ano

Reserva-me o direito de um fim-de-semana que me permitisse algum descanso e pacatez. Talvez conseguisse meditar e por em prática alguns ensinamentos. Mas nada disso sucedeu. Logo na sexta-feira descobri que ambicionava antes, e de forma ávida, toda e qualquer folia a que pudesse deitar as mãos, mesmo que, com resultados quase catastróficos.

Um jantar com Inspector P. e N. revelou-se um repasto revivalista e simultaneamente enternecedor, devidamente regado a um tinto único que me colocou em dois tempos na lista de quem tem lugar reservado no purgatório. Cheguei a casa já a chuva encobria um sol demasiado alto para que não me sentisse envergonhado, repetindo mentalmente que o meu juízo é algo exageradamente volátil.

Na pacatez da ressaca, vislumbramos que a euforia da noite anterior, serve de um merecido tubo de escape, mas que não perdoa em termos de desgaste de motor. O uso intensivo de aditivos na combustão pode causar danos à máquina que nem um mecânico credenciado possa reparar. Felizmente o Mestre fez-me uma visita para compensar a nostalgia de uma praia chuvosa, e trouxe-me a sua companhia sempre bem-vinda. Perdemos ainda alguns neurónios no nosso envolvente vício e pusemos o crochet em dia. A insistência da pluviosidade intermitente e o meu sono impediram qualquer sortida mais atrevida, ficando-me pelos ares costeiros meios desertos, numa pacata companhia de outros tempos.

Dormi até não poder mais e Domingo, nenhum dos meus planos se poderia concretizar, recheado de companhia, visitas, amizades, em ternos momentos de velocidade bem lenta, reflexivos e relaxantes, já sob um Sol generoso . O isolamento que me propunha não existiu, e muito provavelmente não voltarei a ter um espaço languido antes que o Verão vá a sepultar.

Estranho é assistir embevecido ao pequeno baby boom do meu circulo de amigos. Acho que os meus olhos brilharam varias vezes perante as lindas filhotas do Inspector P. e do Bi. Enternecem-me as crianças pequenas, creio que estou a desenvolver inconscientemente um instinto paternal exacerbado. Creio que o meu relógio biológico está-me a dizer que são horas de assentar, talvez tirar a sela do cavalo e vender o Colt, mais o cinturão de pistoleiro e as esporas da praxe das texanas. Talvez seja hora de cortejar aquela jovem moça de familia em vez das visitas às rameiras enrugadas do Salon, e criar uma família. Talvez seja mesmo chegado o tempo de arranjar a tal bonita casa na pradaria…
Ou talvez não. Talvez eu tenha que ser um pistoleiro veterano, deambulando entre um deserto de cactos e cascavéis até que uma bala com destino traçado me apanhe.

Faz dois anos que iniciei este diário algo confuso. Muita água passou debaixo do moinho deste então, muitas linhas e pensamentos desconexos, memórias encapuçadas e atribulações em que este meliante se viu envolvido.

Nenhum destes retalhos parece fazer sentido, mas reunidos, seguindo a cronologia com que os depositei na Internet, algo interessante parece surgir da amalgama de textos e frases: forma-se um estranho retrato evolutivo, desconexo de lógica com pinceladas abstractas, mas que sempre me deu um estranho prazer e que agora forma um bolo de memórias fermentadas.

O Psicótico nunca pretendeu ser uma afirmação narcisista, nem um enigmático pedido de ajuda sobre uma vivência menos conseguida, consciente ou inconsciente. Não foi um repositório de conhecimentos triviais ou uma pseudo-obra literária. Tão pouco foi um show off da night life, ou roteiro de diversão. Provavelmente foi tudo isso e simultaneamente nada disso.
Trata-se somente da minha manta de retalhos, uma cápsula do tempo aberta em permanência no éter do ciberespaço, partilhada ao mundo sem intimidades em demasia, mas que apenas se destina ao próprio autor.

Parabéns Psicótico

Não devia duvidar tão frequentemente de que a minha capacidade de encaixe está cada vez maior. Não acredito que está maré de pequenos azares quotidianos possa continuar indefinidamente, como um enorme maremoto. Contudo essas pequenas ondas sucedem-se mais do que seria desejável ou provável, e causam em mim algum desespero, pelo menos de causa.

Estou com o que chamo ser uma “ressaca de Primavera“. Tenho insónias, dores de cabeça, estou cansado e sem paciência. Deambulo semi-inconsciente durante toda a manhã, e durante a noite nem um fio de sono de amostra. As minhas energias parecem ter sido drenadas por um demónio vampiresco ou então estou num grave deficit de seratonina.

O meu quotidiano parece também reflectir todo o panorama nefasto e desorganizado do meu intimo: vagas sucessivas de disparates e azares.
É certo de que o facto de o meu carro estar no mecânico mais de uma semana é perfeitamente natural. Percorrer pequenas distancias num bolinhas com menos 80 cavalos também não é assim tão mau como isso, muito embora estivesse mesmo apavorado quando entro numa auto-estrada montado naquela máquina de lavar a loiça (estou mal habituado!). Aborrecido é andar 30 km com a máquina recuperada e ouvir uns sons esquisitos e a direcção assistida ir para o maneta de forma fulminante. Já estou a ver o mecânico a esfregar de novo as mãos de contentamento: “mandar vir peças”; “mão-de-obra”; “afinação” – são palavras que não me apetece ouvir de novo, nem a mim nem à minha carteira.

Acumulada tenha uma interminável lista de afazeres urgentes, quer a nível profissional, quer pessoal. A minha correspondência acumula-se, a minha vontade de escrever é reduzida, todos os planos parecem adiados, mas pendente e numa ligeira reflexão posso listar mas de dez ordenações diferentes de to-do´s.

Mas disse chega. O cúmulo, que me fez despertar foi a situação patética de ter ficado fechado do lado errado da casa, montado numa bicicleta e em calções e sapatilhas enlameadas e t-shirt suada. Senti uma vontade indescritível de pegar na bicicleta e atira-la contra a primeira coisa que se movesse.

Respirei fundo e pensei com os meus pedais: afinal que estou para aqui a fazer?
“show must go on”.
Parece que me estava a esquecer de muito do que aprendi nestes últimos meses.

o animal nas Antas Creio que nada de mais revoltante existe do que quando alguém se apropria da fama de outrem. Ainda para mais quando se trata de uma personagem famosa que é diminuída mental. O caso “emplastro dragão“, vulgo animal, não deixa de ser sintomático, de como não há restrições de moral no mundo do televisivo e do espectáculo rasca português, e de como os fins justificam todos os meios. Se não há gajas, há cromos, que é isso que o povinho gosta.

O pobre rapaz, uma singularidade inexplicável, graças à sua vontade de aparecer na televisão, tornou-se por isso mesmo um ícone de culto e de chacota no nosso país. Quando passa a existir um aproveitamento da popular da personagem, caí-se no mais profundo dos pantanais, num verdadeiro esgoto de consciência, ao capitalizar a nefasta fama de alguém que não tem consciência dos seus actos.

Custa-me sentir que só num país de energúmenos seria aceitável colocar na televisão nacional o caricato rapaz e utiliza-lo com fonte de audiência e de promoção para o que quer que seja. (ainda para mais para mais um pimbalhão indescritivel) É algo de desumano, utilizar como num freak show, um ser humano que não tem plenas faculdades mentais e discernimento quanto à sua postura. Trata-se de encaixar e facturar às custas de um deficiente mental que se tornou popular – algo que considero bem pior do que o reprovável caso do homem-elefante uma vez que a vitima não tem percepção de que esta a ser utilizado única e exclusivamente pela sua anomalia. É absolutamente um caso amoral, e sem respeito pelo ser humano, verdadeiramente vergonhoso para Portugal. Como já tive a opotunidade de lêr:

«o anormal ,o louro e o xulo(jel)..perante tanta mediocridade só da para esconder a cara de vergonha…»
«…”Fenómeno Emplastro” não é mais do que o fruto propositado dos media ao aproveitarem a insanidade mental deste homem e usarem-na para “entreter” ou antes.. alimentar, a desocupação e o ócio intelectual em que a sociedade actual vive.»

Quando vi na SIC, não quis crer que no nosso país o bom senso tinha desaparecido. Provavelmente somos um país em que o menos idiota é o Fernando da Madalena… Espero que depois disto o Balsemão vá o mais rapidamente possível à falência…

Num crepúsculo de desalento e recordações perdidas
Sairás sobre o firmamento, consagranda em ardor.
Serás toda a minha existência pecaminosa,
Toda a minha luxúria frustrada, repleta de amor e fel,
Numa noite luminosa, que se estende sem sombra de dor.

No tempo de cólera de paixões passadas,
E paixões consertadas, terás o vigor do sexo desenfreado,
Do desejo sufocante e possuirás a minha chama desvairada,
Toda a minha libido demente sobre o céu na terra,
Num momento desgovernado, como nunca foi vivido.

Será assim que vejo
Será assim que eu te desejo
Mesmo quando não te beijo
Num suave anoitecer
Exaltante.

Estou cansado mas não aborrecido. Um vazio extremo na ordem dos pensamentos lógicos, uma alienação voluntariosa, uma ressaca intensa, como se o meu crânio estivesse repleto de areia fina.
São efeitos devastadores, uma contabilidade de danos e perdas que me habituo a fazer aos domingos à tarde e as segundas-feiras, mas que não me causam remorsos nem mágoas.

É apenas a minha dualidade Dr Jekyll e Mr Hyde que aproveita do fim-de-semana para se afirmar.
A carne é fraca e os espirito nem sempre tem a rectidão e a robustez para se por a salvo de pecadilhos exagerados. A noite é uma altura sugestiva, e prolonga-se sem regras até depois do dia raiar, com um apetite voraz de tudo quanto seja animação, fulgor e festa. Como que quisesse saborear toda a vida em escassas horas, dando azo a uma paixão que não termina. Estou cada vez mais sofrego, e o Sr Hyde está cada vez mais poderoso.

Não tenho tido muita paciência. Por vezes desejo tornar-me num simples caminhante cujas únicas preocupações seriam relativas ao destino a seguir para pernoitar e onde arranjar o pão de amanhã. É uma ideia idílica e utópica, mas não tão descabida como isso.
A vida é no fundo uma diáspora, uma cruzada, uma demanda pelo Santo Graal, e pelo Sentido da Vida. (Ei! Não estou a falar em filmes dos Monty Python)

Não que essas metas mitológicas existam realmente, mas sim são como que reveladas e encontradas durante jornada, numa aprendizagem só possível pelas experiências diferentes com que nos deparamos e a forma como o inédito e o distinto alargam o nosso horizonte de pensamentos.

Frequentemente quando viajo reencontro-me, como se andasse perdido de mim mesmo, esquecido que tenho uma vida e não uma rotina. Já consigo fazer ruir rotinas e hábitos, mas não os meus vícios. De tempos a tempos gosto de me fazer sozinho à estrada sem destino, preferencialmente com o auxilio de um volante, e percorrer largas distancias sem destino aparente – apenas pelo gosto do desconhecido com que me vou deparar amanhã. Provavelmente tenho instintos gitanos e quem sabe senão é a minha vocação inata de vadiagem que me faz pulsar.

Foi um fim de semana algo diferente em que eu alternei entre a introspecção e a total futilidade superficial. Por vezes temos que nos dar esse direito de nos alienarmos como muito bem entendamos.

O clima prega-nos muitas vezes partidas e faz-nos sentir demasiadamente miudinhos, face às forças naturais. Tinha planeado um fim-de-semana para voar, mas as “condições climatéricas” não eram as ideais para façanhas que envolvem alguns riscos ligados com a geografia e clima. Por isso não fui um anjo sem asas, apesar de necessitar urgentemente de me escapar para as altitudes.

Exactamente pela minha necessidade de um grande fuga, de uma cândida alienação, acabei por fazer uma caminhada menos benéfica para a minha saúde, assim como para a minha carteira. Mergulhei num cenário de total degradação noctívaga, com direito a fazer duas das noites mais extravagantes desde que me conheço, e estamos a falar de quem já cometeu uma considerável série de atentados à moral e pudor, sendo procurado, vivo ou morto pela Brigada dos Bons Costumes. Isto de percorrer as três capelinhas é criminoso!

Mas nesta descompressão emocional, tão necessária, também interiorizei que os contra-sensos da minha vida terão aumentado nos últimos anos. Não é um facto novo que o desprendimento afectivo e emocional aumentam, a medida que vamos conhecendo mais pessoas.
Fazendo às contas, a quantidade de seres humanos que se cruzaram na minha intimidade, cresceu exponencialmente, fruto de algum apetência de sedução, alguma necessidade inata de convívio ou afins. Mas isso não me ofereceu o seu propósito, mas sim tem cavado algumas fronteiras de solidão a que ciclicamente não consigo fugir. É como se a quantidade reduzisse drasticamente a qualidade, e pior me fizesse criar alguma sofreguidão a lidar com as mais variadas situações.
Espero que esta sensação seja meramente passageira, pois é desconfortável estar a sentir-me só, quando estou rodeado e acompanhado por uma multidão. Esta falta de lógica e luz, têm que ser passageiras.

Resta-me fazer um bocado das tripas, coração, e rezar que esta postura Titanic não meta nenhum Iceberg.

Sem me aperceber, há pequenas coisas que se modificam na nossa maneira de ser, após um pouco de consciencialização. Não se trata de algo que lemos e nos altera a filosofia de vida, nem uma experiência mística que nos renova de fé. É antes uma caminhada lenta, uma absorção continuada de uma aprendizagem crescente.

Creio que sou um autodidacta cauteloso, pronto a refutar certezas e a ter um espirito aberto a novos conceitos, buscando uma iluminação não dogmática. Não que caia nas escusadas asneiras da espiritualidade feita à medida, a gosto do freguês, nem partindo do nada existencialista até chegar ao crente fanático.

A vida é talvez demasiado efémera, como um par de minutos para que nos possamos dar conta da sua razão, desaproveitando muitas vezes o seu desfrutar por razões de temores ou ilusões. Por isso à medida que cresço vou-me desabituando sem menor esforço de pequenas facetas menores da existência. Creio que dou de facto menos valor aos bens matérias, do que dava há uns anos atrás. Assim como as crianças vibram de ansiedade por um novo brinquedo, tal gosto diminui à medida que crescem, e torna-se algo menos interessante ou crucial para a sua felicidade. Se pensarmos bem, nestes dois minutos que nos são atribuídos, deve dar alguns gosto desfrutar de uns brinquedos bonitos, como casa, carro e todas essas coisinhas, mas nada disso nos acompanha para lá da vida, nem é interiorizado por nós. Apenas nós podem dar algum conforto aparente, mas não nos pode realizar interiormente apesar da nossa sociedade estar construída ao redor deste conceito de propriedade e posse.

uma obra prima A Última Hora de Spike Lee, foi um filme que me surpreendeu muito. Estava habituado a ver Spike Lee como um provocador com uma mensagem algo gasta, mais eis que me rendi a uma obra-prima.
Transcendendo a questão racial que sempre foi um denominador comum, Spike filma um irlandês nova-iorquino, talvez uma das melhores interpretações de Edward Norton só comparaveis com American History X e Fight Club. Mas indiscutível é a genialidade da narração de um enredo que nos faz realmente pensar sobre algo importante da nossa vida: a consequência dos nossos actos e o resultado das nossas pequenas opções da vida.

Para lá de uma fotografia de uma beleza intrínseca de encher o olho e de uma interpretação em que o elenco se mostra irrepreensível, senão mesmo iluminado, Spike Lee mostra-nos um homem que está perante a inevitabilidade de ser chamado a pagar pelos seus erros, devido à teia em que se viu envolvido por leviandade, no tráfico de drogas. A Última Hora não cai na lamechice moralista, apenas nos reporta para o drama humano da verdade dos nossos os actos e da coragem e responsabilidade de enfrentar as suas consequências e como isso afecta aqueles à nossa volta. O que poderia à principio parecer mais um drama que se passa em Nova Iorque é de facto um questionar à nossa sociedade consumista e existencialista que se coíbe de preocupações éticas.

Uma das cenas mais marcantes é a da revolta na sequência em que a personagem principal se encara no espelho, e mostra a sua violência sobre toda a contaminação que a grande metrópole está exposta, como se fosse essa a origem do mal citadino, e por consequência, responsavel da queda em desgraça do (anti?)-herói. Tal revolta, exonera-se aquando da caminhada final rumo à prisão ou fuga, em que a cidade se revela, não como mal, ou influencia negativa, mas sim como um portal de esperança, numa visão realmente bela e emotiva transposta no sorriso das pessoas.

Spike Lee atingiu a maioridade como cineasta e revela um profundo conhecimento do vivência do homem como ser humano e social sem fazer juízos de valor ao enredo que nos transporta. A última hora é um momento de viragem na vida de um homem em que a decisão é deixada em aberto: acarretar com as consequências ou fugir para começar tudo de novo.

Tal como a narrativa esse excelente filme, a vida coloca-nos em situações que temos que tomar este tipo de opções difíceis: ir de encontro à nossas responsabilidade e pagando a pena para atingir a nossa remissão, ou fugir e tentar apagar a nossa mácula e começar do nada.

Underworld live green laser 2003

Se não estou em erro, foi algures por volta de 1996 que assisti no já desaparecido Rock’s de Gaia a um concerto quase mítico e inesquecível para quem esteve lá. Tratou-se do primeiro concerto dos Underworld em terras lusitanas e era para mim foi sem sombra de dúvida o melhor concerto que jamais tinha presenciado.
Os Underworld conseguiram algo que a maioria das bandas electrónicas jamais conseguiu fazer: tornar a sua música e estilo passíveis de serem tocadas ao vivo num concerto. Os sons inovadores e improvisos em versões adulteradas dos seu temas originais que ouvi naquela cave do outro lado do rio ainda ecoavam na minha mente. Não me cansava de repetir que tinha sido o concerto da minha vida.

Quando soube que os Underworld iam finalmente regressar a Portugal ao fim de tantos anos dei pulos de contentamento. O facto de ser em Lisboa e de ser a meio da semana não me demoveu. Queimei de bom grado dois preciosos dias de férias e de armas e bagagens rumo à grande cidade propus-me a chatear M. que por sinal também estava de férias.

Acho que estava com umas expectativas altas. Ao longo da carreira, os Underworld sofreram pequenas alterações cosméticas, mas mantiveram-se fieis a um ritmo frenético e simultaneamente rico em sonoridades e pinceladas acústicas que os catapultaram para a excelência ao longo da carreira. Um álbum ou outro menos consistente, mas como fã incondicional atento, e detentor de toda a discografia legal, e uns bons gigas de mp3 ao vivo da banda, pude sempre verificar que o grupo británico sempre foi genial a criar maxis e a fazer remakes e versões, e muito mais a
interpreta-los ao vivo do que a encher um CD. Esperava que no Coliseu dos Recreios não caíssem muito na promoção do seu último disco A Hundred Days Off, nem que focassem o Everything, everything. Mesmo depois da recente saída de Dareen Emerson, o agora duo dá mostras de todo o fulgor criativo e interpretativo, como se estivessem no auge da força.

Eu e M., que nem era muito fã dos Underworld, lá jantamos por lá nas redondezas perante uma multidão de alfacinhas que se preparava para assistir às fastidiosas e ridículas marchas populares. Para meu espanto quando chegamos ao Coliseu encontramos uma série de exilados como M., gente boa da minha cidade que também se viu obrigada a tentar a sua sorte na grande cidade.

O ar já cheirava a potência um DJ set de aquecimento e já abanava. A banda, agora um duo, fez juz ao rótulo e fama de dar concertos delirantes a que ninguém consegue resistir. Logo às primeiras vibrações numa excelente acústica, os semi-deuses revelaram-se num concerto que excedeu todas as minhas expectativas e que hoje posso dizer que foi o melhor concerto que assisti até hoje.

Abanei. Vibrei. Dancei. Pulei. Um ritmo crescente de temas reduzidos à sua essência e transmutados em brilhantes interpretações vocacionadas para um concerto como aquele. Todo o coliseu pulava rendido ao Born Slippy e Rez.
Os Underworld fizeram antes uma retrospectiva da sua carreira, sem terem as algemas da promoçãoo de um novo disco, pois já passaram um pouco a barreira da comercial que tinham caído nos dois últimos álbuns. De facto sente-se que são já uma banda para agradar aos fãs ao vivo. Por isso não há restrições, nem nada a provar pois há sensivelmente dois anos que a estrada esta sempre a rolar. Estão já divinisados, já ultrapassaram o estrelato e estão lá no outro lado.

Enquanto o meu espírito se deliciava com o som e o meu corpo se sintonizava com o ritmo, surgiu o King of Snakes em que um potente raio laser verde provou como coisas simples e até retro podem ser absolutamente geniais, num matrimónio de luz e som como muito provavelmente nunca mais vou assistir. Ficarão para sempre na retina aquelas dezenas de minutos de versão extendida.

Dois encores colossais, sendo o último após a insistência por mais de 10 minutos do público que não arredava pé, marcaram o terminus de mais de duas horas de um concerto que para a maioria dos felizados ficará como um dos melhores da sua vida. Para mim o melhor.

Parte II – A fasquia

Para ser franco, a principal razão que me levou a saltar não se tratou de uma sede radical de adrenalina, mas sim o facto de me impor uma barreira importante que conseguisse superar.

Muita gente encara a maioria dos desportos ditos radicais com um cariz negativo em que um conjunto de lunáticos arrisca a vida para dar nas vistas e sentir a emoção do risco e da aceleração das batidas cardíacas. No meu caso não se tratou de ter o gostinho por um “rush“, mas de algo mais importante. Tratou-se um desafio pessoal ao estilo do que em bom português se poderia descrever pela seguinte questão “Tens ou não tens tomates?” Foi há cerca de dois anos, em conversa corriqueira com M. no Aniki Bóbó que a ideia de saltar se introduziu na minha mente, e foi ganhando alguma forma, como se fosse aquela realização interessante.

Julgo que quando um atleta de salto em altura se propõe a evoluir tem que pensar em subir a fasquia. De nada lhe servirá saltar com à vontade um mísero metro e cinquenta durante toda a carreira como desportista. O que faz dele um atleta é subir aquela fasquia sempre que lhe seja humanamente possível. A Vida é como uma prova em que a fasquia vai subindo, e só aqueles que treinam para se superarem, e estão dispostos a novos desafios podem saborear a realização de subir a um pódio.

Depois do treino e de demasiadas horas de conselhos teóricos e de histórias de pára-quedistas sobre as suas experiências pessoais, nada poderia ser mais importante como o acto de ter a coragem no momento da verdade. Esse momento foi passado com determinação e capacidade, em que eu dominei o pavor de me projectar das alturas esperando que nada acontecesse de muito errado.

Sentir a satisfação de ter atingido uma meta, transpor uma adversidade é algo que nos faz sentir vivos e capazes de encarar com mais facilidade outra barreiras presentes e futuras que se nos deparam. O vigor do auto-domínio e vontade de chegar aos nossos objectivos dão-nos um incentivo e auto-confiança essenciais para vingar a vida.

Parte I – O dopado

Quando o meu voo terminou e senti aos meus pés a agora diferente sensação de pisar terra firme, algo estava em êxtase na minha mente. Todo aquele cansaço e prostrações do quotidiano tinham-se eclipsado.

Por estranho que pareça não seria a adrenalina pulsante nas veias que me estaria a roubar o periclitante juízo que me resta. Era uma enorme alegria, um fulgor de concretização que nos enche o coração em ocasiões raras. Como se tivesse quase tocado o Divino, elevando o meu estado de consciência, que transbordava.
Ainda perfeitamente nas alturas, a torrente de pensamentos gerados por esta experiência não parava, e sei hoje que a vertigem de repetir na hora a façanha era tão grande que não teria qualquer tipo de auto-controle.

Foi neste estado de graça que desci a colina sinuosa a mais de 100 km/h, fazendo gritar os pneus e disparando continuamente o sistema anti-derrapagem. Estava embrutecido nos movimentos, e felizmente apercebi-me a tempo que já não era um ser alado. Queria partilhar tudo aquilo, mas ausência de palavras e a comoção, e muito provavelmente aquele brilho nos olhos algo alienado, não me tornaram num bom narrador. Já me queimava o telemóvel na orelha, e fui até a casa de C. que oferecia mais um excelente jantar, com N., S., e mais gente do Sá Carneiro . Não consegui comer, nem era capaz de deixar de sorrir. Eléctrico tinha mais visitas por fazer, minhas pernas eram molas, minhas asas ausentes ainda não apresentavam sinais de dormência.

Fui ter com os amigos do Passado, ainda high. Foi um bom resto de serão. Contudo quando chegou a hora de dormir, dei-me conta que ainda estava dopado pela mais poderosa de todas as drogas: a alegria de desfrutar a Vida.

Finalmente concretizei um sonho que alimentava há muito. Subi aos céus e desci suspenso por um pedaço de nylon, conseguindo não só desfrutar de uma sensação única, como também provar a mim próprio que não existem barreiras, e que a vontade supera o instinto e lógicas condicionadas.

Dizem que o homem não foi feito para voar e que se Deus quisesse que voássemos, ter-nos-ia dado asas. Discordo! Somos apenas anjos sem asas, lutando pelo direito de voltar a ser essa essência etérea e alada.

Não é possível colocar em palavras aqueles três minutos, que simultaneamente tiveram um gosto a eternidade e a fugacidade de um pestanejar.

Durante todo o fim-de-semana respirei toda a ansiedade do baptismo do paraquedismo. O treino repetido, a teórica, as manobras ensaiadas até ao exaustão, a cassete remoída no vídeo e na minha memória, o arnês suspenso a torturar as minhas virilhas. O ambiente de camaradagem semi-militar, numa irmandade de quem já tem centenas de saltos e tem no olhar um brilho de satisfação que eu não entedia antes de saltar.

Finalmente o Cessna 182 decolou, já no entardecer de Domingo, quando toda a ansiedade me tinha roído até ao âmago. Lá em cima a minha mente lutava entre o pavor e a calma enquanto todos aqueles ponto se distanciavam, ficando cada vez mais pequenos. Chegou a minha vez. Agi maquinalmente, pois era absolutamente contra natura, agarrar-me ao montante da asa, a 140 km/h e a 4500 pés. “Pronto!!” gritei e à voz de “OK” lancei-me no vazio.

Talvez o meu cérebro nunca estivesse preparado para sentir pela primeira vez o terror misturado com a ansiedade e prazer. Ao ver o avião subir vertiginosamente e o corpo catapultado à medida que a tira extractora do automático ejecta o pára-quedas, todas as ideias que nos possamos lembrar passam a cavalgar em simultaneo como numa parada de militar do exército da CCCP de 6 horas no Kremlin perante o politburo, comprimida num único segundo, levando dos 10 km/h a Mach 271,7 a nossa capacidade cerebral.

Tudo porque em teoria, quando se salta de um avião estamos do ponto de vista da Física mortos numa queda fatal. Não sei se gritei, de fiz a contagem, se balbuciei uma série de palavrões. Acho sim que o meu consciente e inconsciente cruzaram-se, chocaram e fundiram-se, e que levitava em êxtase.
Estava a minha existência sujeita a algo de verde alface no meio do imenso azul que se começa a abrir, numa lufada de salvação.
Algo estava errado: os cordões enrolados. Simples de resolver e sem pânico rodei. E depois voava e finalmente atingi um estágio de libertação e liberdade do espirito.
O tempo parou, e a suavidade do ar e a imensidão do espaço rolavam como uma injecção de 50 ml seratonina directamente no córtex. Não seria o Nirvana mas era contudo um estádio intermédio de iluminação e expansão da mente. Sem adjectivação possível.

M. chama-lhe sexo com anjos. Eu prefiro dizer que está a uns escassos níveis do Nirvana.
De volta ao chão, uma aterragem minimamente calma, e um sorriso de orelha a orelha. E um brilho no olhar. Senti a electricidade da satisfação e realização em cada célula, de cada tecido do meu corpo.

I made it! I was there in the skys! I can fly!

Esta calor, e felizmente mais um fim-de-semana se aproxima. Não vou refastelar-me ao Sol como seria de esperar, mas vou passar antes um par de dias semi-militaristas de treinamento aborrecido. Mas é por uma boa causa, por um valor mais alto. Se tudo correr como delineado, na próxima segunda-feira terei atingido um pequeno objectivo, que as circunstâncias alheias me têm negado. Diz I. que são os deuses que estão contra, mas eu sinceramente prefiro ser um Ulisses e desafiar as minhas hipóteses contra esses amplos entraves.

Será um sacrifício que valerá a pena, e se não me escafeder em mil bocadinhos terei um sorriso na cara de uma ponta a outra. Vencer os nossos medos mais profundos e encarar de frente o pavor e o pânico e a forma mais saudável de Viver. Vai ser apaixonante de certeza, e terei o gosto doce de realização e coragem. Só espero que o tempo e o veiculo não preguem partidas como no ano passado.
Dizem que é quase tão bom como sexo, mas tenho as minhas dúvidas. A bem das baleias voadoras.

Seria com certeza o sítio mais inusitado para observar uma avozinha indigente. Estavamos ainda meio ressacados, algo contrariados por uma sexta-feira extenuante e algo insípida. Propus uma ida até Cascais, apanhar algum Sol naquele lugarejo finório, onde nas primeiras fases da minha adolescência me divertir a valer, como só um adolescente imberbe seria capaz.

A inaptidão de poucas horas de sono não abonavam a favor da nossa boa disposição e estava sempre presente um pouco de humor negro a pairar no ar, de diálogos cortados e sem grande lógica. Apenas piadas descoordenadas e algo patéticas que nos faziam rir. Arranjar um restaurantezito para almoçar foi meio complicado, e os nossos óculos de Sol escondiam umas olheiras mais ou menos antipáticas. E ali, mesmo enfrente à amostra de marina, refastelados à mesa enquanto comíamos qualquer coisa sem grande prazer, reparei na velhinha negra, de luto e de caruma ou sujidade.
Aquela imagem bateu-me forte, como sempre as imagens dos alienados sociais. Não por pena, não por esses sentimentos patéticos de desprezo, nojo, ou misericórdia. Fico apenas sentimentalista ao imaginar que aquele ser humano, agora uma imagem esfarrapada, foi algures no tempo e no espaço, alguém capaz de ter um raciocínio lógico e talvez de se expressar e conviver como eu. Mas algures na viagem, ouve um trajecto errado, um atalho perigoso, um desnorte momentâneo que levou a uma espécie de beco sem saída em que se passou a residir.

Na cara as rugas encavalitadas escondiam uma percepção da idade da anciã, que apesar de magra e de movimentos lentos, não aparentava a agonia dolorosa de tantos idosos. Apenas o negrume da sujidade transformava a sua pele, como se fosse um mineiro de carvão coberta de uma folijem de grafite. Adormecia junto aos sempre presentes sacos plásticos, um depositório de bens, um conjunto de sacos de pertences de quem tem o céu como tecto.
Nas suas mãos afagava uma pombinha, ainda mais magra e coberta de negritude quase mais nauseabunda, mostrando um carinho enternecedor por aquela decrépita ave.
Era uma vez uma velhinha e a sua pomba, e pareciam felizes.

Não vou ser pretensioso e falar de Edward Albee, nem de um filme com Richard Burton e Elisabeth Taylor. Mas algo tem um cheiro fétido na sociedade portuguesa: desde tempos imemoriais que todo o português que se preze tem o triste hábito de tecer comentários e críticas, mesmo quando estes não lhe são pedidos, ou não têm qualquer tipo de cabimento possível.

É um estado de permanente na nossa cultura, funcionar numa atitude de analistas inveterados, de uma clonagem de Nunos Rogeiros, de peritos ultimados à última hora, ou de treinadores de bancada, Misters incompreendidos. Não que me importe, pois também eu sou parte do aculturamento português da maledicência ou do sentido crítico acutilante, justo ou injusto. Mas o busílis da questão é a aceitação das críticas e a sobrevalorização que se dão a estas no nosso país. Parece que a opinião dos outros é o motor de tudo daquilo que fazemos e vive-se por cá como uns meros autómatos que necessitam do feedback do controlo de qualidade para produzir novamente. É ridículo aceitar que não façamos as coisas por prazer, ou por mera vontade ou necessidade, mas sim com o intuito de agradar a alguém.

Quando escrevo este diário de um militante não estou a considerar sequer que alguém vá ler esta porra. Trata-se de um diário de bordo sobre imagens, momentos e pensamentos mais ou menos desinteressantes do meu quotidiano, aborrecido e fastidioso quanto baste. Mas não o escrevo para ninguém, excepto para mim mesmo. Posso eventualmente ter feito isso no passado, em que utilizava esta via para comunicar, mas hoje é só um mero meio de largar vapor e de tentar visualizar-me no intimo num espelho psicótico e destorcido em muitas ilusões e metáforas, factos imaginários, que provavelmente só eu os decifro. Tal vez por isso se chama “Psicótico – o diário de um meliante“!

Quando escrevo aqui não pretendo estender-me a analisar o filme XPTO, ou comentar sobre o estado da nação, da economia, ou da política. Isso são inutilidades que o tempo apaga, opiniões voláteis iguais a tantas outras. Conversa de café ou de autocarro? Isso faz-me lembrar as criancinhas da primária a levantarem a mão excitadas a dizerem a professora : – “Eu sei, eu sei!“. Posso cair na hipocrisia de comentar as minhas saídas fortuitas na nigth life, dando um assaz quadro de futilidade, mas isso provavelmente porque tenho uma vida fútil. Contudo isso dá-me prazer, e porque não deveria descrever o que me dá prazer? Já me basta prescindir de descrever a minha vida intima, (se bem que a ideia até seria curiosa), para ser algo visto como redutor. Não falo aqui da minha dualidade, do meu emprego, nem do meu dia-a-dia simplista ou mais complicado. Falo de algumas emoções que me atormentam ou me fazem feliz. Escrevo sobre banalidades, de filosofia barata, de viagens, esperanças e confusões. Mas não escrevo para ninguém em particular, se e que escrevo…

Provavelmente uma das personagens mais fulgurantes e lúcidas que Portugal teve nas últimas décadas deverá ter sido João César Monteiro, que utilizou o seu desprezo convenientemente, com frases basilares como “Quero é que os críticos se vão …”.

E pronto não quero voltar sentir esse clima maligno e negativo. Ao fim de contas gosto muito daquele ditado:

“Vozes de burro não chegam aos céus”

Glória ou perdição a 300 quilómetros de distancia, numa noite que provavelmente não vai ter tréguas. Saio mais cedo e vou no 130 cavalos (menos alguns, que o raio do turbo-compressor necessita um arranjo caro) com N.. Nos planos queremos ir à grande cidade, recolher a S. e C. que regressam das suas férias africanas, para irmos jantar ao Tia Alice.

Depois é Club Kitten, e já se sabe, quando é Club Kitten tudo vale. A ver se as peripécias não serão demasiadas para uma noite…

consilio et animis