2007

Agosto é mês de descanso e férias. Algo que recusei de ante-mão, não porque esteja cheio de energias, mas sim porque o trabalho é menos pesado e as filas de transito migraram para outras bandas.

Mesmo assim a minha opção parece-me escassa, pois este Agosto tem se mostrado tão pálido, tão medroso que não me parece o mesmo mês. Salvo a vida agitada no que toca ao social, tudo o resto parece algo colocado fora de ordem cronologia. Não há um calor tórrido, incêndios, esplanadas, tostas na praia.

Talvez haja algo típico no atípico.

É fácil perder a perspectiva do horizonte, quando nos perdemos no curto prazo. As necessidades corriqueiras são empoladas no corre-corre diário de inúmeras inutilidades e aborrecimentos de circunstância fugazes.

Viver ao sabor da maré é algo aterrador e para mim é motivo de desconforto. Já vivi imenso tempo assim, se é que se pode chamar a isso viver. Poder perscrutar a longo prazo onde se quer ir e não deixar que as borrascas e ventos contrários nos impeçam de perseguir os nossos sonhos é importante para Viver.

Mas o que é realmente importante é ter sonhos que perseguir. Sem isso está-se morto.

Os anos sucedem-se depressa, ligeiros, imparáveis.
Começa-se.
Primeiro um, depois dois, três, em seguida quatro, e depois cinco.
E chega-se a meia dúzia. Sem saber bem porque, o tempo fluí rapidamente dando a impressão de ser impossível de se lhe seguir o rasto. Fico contente por perceber que numa meia dúzia de anos seguinte um trajecto muito interessante, repleto de erros colossais e vitórias redundantes, de tempestades e bonanzas, de aventuras e devaneios diletantes. Podia ser menos agitado, menos dramático, mas tem sido uma boa lição, aprendida a custo e com resultados impressionantes de crescimento pessoal.
O meliante não é mais o mesmo, nem se dá a pseudo-psicoses, e mais equilibrado e feliz, tenta encontra o seu equilibrio na corda-bamba da vida, questiona-se e não se revolta ao estilo de rebelde em causa.
As águas que passaram no moínho são muitas, cheias de tentativas e erros, e de inumeros galos, à custa de tanto bater na parede com a cabeça. Não digo que não vou errar mais, isso seria não ter apreendido absolutamente nada. Apenas digo que hoje a maturidade me permite estar capaz de errar menos, de equacionar melhor hipoteses e rotas por mares menos revoltos. E isso em seis anos. Nada mau.

Não sei o que me dá na gana, para passar tempos esquecidos sem atender às necessidades de escrita salutar. Talvez as excelentes leituras em que tenho mergulhado me tenham inibido de escrever dado o virtuosismo literário que me tem acompanhado em inúmeros serões e tardes de lazer de deleite.

A leitura desenfreada apanha-me de tempos a tempos, quando me vêm parar às mãos alguns grandes mestres e raramente tive um período tão profícuo. De Henry Miller a Garcia Marquês, passando por Amado e Albert Camus.

Perante páginas tão brilhantes e audases, e também pela abrangência de estilos e tipos de narração fico suspenso no deglutir mental de tamanha genialidade. E bom mergular em semelhantes leituras e ouvir o discuso dos bardos.

A ilha verde foi um destino de fuga fabuloso e inesperado. Eu nunca tinha antecipado os Açores como uma rota de férias, mas fiquei surpreso por muitos motivos.

Antes demais seria a visitação ao maninho no seu constante degredo e auto-ostracismo insular, e por outro lado era mais uma aventura a dois num local de férias distante.
Logo deu para depreender que caíramos em desgraça perante o S.Pedro e que o Sol nunca nos estaria reservado, mas sim um abundante ar húmido e pincelado com bastante nuvens negras e até aguaceiros. Mas isso era o menos importante num cenário tão peculiar, plantado em pleno centro do Oceano Atlântico. Fiquei atónito com a imponência do azul, do verde florescente e pela relatividade do tamanho de S.Miguel.

Logo à chegada fui brindado pelas verdadeiras excitações dionizinas do meu maninho e praxado a rigor com minis a ponto de pensar se não estava a ter um dejá-vu pois a minha chegada à Madeira, há meia dúzia de anos atrás, tinha tido o mesmo inicio rocambolesco. Espantado fiquei por ser acompanhado com semelhante entusiasmo, e companhia de desacatos hepáticos. A factura foi muito pesada mas acompanhada de iguarias culinárias únicas que me valeram uns bons quatro kilitos numa semana.

Logo se seguiram as viagens turísticas exigidas quando se está num cenário tão espantoso. Mesmo ao volante de um boloide conseguimos correr o que eu considero ser uma das belezas naturais mais espantosas que consegui presenciar e apenas sei que nenhuma descrição poderá alguma vez traduzir a maravilha que se desenlaça no olhar.

E aquela invasão na retina de beleza numa verdadeira jangada de pedra fica na minha memória de bons excelentes momentos, de liberdade e consciência da vastidão do planeta terra e do maravilhoso Atlântico.

Viajar até às arábias revelou-se particularmente interessante. O choque cultural que eu estava à espera concretizou-se, mas de forma que eu não tinha sido capaz de prever.
Ser-se turista num país que é em grosso modo islâmico, não deixa de ser uma visita de um forasteiro que representa divisas e ao qual convém extorquir o máximo de dinares possíveis. Somos tolerados, apenas e só e apenas nos falta uma etiqueta na testa a dizer quanto valemos.

Desagradou-me sentir na maior parte das vezes como alguém que perdeu o estatuto de cidadania, que senti que sempre mantive por toda a Europa e América do Sol ou na África austral. Não creio que se trata apenas de uma barreira cultural e religiosa, mas sim de uma barreira que é social, onde nós -pobres ocidentais – presumimos estar mais evoluídos.

Mais a mais, aperceber-me do rigor militarista do estado e que estou noutro país onde subsiste uma fantochadocracia de partido único, onde o presidente alterou duas vezes a constituição para alargar o número de mandatos consecutivos … É uma sensação estranha, e até bizarra, sentir que os valores não são melhores ou piores: apenas diferentes – talvez mais rigorosos no que toca ao patriarcado familiar e ao rigor social face aos alegados costumes religiosos. Nem é sempre agradável sentir que nessa sociedade o lugar da mulher é dentro de quatro paredes, e que surgem sempre alguns olhares de desagrado face aos costumes ocidentais fora da zonas «turísticas» e de «consumo».

Mas se pusermos de lado a questão social, ficam os lugares, os sabores e a companhia. Um cheirinho a deserto, a uma história antiga que parece inóspita e conturbada desde fenícios, cartagineses, exércitos poeirentos em Panzers e onde o azul celeste está sempre presente solidificando uma consciência diferente e intemporal e de Verões tórridos frente ao Mare Nostrum. Senti o laxismo descontraído que se pretende numas férias em que felizmente estive fora de vista de compatriotas. Já por isso valeria a pena relembrar. Mas não voltar.

Este é um dia que me aparece idílico, mas que estou preso nas contingências do quotidiano. A liberdade do espírito porém não é posta em causa, trata-se de circunstâncias iguais a tantas outras que nos limitam no espaço e tempo. No meu caso trata-se de uma secretária cinza, talvez disforme pelas suas dimensões exageradas, onde todos os dias úteis me coloco durante horas. Nada de diferente de tantos outros…

Segunda-feira é um dia que eu nunca apreciei. Tal como se pode ler no manual dos preguiçosos, este é o dia da semana em que os minutos se arrastam de forma mais monótona, e sentir o mercúrio dos termómetros a entrar em níveis apetitosos prova ser uma menos-valia para quem tem o seu ganha-pão afixado a uma secretária extra large. Pode ser enorme mas hoje sinto-a invulgarmente minúscula e claustrofóbica.

Resta-me o consolo de saber que em breve me vou perder nas Arábias na mais perfeita companhia.