2005


Mar  Eterno

Ao olhar-te, sinto a tua força desperdiçada num eterno ribombar de ondas e marés, mas que são a melodia que me tira a dor das feridas.

Aquela bela sonata ainda ecoava na minha mente, mas nada me demoveria de estar absorvido em outros horizontes. Os meus pensamentos não acompanhavam a melodia que o piano acabara de expelir. Continuava a fixar o horizonte longínquo, como se um pedaço da minha alma estivesse perdido na imensidão desta distância.
Estava lá longe, no outro lado do oceano, onde as vagas e ondas do mar se fundiam no azul plano da ilusão da esfericidade da terra e bem onde a vista não alcança. Era lá que focava a minha mente e olhar, resignado e triste.

Sonhos Urbanos

“Por certo aquelas pernas esculturais sustinham o peso pluma do seu corpo delgado. Bastou-me um vislumbre da sua silhueta para que eu sentisse um forte baque na base do meu crânio e imediatamente o meu coração começou a bater descompassado. Era o material de que os sonhos são feitos, por assim dizer.“

Sonhos Urbanos

Dou-me conta que as intempéries emocionais na minha vida são tão pouco tempestades passageiras. Muito vulgar-me formam-se furacões de intensidade 5, mas que mais tarde ou mais cedo, vão perder a força e tornarem-se tempestades tropicais.

As chuvadas e vendavais não perduram. E tal como existe um clima dinâmico também no meu intimo sucedem-se as chuvadas e o sol resplandecente. De nada serve contrariar os elementos. Quando cai granizo, resta-me abrigar-me e esperar pacientemente que o Sol volte a brilhar. De nada adianta ameaçar as nuvens negras, dar murros ao vento, ou praguejar com os trovões. Basta esperar. Não tarda a bonança chega. Como num equilibro majestoso, por cada gota de chuva que cai, por cada baixa de temperatura, haverá sempre um raio de sol, um calor aconchegante.

Tudo está baseado num ponto de equilibro, tarde ou cedo o êmbolo tornará ao ponto de partida. Resta saber o Boletim Meteorológico com as previsões para os próximos dias.

Uma névoa de Outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu.
O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.

Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.
Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.
Mas entre mim e ver há um grande sono.
De sentir é só a janela a que eu assomo.

Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,
Terei outra verdade, universal,
E será como esta.

5-11-1932 por Fernando Pessoa

A música sempre foi importante para mim. A música para mim é um modo de extrapolar a alegria ou de travar a tristeza, um remédio sempre pronto a ser administrado directamente do ouvido e que chega ao cérebro numa dosagem diária.

Mais importante é que tenho a mente sempre em busca de doces novos, palatos revigorantes de melodias frescas. Uma fome insaciável. Amar a música não e só agarrarmos as canções da nossa vida, mas sim deliciar-se com a textura e genialidade de novas batidas ou vibratos. Admirar a deambulação jazzística, ou as batidas electrónicas, os fantásticos efeitos vocais ou ainda até a velha gaita-de-foles. Do D&B ao Raggie, do Euro Dance ao Acid Jazz.

Porém nem tudo que vem à rede é peixe. Demasiadas vezes a música de consumo não passa de um hambúrguer de consumo imediato, para entupir as veias, e neste caso os tímpanos. Há quem prefira um hambúrguer a um coq au vin. Eu não.

Fico triste que se designe como música portuguesa o género musical dito pimpa. Não concordo que aquilo seja música, mas sim um produto embalado. Uma caixa de som de 1998, um estúdio, um microfone. Basta isso. Uma espécie de cachorro quente em que só variam os condimentos que a senhora da roulotte coloca em cima e que apenas serve para disfarçar que a salsicha é das mais baratas possíveis e o pão é de anteontem. E assim se faz o Pimba em Portugal.

Recordo-me daquele calor abafante em que ao nos aproximarmos do hunting ground de areia, esboçávamos pateticamente os gestos de levantar os braços no ar, como se uma onda de estádio de tratasse. Era já um prenúncio de umas horas como lagartos incrustados nas rochas, aconchegando-se na grelhadeira, e buscando com olhos os assimétricos direcções diferentes, como se de refeições se tratassem.

Habitualmente termino do Verão coloca-me num espaço de ansiedade e melancolia. Setembro some-se rapidamente e os dias encolhem passo-a-passo anunciando o fim do estio e o inicio da reentre do frio.

Este ano contudo o Verão foi atípico, aguentando-se de unhas e dentes por Setembro fora. Isso evitou-me aquele sentimento ríspido do início do Outono e de me sentir cilindrado pelas primeiras ausência de Sol.

Fazendo o balanço contabilístico dos últimos meses não posso deixar de considerar que provavelmente todas as erupções e descargas emotivas que me assombram constantemente, tornaram-se menos intempestivas. Como que se a alma estivesse já calejada de um fluxo de atribulações tão permanente que agora qualquer tsunami não passasse de um ligeiro ondular.

Qual homem-bala, presencio a minha personagem, como alguém que se habituou a ser cuspido de um canhão a 160 kilómetros/hora para gáudio da multidão num circo com uma assistência cada vez exigente. O perigo e as lesões tornaram-se um local comum tão habitual que cada disparo e mais um ribombar rotineiro do maior espectáculo do mundo.

Existe um país onde um cidadão de 81 anos depois de ter cumprido 10 anos de mandato como Presidente da República e de ter estado 10 anos de molho decide candidatar-se novamente para salvar o país de um fantasma, passando por cima de um amigo de longa data.

Existe um país onde três candidatos autárquicos com fortes probabilidades de vencer estão indiciados por processos fraudulentos e uma outra candidata a candidata com mandato de prisão emitido e foragida no Brasil, tem toda a cidade a aguarda-la tal qual D.Sebastião.

Existe um país onde o único escritor galardoado com o prémio nobel da Literatura vive no país vizinho.

Existe um país de onde é oriundo aquele que é considerado o melhor treinador de futebol da actualidade, cujo seleccionador nacional é estrangeiro.

Existe um país onde o maior sucesso nacional do ano é um disco de originais de um músico que morreu há quinze anos.

Existe um país onde os dois guarda-redes da selecção nacional são suplentes de dois guarda-redes da mesma nacionalidade nos respectivos clubes.

Existe um país onde o nome da mascote do principal evento desportivo alguma vez organizado começa por uma letra (k) que não faz parte do seu alfabeto.

Esse país só gosta dele próprio e da sua bandeira quando vem alguém de fora jurar a pés juntos que somos bons.

Esse país estranho é o meu país.

in minha caixa de correio

Se conseguires entrar em casa e
alguém estiver em fogo na tua cama
e a sombra duma cidade surgir na cera do soalho
e do tecto cair uma chuva brilhante
contínua e miudinha – não te assustes

são os teus antepassados que por um momento
se levantaram da inércia dos séculos e vêm
visitar-te

diz-lhes que vives junto ao mar onde
zarpam navios carregados com medos
do fim do mundo – diz-lhes que se consumiu
a morada de uma vida inteira e pede-lhes
para murmurarem uma última canção para os olhos
e adormece sem lágrimas – com eles no chão.

Al Berto in LIVRO DECIMO TERCEIRO

No meio da depressão económica e social que o meu país se encontra, começo a encarar que viver em Portugal não será propriamente algo que se encare de ânimo leve. Isto porque temos opções de viver onde muito bem entendamos. Cabe a um pessoa inteligente decifrar se o país em que se encontra, mesmo que seja o país natal, é ou não o local ideal para passar o resto da sua vida. Actualmente não me parece que esse seja o caso.

O meu país tornou-se um patético postal ilustrado, onde as instituições e o próprio estado apenas funcionam na aparência. Tudo o resto parece um enorme fogo-de-vista para inglês ver onde na verdade se vive acima das possibilidades e se gasta o que não se tem.

Tenho pena que o meu imaginário patriótico tenha caído ao chão. Não há mais paciência para suportar todas as opções erradas que se fazem na roda política e empresarial, ao mesmo tem que existe uma inanição total de cidadania e até de civismo dos portugueses. Não há descontentes, excepto quando se trata na possibilidade de se vir a trabalhar mais.

Não admira portanto que quem tem capacidade de iniciativa esteja a equacionar emigrar ou até já tenha dado o salto.

É caso para escrever:

o último a sair que feche a porta!

As fronteiras que delimitam os nossos movimentos podem ser prisões. Durante muito tempo deixei que a minha liberdade individual fosse reprimida, ou por assim dizer, que me colocassem grilhões contra a minha vontade.

Hoje sei que não permito que existam barreiras que me comprimam e me roubem o espaço vital que necessito para Viver. Acredito piamente que o destino somos nós que o fazemos, e que se baixarmos os braços os nossos horizontes rapidamente ficarão encurtados, ou pior, ficaremos reféns de estabelecimentos prisionais que nem sequer tentamos fugir. Não quero mais ser escravo das ideias preconcebidas nem da inércia rotineira.

É pena que demorasse tanto tempo a aperceber-me disso.

Já não é recente a minha aventura marítima. Contudo não posso esquecer a manhã em que me iniciei no que eu supunha ser um entedioso processo de dar banho à minhoca.
Com um pequeno grupo, urbano e relativamente bem armado, fui ao encontro de uma nova experiência. Fazer algo de novo ou relativamente pouco seguro, faz-me sentir vivo e pulsante, por isso quando surgiu a hipótese de ir a uma pescaria em mar-alto num barco de pesca artesanal não podia sequer pensar recusar. O convite caiu-me no colo durante um fim-de-semana bastante animado, através do inspector P. E da sua trupe.

A medo lá acordei cedo e na companhia do Inspector D. lá me fiz a estrada meio a contra-gosto. A ideia de navegar numa casca-de-noz motorizada não me parecia muito convincente. Pior ainda, as minhas ideias pré-concebidas acerca da arte pescatória, ou dos pescadores de taínhas, não auguravam nada de compensador.

Perante a luz de um Sol a despontar, chegamos ao local indicado, onde conheci duas pessoas exemplares, dois pescadores minhotos de enesima geração, dois sujeitos com a honestidade e simplicidade acolhedora. Logo fomos embarcados ainda na praia e rebocados por um tractor para o mar.

Mar límpido e calmo, envolto em bruma matinal, logo fomos surpreendidos pelo aroma do mar salgado, onde um motor mais próprio para lanchas rápidas cortou num branco de espuma e fervilhar ondulante um rasto que se perdia numa nevoa distante. Era uma sensação única, sentir o leve pinchar do barco à medida que as milhas se sucediam, e nos afastávamos para um outro universo, só conhecido dos lobos do mar e dos mestres da faina marítima.

Sem receios de enjoos, pois o mar pareceria um imenso lago senti a brisa marítima, num momentos emocionantes em que bandos de gaivotas e umas aves marinhas negras, ao estilo de fragatas levantavam voo assustadas pela nossa passagem. Senti a liberdade de uma aventura no mar, como que uma chamada ancestral (quem sabe familiar), de um retorno à imensidão do oceano. Quando paramos senti a quietude desértica do mar, num silêncio que nos permite ouvir as ondas e o saltitar frenético dos cardumes de sardinhas. Senti um aperto e uma exaltação que se sente quando nos parecemos vivos, apreciando algo que é único.

Pesquei pela primeira vez na minha vida. Retirei do mar uma cavala, com alguma angustia por matar o bicho, mas foi tão fácil puchar pela linha que não queria acreditar. De facto eles picavam tudo, até os anzóis. O inspector D. fartou-se de dar à cana e acabou por ser um recordista.

Para finalizar a manhã, um surpresa. Um bater na água ao longe repetia-se. Passou ao largo um grupo de golfinhos fazendo os seus saltos majestosos fora de água, numa frenética caça a um cardume. Foi entusiasmante de observar mesmo ao longe um grupo de golfinhos predando organizados em grupo, como fazem quando não estão enclausurados em tanques pelo homem.

Quando de regresso a terra firme, felizes pela faina fomos ainda agraciados por um jantar pago pelo nosso mestre-guia que não quiz nada em compensação por um dia de trabalho perdido. Assim é o acolhimentos das gentes generosas da Apúlia. Dá que pensar.

E depois seguiu-se a bela patuscada com o pescaria, mas isso foi outra história.