tantas outras. Conversa de café ou de autocarro? Isso faz-me lembrar as criancinhas da primária a levantarem a mão excitadas a dizerem a professora : – “Eu sei, eu sei!“. Posso cair na hipocrisia de comentar as minhas saídas fortuitas na nigth life, dando um assaz quadro de futilidade, mas isso provavelmente porque tenho uma vida fútil. Contudo isso dá-me prazer, e porque não deveria descrever o que me dá prazer? Já me basta prescindir de descrever a minha vida intima, (se bem que a ideia até seria curiosa), para ser algo visto como redutor. Não falo aqui da minha dualidade, do meu emprego, nem do meu dia-a-dia simplista ou mais complicado. Falo de algumas emoções que me atormentam ou me fazem feliz. Escrevo sobre banalidades, de filosofia barata, de viagens, esperanças e confusões. Mas não escrevo para ninguém em particular, se e que escrevo…

Provavelmente uma das personagens mais fulgurantes e lúcidas que Portugal teve nas últimas décadas deverá ter sido João César Monteiro, que utilizou o seu desprezo convenientemente, com frases basilares como “Quero é que os críticos se vão …”.

E pronto não quero voltar sentir esse clima maligno e negativo. Ao fim de contas gosto muito daquele ditado:

“Vozes de burro não chegam aos céus”

Questiono-me muitas vezes se não li em demasia alguns livros da época do romantismo. Este fim de semana foi como que acusado de ser um romântico. Para espanto meu, isso não me caiu nada bem, pois foi como que se eu fosse comparado a um anacronismo, ainda pior que ser machista ou comunista.

Fiquei de facto estupefacto. Nunca me tinha visto como romântico, mas todos os pequenos sinais de comportamento assim o indicam: um idealismo, uma postura gentlemen em relação ao belo sexo, uma reserva educada. Agora que penso nisso, e apesar de já me terem rotulado de lírico e sonhador (o que concordo inteiramente, para mal dos meus pecados), nunca me tinha identificado como um romântico. Pior que isso é saber que isso até me pareceu pejorativo, como se eu fosse um dinossauro excelentíssimo, um cro-magnon, uma espécie em vias de extinção.

Ser-se romântico, e encaixar nas ideias preconcebidas em torno desse conceito não deixa de ser custoso. Realmente não existe habitat possível nas relações humanas nos dias de hoje para tal tipo de comportamento tão inadaptado, não só emocionalmente como socialmente. Não me considero romântico, mas padeço desse mal estranho e em desuso de mimar as mulheres e ser um perfeito um pinga-amor démodé. Adjectivos como honesto, respeitador, atencioso, amável, prestável, educado, não têm agora grande estima no sexo feminino.

Sinto que a emancipação das mulheres ocidentais ao longo do século XX teve um efeito perturbador na sua idealização de homem: nada de cavaleiros em armaduras brilhantes, mas antes selvagens guerreiros estilo Atila.

Acredito que hoje um homem capta mais facilmente a atenção de uma fêmea humana se se comportar como um verdadeiro cafajeste. Para mim é quase algo contra natura, mas posso afiançar que as raras vezes que optei por tentar ser algo bruto, mesquinho ou maquiavélico numa relação, recebi das mulheres muita mais estima e interesse, do que se me comportasse como um dito romântico.

Como diz o ditado: “Quanto mais me bates, mais eu gosto de ti…

Francamente fiquei desapontado e quase revoltado na minha ida até à grande cidade para o DJ Kitten. Havia como que algo de leproso em relação à concepção inicial, e notava-se a degeneração cancerígena do capital na performance musical. Os cifrões nem sempre permitem que algo festivo e com uma génese tão poderosa possam se repercutir no tempo. Talvez a parte de baixo do Lux, ou o facto da ausência do verdadeiro Club Kitten portuense possam ter contribuído para o desaire das minhas espectativas, mas tudo que posso refletir é que não vou querer voltar ouvir falar em festas Kitten. Ponto final.

Por outro lado a companhia foi boa, mesmo assumindo os aspectos negativos do snobismo de S. em relação a mim. Os 600 Km foram bastante bons para o desenlace de uma pequena aventura de fim-de-semana e desfrutar da companhia de amigos, mesmo numa correria de conversas e monólogos quentes.

Mas tudo foi ensombrado por uma daquelas circunstâncias sombrias que nos fazem reflectir sobre a nossa fragilidade existencial. Ali mesmo a chegar ao Lux, depois do longo mas não muito interessante jantar no Chapitô, assistimos em silêncio presos no Táxi a um espectáculo anti-clímax. As luzes da ambulância mostravam ao longe algo de estranho e logo ali quando chegamos assistimos contrariados ao resultado de um hit and run fatal. Um corpo inerte era tapado com uma toalha, uma espécie de certidão de óbito não oficial, tal como é dada no asfalto de qualquer metrópole todos os dias. Só que naquela noite nada de mais sórdido me ocorreria, mesmo em pensamentos mais mórbidos. Mais tarde N. e eu brindamos à Vida. Ela continua …