2006

Numa ocasião única voltei ao Coliseu da minha cidade para admirar a belíssima música de Marisa Monte. Com a leoa, a maninha e o cunhado, devidamente instalados nuns belos lugares, mesmo com um acesso de febre misteriosa pude apreciar um dos mais belos concertos a que já assisti, não só pela beleza melódica, mas também pela estética do espectáculo.

Eu apreciei muito os trabalhos “Universo ao Meu Redor” e “Infinito Particular” da Marisa Monte e perder o tour “Universo Particular” na minha cidade ia ser indesculpável. A cantora é de facto uma musa da música brasileira e a sua ausência dos palcos para abraçar a maternidade desde os Tribalistas veio realçar a sua genialidade sincera.

A forma sóbria mas particularmente bela com que o espectáculo começa dá um carisma extra à música já de si profunda e melodiosa. O palco estava montado como um pequeno altar onde a santa altaneira era circundada a níveis inferiores pelos anjos-músicos, dando um forte impacto mas simultaneamente parecendo de um enorme equilíbrio.

As música sucediam-se, carregadas do bom gosto da interprete e compositora é acompanhada por painéis luminosos e outros efeitos simples e harmoniosos. Mais que a música que eu adoro, este concerto ficou-me não só no ouvido como na retina devido à sua beleza, que só pecou pelo excesso de profissionalismo da Marisa.

No ano que se completavam trinta edições, decidi-me a uma aventura política por cores que não são as minhas e ver pelos meus olhos a maior festa politizada em Portugal. Rumo a grande cidade e passando a grande ponte parecida com as notas de quinhentos, ladeado pela
Purpurina
e amigas e pelo fiel companheiro de armas.

Após o reboliço de acertar com o trajecto e arranjar o livre acesso a tenda num extenso aglomerado de cogumelos de pano que dava para perder de vista, eu, vosso excelentíssimo comentador de façanhas mais ou menos banais, dei-me por mim em plena festa da Quinta da Atalaia, qual pára-quedista ou agente infiltrado no covil do lobo. Dez minutos bastaram para perceber que a festa do Jornal do Avante! está revestida de um carisma excepcional, onde parece que uma espécie de bolha revivalista está isolada do resto da realidade. Trata-se de assistir a uma zona livre de fast food e quase todas as formas capitalismo imperialista, e onde velhos e novos se atropelam de forma civilizada perante uma poderosa e bem oleada máquina de militantes voluntários que fazem a festa existir. O proverbial e lendário poder organizativo do PCP, provavelmente o mais poderoso exemplar em vias de extinção na Europa do comunismo marxista-leninista, deixou-me espantado. Como num belo exemplo idílico de socialismo, o proletariado organizava-se de forma a executar problemas complexos de organização com a máxima eficiência.

Mas mais que as questões de desempenho e de coloração militante existia a festa em si: um ambiente de genuína fraternidade como nunca presenciei, e que me senti privilegiado em sentir na pele tal alegria de grupo.

Calor e falta de banhos à parte, assim como um arrufo empolado, a festa do Avante mostrou-me uma miríade de sentimentos diferentes e de que eu não estava a espera, como naquelas experiências que se devem recomendar a gregos e troianos. Foi sexta a domingo em grande, acelerador a fundo, saltando ao som da Carvalhesa, tentando adormecer na tenda debaixo de gritos da Elsa, provando os Mojitos, descansando à sombra, passeando ao Sol e deliciando-me com o Sérgio. Para o ano há mais camaradas! E espero que seja com os mesmos camaradas.

O tempo tem escasseado para martelar no teclado, mas tal não significa que a ausência de palavras seja sinal de ausência de momentos que perdurarão na memória. O aniversário da princesa teve um significado importante para mim, não só pela festa magnífica que foi, tão repleta de convívio e amizades de todos os quadrantes, mas também por me colocar na minha praia perante tantas mudanças boas na minha vida.

Há situações que nos marcam, e por vezes os momentos mais singelos fazem-nos perceber o quanto o destino pode dar cambalhotas e tornar um mundo cinzento num explosão de cores Robbialac. Naquela tarde pude constatar no meio de uma casa cheia que definitivamente o meu mundo teve uma mutação carregada de felicidade e amor.

Para que a noite acabasse, especial como a tarde que a antecedera, só ouvir o «Just like Heaven» dos Cure no recanto revivalista chamado Bateaux, encantado pela beleza principesca. E depois no final aquele toque tão especial de aventura, tão divertida e ao mesmo tempo simbólica num local tão estranho. Especial.

Um Verão não é Verão se não se desgastar o corpo e alma, bamboleando o calor do estio e celebrando a época d e descontracção. Esta estação está a ser uma das mais agitadas das inumeras que já vivi, com uma agenda verdadeiramente carregada. Praticamente não me recordo de usar o meu solário particular ou de dar mergulhos nas águas glaciares da minha praia, correndo de eventos em eventos de primeira linha. Mas uma coisa eu sei… é o melhor Verão que eu já tive. E ele ainda não acabou!



Uma beleza como a tua não se encontra todos os dias. Alias só uma vez na vida a beleza nos toca assim.

Os seus despertares sempre tinham sido partos diários de constrangimentos rumo a uma inevitável rotina sem esperança. Mas o seu olhar, apesar do silêncio da correria da azáfama dos preparativos para ir para o emprego abria rasgos de esperança.
Mas com ela tudo mudara. Não existia mais a sensação de mais um dia como os outros, e sim a bênção de ter um dia mais a seu lado. Enquanto se vestia apressadamente, já se sentia afortunado por saber que o início do dia já valera a pena por a ter tão perto de si.

Sonhos Urbanos

Há dias em que julgamos
que todo o lixo do mundo
nos cai em cima
depois ao chegarmos à varanda avistamos
as crianças correndo no molhe
enquanto cantam
não lhes sei o nome
uma ou outra parece-me comigo
quero eu dizer :
com o que fui
quando cheguei a ser luminosa
presença da graça
ou da alegria
um sorriso abre-se então
num verão antigo
e dura
dura ainda.

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Meia década é uma medida de tempo demasiado longa para o meu gosto. De todos os projectos que me propus levar a cabo ao longo da vida não duraram tanto. Muitas vezes a volatilidade do meu planeamento não me permite levar a cabo durante tanto tempo os planos de longo curso. Também não é normal antever à distância de 5 anos, que resultados teremos da obra que acabamos de começar, e se vá evoluindo ao longo do percurso. O que ao início podia ser um relato irreverente de vivências para um grupo restrito de amigos passou aos poucos a ser um fiel depositário de momentos intimistas, ou até uma forma de expressão que age como uma válvula de descompressão.

Quem sabe se o gosto ou alguma maior constância da alma, hoje o meu diário atinge um aniversário sugestivo, e que se revela um companheiro e amigo que me tem secundado numa parte já significativa da minha vida. É com algum prazer e às vezes até muita perplexidade que revejo alguns posts passados, revejo algumas fases importantes da minha vida. Desde as dificuldades e abismos emocionais, às façanhas e alegrias que perduram, há de tudo um pouco.

Nesta cápsula dinâmica do tempo cabem muitos pensamentos, imagens e poemas que me têm atormentado ou motivado, acabando por me felicitar por ter um confidente tão estranho para um homem de meia-idade. Talvez a juventude da alma, a insensatez do momento ou a necessidade de tratar mal a língua de Camões motivem uma relação tão longa e frutuosa. Um bichinho que me faz companhia nos bons e maus momentos…

Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver amor, sou como um bronze que soa, ou como um címbalo que tine. E ainda que eu tivesse o dom da profecia e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e tivesse toda a fé, até ao ponto de transportar montanhas, se não tivesse amor, não seria nada. E, ainda que distribuísse todos os meus bens para sustento dos pobres, e entregasse o meu corpo para ser queimado, se não tivesse amor, nada me aproveitaria.

(Carta de S. Paulo aos Coríntios I 13: )


Algo de verdadeiramente impressionante na vida é que esta se rege também de acordo com a lei do caos. Mesmo que se consiga idealizar um futuro, determinar as variáveis com mais impacto nesse espaço temporal, um pequeno batimento de asas de uma simples borboleta pode causar um furacão não esperado noutro espaço da nossa vida.

Mesmo quando os parâmetros estão cinzentos, e se faz uma previsão para uma chuva torrencial, pode aparecer a mais doce bonança. Tudo porque pequenas nuances escapam as equações dos modelos de previsão e que podem trazer fortes impactos. Mas é neste espaço de quase incerteza que a tômbola da vida gira e nos vai premiando com grandes jackpots. E isso é o piri-piri da vida.

Toda a minha pequena jornada tem sido disso exemplo: não se fazem planos que não possam ser abandonados logo que o caos no dê uma patada daquelas que doem. É necessário saber que na esquina está a mais profunda incerteza, mas que pode ser o el gordo, como não. Só é necessário comprar a rifa e não perder a esperança.

Eu tenho a noção que algures uma borboleta bateu asas e algo muito surpreendente se deixou abater de repente no meu presente. Viva o caos!


Às vezes apercebemo-nos que amadurecemos e que estamos mudados. A matriz da alma modificou-se sem avisar, alterou-se, melhorou-se sem que tivéssemos consciência da requalificação interna.

O Verão sempre foi um florir de intensas emoções ou um sublimar de esperanças. De mão dada com um Sol cada vez mais intenso, é normal nas minhas recordações, atingir uma espécie de pedrada de estio. Sentir-me livre e vivo. Alegre.

Este ano foge à regra. Todos os hábitos caem por terra, todas as recordações não fazem sentido. Não é o estio que me faz pulsar. Nem são as esperanças que me alegram, ou o sol que me aquece o espírito. É algo mais substancial, menos efémero. É algo de permanente que não desaparece numa ressaca outonal, ou se esfuma numa memória devidamente arquivada no cérebro na zona denominada Verões do passado.

A vivência é outra, a maturidade e equilíbrio são o sustentáculo de um novo paradigma, daquilo que eu sempre desejei e agora está comigo. Um pico de felicidade. Um verdadeiro e absoluto Cloud 9 .

O tempo não sabe nada, o tempo não tem razão
O tempo nunca existiu, o tempo é nossa invenção
Se abandonarmos as horas não nos sentimos sós
Meu amor, o tempo somos nós

O espaço tem o volume da imaginação
Além do nosso horizonte existe outra dimensão
O espaço foi construído sem princípio nem fim
Meu amor, huuum, tu cabes dentro de mim

O meu tesouro és tu
Eternamente tu
Não há passos divergentes para quem se quer
Encontrar

A nossa história começa na total escuridão
Onde o mistério ultrapassa a nossa compreensão
A nossa história é o esforço para alcançar a luz
Meu amor, o impossível seduz

O meu tesouro és tu
Eternamente tu
Não há passos divergentes para quem se quer
Encontrar

O meu tesouro és tu
Eternamente tu
Eternamente tu

Jorge Palma – 1989

A reabertura dos tempos de lazer foi no mínimo interessante. O facto de me ter dedicado pela segunda vez na minha vida ao desporto radical do campismo, e na companhia do veteraníssimo mestre, tornaram uns dias que seriam à priori de dolce fare niente de pasmaceira numa inestimável experiência e tempo de lazer pacato.

Tomar rumo ao sul sem chegar a latitudes pavorosas, montar o barraco e comprar a múmia que me havia esquecido de trazer fizeram-me bem, e apesar do tempo estar pavoroso para radicais, foi um quality time de cavaqueira, VTES, companheirismo, formigas e dormir no chão.

Em última análise foi importante mudar de ares, estar longe de um volante visitar locais quase de forma aleatória sem preocupações de tempo ou espaço, apenas me deixando relaxar com a amizade e a Nikon para saborear a passagem das horas. Nos longos diálogos as conversas intransigentes e inteligentes deambularam desde o sentido da vida, ao cortar nas casacas e a inocência perdida que reina no campo de batalha dos trintões, e como não podia deixar de ser – na história universal. Uma salada de fruta intelectual que me levou a ter sestas ou quase-sestas. Assim a espera foi brilhante e não custou tanto no início. É bom ter alguém com quem contar.