eu

Underworld live green laser 2003

Se não estou em erro, foi algures por volta de 1996 que assisti no já desaparecido Rock’s de Gaia a um concerto quase mítico e inesquecível para quem esteve lá. Tratou-se do primeiro concerto dos Underworld em terras lusitanas e era para mim foi sem sombra de dúvida o melhor concerto que jamais tinha presenciado.
Os Underworld conseguiram algo que a maioria das bandas electrónicas jamais conseguiu fazer: tornar a sua música e estilo passíveis de serem tocadas ao vivo num concerto. Os sons inovadores e improvisos em versões adulteradas dos seu temas originais que ouvi naquela cave do outro lado do rio ainda ecoavam na minha mente. Não me cansava de repetir que tinha sido o concerto da minha vida.

Quando soube que os Underworld iam finalmente regressar a Portugal ao fim de tantos anos dei pulos de contentamento. O facto de ser em Lisboa e de ser a meio da semana não me demoveu. Queimei de bom grado dois preciosos dias de férias e de armas e bagagens rumo à grande cidade propus-me a chatear M. que por sinal também estava de férias.

Acho que estava com umas expectativas altas. Ao longo da carreira, os Underworld sofreram pequenas alterações cosméticas, mas mantiveram-se fieis a um ritmo frenético e simultaneamente rico em sonoridades e pinceladas acústicas que os catapultaram para a excelência ao longo da carreira. Um álbum ou outro menos consistente, mas como fã incondicional atento, e detentor de toda a discografia legal, e uns bons gigas de mp3 ao vivo da banda, pude sempre verificar que o grupo británico sempre foi genial a criar maxis e a fazer remakes e versões, e muito mais a
interpreta-los ao vivo do que a encher um CD. Esperava que no Coliseu dos Recreios não caíssem muito na promoção do seu último disco A Hundred Days Off, nem que focassem o Everything, everything. Mesmo depois da recente saída de Dareen Emerson, o agora duo dá mostras de todo o fulgor criativo e interpretativo, como se estivessem no auge da força.

Eu e M., que nem era muito fã dos Underworld, lá jantamos por lá nas redondezas perante uma multidão de alfacinhas que se preparava para assistir às fastidiosas e ridículas marchas populares. Para meu espanto quando chegamos ao Coliseu encontramos uma série de exilados como M., gente boa da minha cidade que também se viu obrigada a tentar a sua sorte na grande cidade.

O ar já cheirava a potência um DJ set de aquecimento e já abanava. A banda, agora um duo, fez juz ao rótulo e fama de dar concertos delirantes a que ninguém consegue resistir. Logo às primeiras vibrações numa excelente acústica, os semi-deuses revelaram-se num concerto que excedeu todas as minhas expectativas e que hoje posso dizer que foi o melhor concerto que assisti até hoje.

Abanei. Vibrei. Dancei. Pulei. Um ritmo crescente de temas reduzidos à sua essência e transmutados em brilhantes interpretações vocacionadas para um concerto como aquele. Todo o coliseu pulava rendido ao Born Slippy e Rez.
Os Underworld fizeram antes uma retrospectiva da sua carreira, sem terem as algemas da promoçãoo de um novo disco, pois já passaram um pouco a barreira da comercial que tinham caído nos dois últimos álbuns. De facto sente-se que são já uma banda para agradar aos fãs ao vivo. Por isso não há restrições, nem nada a provar pois há sensivelmente dois anos que a estrada esta sempre a rolar. Estão já divinisados, já ultrapassaram o estrelato e estão lá no outro lado.

Enquanto o meu espírito se deliciava com o som e o meu corpo se sintonizava com o ritmo, surgiu o King of Snakes em que um potente raio laser verde provou como coisas simples e até retro podem ser absolutamente geniais, num matrimónio de luz e som como muito provavelmente nunca mais vou assistir. Ficarão para sempre na retina aquelas dezenas de minutos de versão extendida.

Dois encores colossais, sendo o último após a insistência por mais de 10 minutos do público que não arredava pé, marcaram o terminus de mais de duas horas de um concerto que para a maioria dos felizados ficará como um dos melhores da sua vida. Para mim o melhor.

Já o suor me escorre num ardor de Verão
Trabalhando num cubículo fétido
Num velório sem defunto.

Suportando os rigores do assalariado
Contido, sou prédio devoluto
Fundo de alicerces abalados

Pouco futuro, parcas esperanças
Nada que um suspiro possa transpirar
Nada que um olhar possa transparecer
Nada que o cansaço possa vencer.

E é sinal de que a mísera e fútil
Consciência ressequida não é eterna,
Nem noite perdura.
É só o suor desta luta!

Retorcido numa secretária inútil,
Vejo-te terra prometida
Essa luz viciante,
Longe e distante,
Forte e vibrante.

Corro em teu encalço
Solto, livre de ilusões
Para realizar nosso sonho.

Finalmente concretizei um sonho que alimentava há muito. Subi aos céus e desci suspenso por um pedaço de nylon, conseguindo não só desfrutar de uma sensação única, como também provar a mim próprio que não existem barreiras, e que a vontade supera o instinto e lógicas condicionadas.

Dizem que o homem não foi feito para voar e que se Deus quisesse que voássemos, ter-nos-ia dado asas. Discordo! Somos apenas anjos sem asas, lutando pelo direito de voltar a ser essa essência etérea e alada.

Não é possível colocar em palavras aqueles três minutos, que simultaneamente tiveram um gosto a eternidade e a fugacidade de um pestanejar.

Durante todo o fim-de-semana respirei toda a ansiedade do baptismo do paraquedismo. O treino repetido, a teórica, as manobras ensaiadas até ao exaustão, a cassete remoída no vídeo e na minha memória, o arnês suspenso a torturar as minhas virilhas. O ambiente de camaradagem semi-militar, numa irmandade de quem já tem centenas de saltos e tem no olhar um brilho de satisfação que eu não entedia antes de saltar.

Finalmente o Cessna 182 decolou, já no entardecer de Domingo, quando toda a ansiedade me tinha roído até ao âmago. Lá em cima a minha mente lutava entre o pavor e a calma enquanto todos aqueles ponto se distanciavam, ficando cada vez mais pequenos. Chegou a minha vez. Agi maquinalmente, pois era absolutamente contra natura, agarrar-me ao montante da asa, a 140 km/h e a 4500 pés. “Pronto!!” gritei e à voz de “OK” lancei-me no vazio.

Talvez o meu cérebro nunca estivesse preparado para sentir pela primeira vez o terror misturado com a ansiedade e prazer. Ao ver o avião subir vertiginosamente e o corpo catapultado à medida que a tira extractora do automático ejecta o pára-quedas, todas as ideias que nos possamos lembrar passam a cavalgar em simultaneo como numa parada de militar do exército da CCCP de 6 horas no Kremlin perante o politburo, comprimida num único segundo, levando dos 10 km/h a Mach 271,7 a nossa capacidade cerebral.

Tudo porque em teoria, quando se salta de um avião estamos do ponto de vista da Física mortos numa queda fatal. Não sei se gritei, de fiz a contagem, se balbuciei uma série de palavrões. Acho sim que o meu consciente e inconsciente cruzaram-se, chocaram e fundiram-se, e que levitava em êxtase.
Estava a minha existência sujeita a algo de verde alface no meio do imenso azul que se começa a abrir, numa lufada de salvação.
Algo estava errado: os cordões enrolados. Simples de resolver e sem pânico rodei. E depois voava e finalmente atingi um estágio de libertação e liberdade do espirito.
O tempo parou, e a suavidade do ar e a imensidão do espaço rolavam como uma injecção de 50 ml seratonina directamente no córtex. Não seria o Nirvana mas era contudo um estádio intermédio de iluminação e expansão da mente. Sem adjectivação possível.

M. chama-lhe sexo com anjos. Eu prefiro dizer que está a uns escassos níveis do Nirvana.
De volta ao chão, uma aterragem minimamente calma, e um sorriso de orelha a orelha. E um brilho no olhar. Senti a electricidade da satisfação e realização em cada célula, de cada tecido do meu corpo.

I made it! I was there in the skys! I can fly!

Seria com certeza o sítio mais inusitado para observar uma avozinha indigente. Estavamos ainda meio ressacados, algo contrariados por uma sexta-feira extenuante e algo insípida. Propus uma ida até Cascais, apanhar algum Sol naquele lugarejo finório, onde nas primeiras fases da minha adolescência me divertir a valer, como só um adolescente imberbe seria capaz.

A inaptidão de poucas horas de sono não abonavam a favor da nossa boa disposição e estava sempre presente um pouco de humor negro a pairar no ar, de diálogos cortados e sem grande lógica. Apenas piadas descoordenadas e algo patéticas que nos faziam rir. Arranjar um restaurantezito para almoçar foi meio complicado, e os nossos óculos de Sol escondiam umas olheiras mais ou menos antipáticas. E ali, mesmo enfrente à amostra de marina, refastelados à mesa enquanto comíamos qualquer coisa sem grande prazer, reparei na velhinha negra, de luto e de caruma ou sujidade.
Aquela imagem bateu-me forte, como sempre as imagens dos alienados sociais. Não por pena, não por esses sentimentos patéticos de desprezo, nojo, ou misericórdia. Fico apenas sentimentalista ao imaginar que aquele ser humano, agora uma imagem esfarrapada, foi algures no tempo e no espaço, alguém capaz de ter um raciocínio lógico e talvez de se expressar e conviver como eu. Mas algures na viagem, ouve um trajecto errado, um atalho perigoso, um desnorte momentâneo que levou a uma espécie de beco sem saída em que se passou a residir.

Na cara as rugas encavalitadas escondiam uma percepção da idade da anciã, que apesar de magra e de movimentos lentos, não aparentava a agonia dolorosa de tantos idosos. Apenas o negrume da sujidade transformava a sua pele, como se fosse um mineiro de carvão coberta de uma folijem de grafite. Adormecia junto aos sempre presentes sacos plásticos, um depositório de bens, um conjunto de sacos de pertences de quem tem o céu como tecto.
Nas suas mãos afagava uma pombinha, ainda mais magra e coberta de negritude quase mais nauseabunda, mostrando um carinho enternecedor por aquela decrépita ave.
Era uma vez uma velhinha e a sua pomba, e pareciam felizes.

salpicos de sangue

Ontem alguém assaltou a loja durante o almoço. Nada de trágico, apenas um postigo partido e uma vidraça. Nada roubado a não ser uns telemóveis que estavam a carregar e foram devidamente palmados, após a constatação que não havia um único cêntimo na caixa fora das horas de expediente. Os larápios seriam concretamente o que eu chamo “pilha-galinhas movidos a ressaca de heroína“. Não se interessaram por equipamentos caros, ou artigos luxuosos: foram apenas atrás de dinheiro vivo e de artigos facilmente convertidos em dinheiro, como são os telemóveis.

Cash para pó. Concretamente os pingos de sangue da acrobacia da passagem pelo postigo de nada valeram, pois em 15 minutos os telefones celulares eram bloqueados pelo fabricante. Nada de Cash! Estranho sentir se tratou de um mero acto falhado, que vai participar nas estatísticas da criminalidade. Para mal de todas as ressacas e salpicos de sangue.

Tu es Foutu

Tu m’as promis le soleil en hiver et un arc en ciel
Tu m’as promis le sable doré j’ai reçu une carte postale
Tu m’as promis le ciel et la terre et une vie d’amour
Tu m’as promis ton coeur ton sourire mais j’ai eu des grimaces
Tu m’as promis
Et je t’ai cru
Tu es foutu
Tu-tu-tu…
Tu es foutu
Tu-tu-tu …

Tu m’as promis le cheval ailé que j’ai jamais eu
Tu m’as promis le fil d’Ariane mais tu l’as coupé
Tu m’as promis les notes de Mozart pas des plats cassés
Tu m’as promis d’être ta reine, j’ai eu pour sceptre un balai

Je ne sais pas ce qui se passe

In Grid

Questiono-me muitas vezes se não li em demasia alguns livros da época do romantismo. Este fim de semana foi como que acusado de ser um romântico. Para espanto meu, isso não me caiu nada bem, pois foi como que se eu fosse comparado a um anacronismo, ainda pior que ser machista ou comunista.

Fiquei de facto estupefacto. Nunca me tinha visto como romântico, mas todos os pequenos sinais de comportamento assim o indicam: um idealismo, uma postura gentlemen em relação ao belo sexo, uma reserva educada. Agora que penso nisso, e apesar de já me terem rotulado de lírico e sonhador (o que concordo inteiramente, para mal dos meus pecados), nunca me tinha identificado como um romântico. Pior que isso é saber que isso até me pareceu pejorativo, como se eu fosse um dinossauro excelentíssimo, um cro-magnon, uma espécie em vias de extinção.

Ser-se romântico, e encaixar nas ideias preconcebidas em torno desse conceito não deixa de ser custoso. Realmente não existe habitat possível nas relações humanas nos dias de hoje para tal tipo de comportamento tão inadaptado, não só emocionalmente como socialmente. Não me considero romântico, mas padeço desse mal estranho e em desuso de mimar as mulheres e ser um perfeito um pinga-amor démodé. Adjectivos como honesto, respeitador, atencioso, amável, prestável, educado, não têm agora grande estima no sexo feminino.

Sinto que a emancipação das mulheres ocidentais ao longo do século XX teve um efeito perturbador na sua idealização de homem: nada de cavaleiros em armaduras brilhantes, mas antes selvagens guerreiros estilo Atila.

Acredito que hoje um homem capta mais facilmente a atenção de uma fêmea humana se se comportar como um verdadeiro cafajeste. Para mim é quase algo contra natura, mas posso afiançar que as raras vezes que optei por tentar ser algo bruto, mesquinho ou maquiavélico numa relação, recebi das mulheres muita mais estima e interesse, do que se me comportasse como um dito romântico.

Como diz o ditado: “Quanto mais me bates, mais eu gosto de ti…

Sobranceiro numa sombra perdida,
Não encontro um equinócio nem solstício.
Num jardim onde deambula uma alma partida,
Sem rosas nem jasmins, sem fim nem princípio.

Nessa ausência dolorosa, partilho o medo,
Esqueço que te desejo e busco loucamente
Para além de um limbo apático sem credo,
Numa crença de me fugires amargamente.

Conquista-me a vontade;
Corta minhas raízes profundas;
Bebe da minha verdade!

Realiza meus desejos;
Levanta minhas mãos prostradas;
Dá-me doces beijos!

Nada. Não me apetece fazer absolutamente nada. Como se estivesse a tomar uma boa dosagem de Prozac para ficar pacato e preguiçoso. Castrado. Mas não estou a químicos, estou apenas a ressacar das diferenças de andamento e velocidade quotidianas. Espero demasiado das pequenas peripécias do momento, ainda sobre o vício da aventura constante e da adrenalina do desconhecido.

Apesar deste ócio auto-inflingido, da tentativa de descanso físico, esta minha vivência plena de contradições, bate continuamente em teclas desgarradas do navegar com terra a vista. Existem pelo menos dez itens mentais de atitudes e acções urgentes e banais que quero efectuar o mais rapidamente possível. São coisas triviais na sua maioria, mas outras são importantes degraus que se sobem na existência, passos fulcrais da vida. Falta-me contudo aquele fogo de executar a tarefa, de planear o acto, que infelizmente nunca me caracterizou. Por isso estou em conflito entre essa apatia indesejada e a vontade de romper as linhas inimigas para ganhar finalmente esta batalha prolongada.

Temo antes demais, que o argumentista desmiolado da minha parca vivência, tenha ficado sem imaginação, reduzido a um aborrecido writers block.
É verdade que desde o inicio deste ano, esse escritor tem-me dado um papel exigente, cheio de cenas rigorosas e tem aperfeiçoado constantemente a minha personagem a ponto de as minhas interpretações melhorarem sensivelmente. Sucederam-se cenas melodramáticas, grandes voltes de face do enredo, grandes momentos cénicos. Será que este argumentista será capaz de manter o seu estilo e manter todo o suspense deste romance policial francês? Ou será que vai entrar num cómodo e medíocre alongamento da estória, para lá de uma banalidade interminável como a horrenda novela do “Anjo Selvagem“?

Prefiro que esta crónica tenha um final à vista, do que se prolongue sem o clímax que se os últimos episódios tiveram.

Não percam as cenas dos próximos capítulos…

Não sou uma pessoa muito influenciada pela melodias da moda. Aprecio demasiadamente a música para não me sujeitar a histerias melódicas do momento. Contudo de vez em quando alguma canção pode abrir uma memória e uma brecha no espirito a ponto de nos enfeitiçar. Como um canto de sereia divinal que não podemos resistir. Provavelmente fiquei debaixo do seu encanto, quando acordei ao seu som logo após a minha chegada da América do Sol e julguei estar ainda a milhares de quilómetros de distancia.

Este tipo melodias podem ser como uma mulher belíssima que toma conta de todos os nossos pensamentos e que desejamos ardentemente conhecer no sentido bíblico, mas que após chegarmos a vias de facto deixa de ter qualquer interesse. Tal aconteceu com o anúncio televisivo da Optimus onde um conjunto de caras sorridentes inundadas de luz de um amanhecer forte, que publicitam os serviços multimédia da chamada 3G de serviços celulares.

Após vários dias de total desespero finalmente descobri os autores da faixa sonora do anúncio. Tratam-se dos dinamarqueses Mew, e a música em causa é um bem baptizado tema, denominado Conforting Sounds. Provavelmente vou ouvi-lo até a exaustão e dentro de dois meses, quando invadir o top ten nacional vou ser submetido à tortura diária de ser bombardeado por um disco já muito riscado na minha mente.

Na semana passada vi finalmente andorinhas a esvoaçar. Nada como essas simples aves para simbolizarem uma nova etapa do retorno anual, da sucessão das estação. As andorinhas são para mim o mais perfeito dos arautos de que a Primavera tomou com força o seu lugar e que vai florir e expandir-se em vida nova em breve.

Todos aqueles voos rápidos e picados, serpenteando em mil direcções, com voos rasantes e abrutos, mostram toda a energia, alegria e ânsia com que a nova renovação anual da vida se faz sentir. Ao observar esses seres tão frágeis, tão felizes, com um piar tão agitado e suave, faz-me sentir uma calma e esperança profundas. Fiquei feliz.

Estou absolutamente derreado hoje. Transpiro um cansaço quase absoluto, resultado das maluqueiras auto-inflingidas e pieguices constantes dos últimos dias e do calor que se faz sentir. Para contrariar isso só mesmo uma ida refrescante até ao meu retiro secreto, mas não muito. Depois dormir como se não houvesse amanhã…

Não é necessário fazer considerações sobre a alegria contagiante de ver uma final futebolística tão aguarda e sofrida. Dizer-se que o futebol “move multidões” e é uma “paixão nacional” é ser-se redutor.
O FCP transcende essa questão e vai mais além. Trata-se de uma identidade de humildade, esforço e perseverança. Daí que o seu carisma seja causa e efeito das gentes do norte, pessoas anónimas que se reúnem a volta de uma tribo muitas vezes repudiada e sempre que possível enxovalhada. Muitas vezes o futebol é um simples pretexto, um véu, para um bairrismo genuíno que não é explicável, nem sequer obedece a normas lógicas. Apenas é!

Acusado de ser um “clube regional” e outras balelas, típicas de quem tem dor de cotovelo e vive agarrado aos trofeus de passados longínquos e já esquecidos, o FCP mostrou que este é novamente o ano do Dragão, passados 16 anos. O FCP, como clube e equipa desportiva transcendeu este campeonato regional onde se chega ao cumulo de se dar destaque à luta pelo segundo lugar e mostrou que a vontade e o espirito de luta podem conquistar apenas vitórias. E de facto sempre vai ficar nos anais, como eu previra…

Este troféu teve um sabor especial: deleitei-me a ver as manifestações de júbilo espontâneas, as comemorações de um feito inédito. É indescritível sentir toda aquela gente simples, de todos os estratos sociais, idades e credos, sobressair de expansividade e mostrar o seu azul. Foi enternecedor sentir uma identidade tribalista, uma comunhão partilhada de grupo tão forte e genuína.

Para meu espanto I. alinhou minimamente em ir aos festejos comigo, já que todos os meus compinchas azuis e brancos foram assistir in loco a essa grande proeza. O calor e a festa, o azul e as buzinas tornaram a noite num frenesim mágico. Apesar de cansado creio que estas próximas semanas me reservam novas cambalhotas e reviravoltas na minha existência cinza florescente.

Queimo meus lábios
Sinto-te
Choro teu perfume
Percorro teu corpo

Canto teu suspiro
Ouço-te
Vejo a tua nudez
Percorro teu corpo
Admiro tua beleza
Beijo-te
Penetro teu sexo
Percorro o teu corpo
Embebedo meu olfacto
Olho-te
Saboreio tua pele
Percorro teu corpo
Tomo-te
Febril
Trémulo
Demente
Ávido
Percorro teu corpo
Devoro teu corpo
Alimentas minha paixão faminta
Confusa de desejo
Sem ordem nem descanso
Esse Amor que me dá Vida

Pois é!
Muita poeira ainda está por assentar, as asneiras ainda de refletem, as pieguices ainda me perseguem, encontros, desencontros, dúvidas e destinos, mas ao menos já sinto que posso vir a voar.

Felizmente no dia 30 estarei de novo no LUX para assistir ao desfilar de mais uma noite mágica de excessos e prazeres musicais para lá do que uma alma consegue resistir. Nada como uma festa como o Club Kitten @ LUX para descarrilar sem freios.
Irei com N. esse fiel companheiro de desgraças, e vamos encontrar S. e C. que regressarão de férias. Isso antevê algumas confusões e esquemas a permeio que vão tirar alguma da piada. Dissabores ou seduções? Resta-me procurar diagnoticar em mim uma comatose ou sanidade sóbria nesse percurso para sobreviver a essa pequena tortura. Tudo depende.
Afinal de contas é o meu DJ Kitten e eu falhei o mês passado: NO STRESS que esta vida são três dias.

NO STRESS pós-traumático

3 – Como contabilizar caipirinhas e outros conselhos úteis

Não se devem estabelecer regras quando queremos fugir à rotina. Essa fuga, é para mim extremamente valiosa, pois no intimo do meu ser, sou um perfeito anarquista praticante no degredo capaz de explodir com qualquer ordem imposta.

Desta vez a promessa de explodir com os últimos neurónios ainda capazes de algum pensamento minimamente articulado foi concretizada.
N. e Dr.P. esses fantásticos companheiros de armas encarregaram-se de liderar as hostes revezando-se no comando de operações que eu também capitanei, se bem que de forma não tão frequente.
Devo dizer com franqueza que não poderia desejar melhores companheiros de armas para estas andanças, não só de desfalecimento mental, como também de férias retemperantes.

Foram muitas horas de diversão, muitos jantares que ficam nos anais da história universal gastronómica, muitas caipirinhas, mulatas, etc…

Para calcular o consumo per capita de caipirinhas (ou caipivodkas) tivemos sérias dificuldades.

N. ultrapassou as 100, e a partir daí as contas ficaram mais complicadas. Até esse ponto elaboramos uma base cientifica de calculo:

  • consumo mínimo Jantar – 2 (variável até 5)
  • Resto da noite base média 2
  • Se estiver com uma queimadela solar subtraia 1
  • Dores de garganta, gastroentrite, ou voo no dia seguinte subtraia 3
  • Se houver factor «Oi!» acrescente 3
  • Se na entrada do Club pedirem seu número telefone acrescente 2 (caso consiga dizer meia em vez de 6 subtraia 1)
  • Caso o clube esteja cheio de mais e se alguém conhecido subornou o Barmen acrescente 4
  • Se teve coragem de subornar o Barmen some 2
  • Se está a chover subtraia 2
  • Se esteve a chover todo o dia acrescente 3

Com esta base cientifica atingimos uma média ponderada conjunta per capita de 6.11111 caipirinhas/caipivodkas por noite.

Mas fora estes exageros, que abracei num grito de cisne consciente, nada como um confortável alheiamento e euforia de amizade genuína, sob um cenário de antro do paraíso. Nada de planificações, reservas de hotel, roteiros turisticos.

«-Onde vamos amanhã?», «-Se conseguirmos voo, que tal Salvador?», «-Oi!», «TAM, VASP. VARIG ou GOL?», «-A que pare em menos apeadeiros!» , «-Oi!».

Assim as coisas têm mais graça, mais aventura, adrenalina. Obriga a mente a despertar e estar alerta e a saber horientar-se num território novo e talvez hostil. Mas é isso que nos faz sentir Vivos.

N. praticamente cresceu e se fez homem ao meu lado, conhecendo-o eu há mais de 15 anos, numa amizade que sempre valeu nos bons e maus momentos. Dr.P é compincha de há 8 anos de noites desregradas. Nada como um par de amigos full flavour para tornar as coisas hilariantes e potentes. Nada de lights.
Não vale a pena fazer umas férias assim sem levar um de cada… Antes esquecer a escova de dentes!

De regresso, repleto de força e cada vez mais apaixonado pela vida. Apesar de estar com um Jet-Lag horrendo estou a trabalhar cheio de energia renovada, sentindo uma enorme e reconfortante força anímica.

Valeu a pena queimar todos os neurónios.

Saudoso de Búzios e fazendo horas para apanhar o võo da TAM para FOR, estou já sentido o ausentar do stress da vidinha europeia.

A praia de Geripá foi gostosa, e deu para apreciar um chopp gostoso com casquinha de siri e isca de peixe, bem no meio da praia. Na praia de Ferradorinha foi muito bom também. Já estou pegando uma corzinha castanhinha.
O Eleven em Cabo Frio foi nosso local de diversão favorito, não só pela abundancia de caça grossa, como também pela música animada.
correndo tudo bem, a galera tá manera e tem rolado muita coisa de bom.
Agora tenho que ir que a hora do meu voo tá chegando.

A noite passada

A noite passada acordei com o teu beijo
descias o Douro e eu fui esperar-te ao Tejo
vinhas numa barca que não vi passar
corri pela margem até à beira do mar
até que te vi num castelo de areia
cantavas “sou gaivota e fui sereia”
ri-me de ti “então porque não voas?”
e então tu olhaste
depois sorriste
abriste a janela e voaste

A noite passada fui passear no mar
a viola irmã cuidou de me arrastar
chegado ao mar alto abriu-se em dois o mundo
olhei para baixo dormias lá no fundo
faltou-me o pé senti que me afundava
por entre as algas teu cabelo boiava
a lua cheia escureceu nas águas
e então falámos
e então dissemos
aqui vivemos muitos anos

A noite passada um paredão ruiu
pela fresta aberta o meu peito fugiu
estavas do outro lado a tricotar janelas
vias-me em segredo ao debruçar-te nelas
cheguei-me a ti disse baixinho “olá”,
toquei-te no ombro e a marca ficou lá
o sol inteiro caiu entre os montes
e então olhaste
depois sorriste
disseste “ainda bem que voltaste”

Sérgio Godinho : A noite passada

Parte VI – Três mosqueteiros e Iracema

Finalmente as últimas horas estão a seguir inexoráveis. Caminham e desenvolvem. Uma após a outra passam fluidas, já não estão paradas. As preocupações já se desvanecem. Aprumam-se as ultimas despedidas. Mesmo nas três frentes. Excepto na frente Leste onde hoje não vou resistir a uma escaramuça que me pode causar sérias mazelas, uma vitória rápida ou uma esmagadora vitória dentro de semanas. Tudo depende dos ventos de guerra.

O tempo sai fluido e dentro de horas estarei nas férias merecidas, e quais três mosqueteiros, como tudo se encaminha, quer em mentalidade e coragem. N. e Dr.P. estão em plena forma, desesperados como eu em arrebentar tudo que houver para arrebentar e ter zero segundos de aborrecimento.
Descanso, festa, alegria, loucura, descontracção, mulheres e copos são a nossa ementa não programada. Acho que fazemos uma boa equipa, equilibrada, coesa. Se N. diz mata, Dr.P. diz esfola, e eu trago o machado. Se peço um copo, N. pede outro e Dr.P quer pagar os três. Se eu quero ficar até ao fim, Dr.P. quer ser o último a sair e N. ainda voltava a tentar entrar. Sofregos e Cª!
Vai ser bom, e só mesmo um grande selecionador seria capaz de montar um terceto ofensivo como o nosso. Penso que vamos dar muitas goleadas!

E nestas andanças me despeço, uma vez que nem sei se vou voltar. Posso-me perder num grito estridente de cisne, nos braços de Iracema ou Iemanjá, e para sempre ficar sepultado nas terras da Vera Cruz.


Adeus! Até sempre, ou até já!

Fim

ou talvez não