Considerações

ORDINARIAMENTE todos os ministros são inteligentes, escrevem bem, discursam com cortesia e pura dicção, vão a faustosas inaugurações e são excelentes convivas. Porém, são nulos a resolver crises. Não têm a austeridade, nem a concepção, nem o instinto político, nem a experiência que faz o ESTADISTA. É assim que há muito tempo em Portugal são regidos os destinos políticos. Política de acso, política de compadrio, política de expediente. País governado ao acaso, governado por vaidade e por interesses, por especulação e corrupção, por privilégio e influência de camarilha, será possível conservar a sua independência?

Eça de Queiros, 1867 in ”O distrito de Évora”

Estava cansado e irritadiço, como uma criança que não dorme. Necessitava de um refúgio das insónias e do stress.
Não cruzei os braços e agi. Com alguma urgência que não entendia bem, com uma impulsividade nada comum.

E eis-me em direcção à serra dos meus antepassados, junto para as minhas raízes da raia em pleno dia de gelo. A viagem foi indecente, como a estrada. Mas eis que à chegada, acolhido pela noite e um vento glaciar regresso aquela casa de granito. De súbito a urgência da minha deslocação como que se desvendou, fez sentido. O meu tio completava setenta anos de vida e eu não o sabia. Inconscientemente a minha pressa tinha uma razão e isso era já um prenúncio de uma peregrinação bem-sucedida.

A casa estava quente apesar de o frio aparecer no exterior com um gume afiado e dilacerante. O amanhecer após uma noite de sono longo e sustentado como não tinha à muito tempo pareceu-me convidativo a mais uma incursão e comunhão entre o Eu e a imensidão do horizonte raiano.

Ao sair equipado para as caminhadas e intempéries fui atropelado por um caminhão TIR vindo directamente do árctico a ponto de ter que me reforçar com várias camadas de vestuário. E lá fui rumo a liberdade sem rumo numa caminhada nos planaltos agrestes. Vale após vale fui-me perdendo, absorto no silêncio perfeito de escutar o vento gelado, com a alma esvaziando a mente a cada passo, perdendo a noção de tempo. Logo o chão incrustado de geada, alternava com o gelo a que o regato transbordante se tinha transformado. O gado tentava ruminar o pouco feno pois os lameiros exibiam turfas de ervas congelada e aqui e ali uma ave de rapina esvoaçava, desesperada por um roedor para matar a fome.
Por pouco uma matilha de cães pastores de raça indeterminada, mas possantes não me tomava por um pilha-ovelhas ou lobo em pele de cordeiro.

Foi então que o vislumbrei lá longe. Cinzento e massivo, um enorme penedo reinava ao seu redor. Arredondado de um granito milenar da Serra chamava por mim, e sem perceber tomei o seu rumo saltando muros de pedregulhos instáveis e passado debaixo de arame-farpado.
Ao chegar a sua beira percebi que teria de o conquistar apesar das suas linhas circulares e esguias com mais de 5 metros de altura. Era como um conjunto de ovos graníticos alinhados. Após voltas e mais voltas, descobri-lhe os pontos fracos, um acesso quase inacessível para o topo das suas parábolas. A custo venci-o. E lá no alto pude ver quilómetros infindáveis, só, em comunhão comigo mesmo e com a natureza. Para além do rendilhado verde-escuro, traçado de linhas cinzas, cresciam as montanhas espanholas com neve nos cumes. Atrás o Sol brilhava acima dos últimos cumes da Estrela. Senti-me rejubilar e gritar de alegria por aquela conquista. E não fosse o corpo dar sinais que em breve estaria em precisar urgentemente de líquidos quentes por ali ficaria.

De volta as lides familiares, aproveitei para dar um passeio pela tarde até às terras da família munido com o meu olho mecânico, mas o frio crescia e as nuvens prometiam o tom escuro. Ao regressar o vento cortava as orelhas e a face parecia um mísero pimento dorido.

Ao anoitecer nevou. Primeiro a medo, pequenos flocos minúsculos. Já escuro, os flocos eram espessos e um manto branco pousou aliviando o frio e paralisando o vento. Branco níveo, buscava reflexos florescentes de azul. Berrava por dentro de emoção.
Na manhã domingueira na antecipação coloquei-me em novo percurso, desta vez calcando uma camada de neve já compactada, sentido o luz branca e intensa, perdido e zonzo com o espectáculo único. Frio por fora e quente por dentro, vi a neve escoando-se lentamente à medida que o Sol subia, calmo e sereno.

Compreendi que me falta espaço na cidade, onde os horizontes são cortados e curtos. Na aldeia não sofro da claustrofobia do horizonte. Nada esconde o limite do nosso olhar. E nada como o silêncio que nos acolhe e envolve na natureza para relaxar a alma.

A maturidade não é um toque da varinha mágica da fada da meia-idade. É um estado de espírito que se constrói a pouco e pouco, baseado na nossa vivência, da nossa aprendizagem.

Quem no correu riscos e não se aventurou na grande maluqueira que é a vida, nunca pode ter uma consciência madura, pois não sentiu na pele os grandes sucessos ou as falhas miseráveis que o destino nos reserva.
Por certo nunca fui jogador. Por isso muitas das paradas altas que são precisas de por na mesa me falharam durante muito tempo. Demorei a entender a arte do bluff e de como pagar para ver, mesmo quando não se deveria ir a jogo. Faltou-me tentar limpar a mesa e sair depenado.

Mas como diz o ditado, antes tarde que nunca. E nos últimos anos acho que deixei nas mesas de Póquer muitos pares de calças. Mas é só assim se aprende a jogar.

Meditar no que nos enquadra a vida dá-nos sabedoria. Mas aquilo que me nos faz crescer é reconhecer os nossos erros e os aceitar como etapas de entendimento da vida e não como simples tropeções.

Sem errar torna-se difícil perceber o real valor de quando se tem sucesso. E disso ter consciência que como que uma criança que dá os primeiros passos anda tropegamente. Tropeça. Mas aos poucos vai ganhando o equilíbrio e caminha.

Após um longo período de procrastinação, de algumas atribulações e peripécias, volto a escrever neste diário. Não quero deixar de tentar esboçar alguns textos e relatos desta vivencia de meliante encartado, apesar de alguma preguiça e manifesta falta de tempo.

Não é pelo começar do ano ou pelo culminar do Inverno que interrompo o meu silêncio voluntário. Trata-se apenas de uma coincidência temporal, sem as influências tantas vezes palermas das resoluções de ano novo. Move-me talvez a necessidade de desabafar, de compartilhar com todos e ao mesmo tempo com ninguém em particular, nada em concreto. Tão só a necessidade de comunicar de forma intimista e quem sabe também a necessidade de estabelecer uma caixa do tempo, que daqui a uns anos vou desenterrar. Nessa caixa do tempo vou colocando pequenas nuances e chaves secretas para os meus pensamentos, um backup para as minhas memórias inconsequentes, para que num futuro remoto, vejam a luz do dia salvas do esquecimento.

Não sei se viajarão no tempo que tudo emudece e refina a essência. Serão com sorte pensamentos colocados numa garrafeira, amadurecendo para que num momento ideal sejam abertos e servidos em copos de cristal, com esperança que a reserva se tenha tornado um vintage. Com sorte talvez. E tudo depende da colheita. Esperemos que seja boa…

A música sempre foi importante para mim. A música para mim é um modo de extrapolar a alegria ou de travar a tristeza, um remédio sempre pronto a ser administrado directamente do ouvido e que chega ao cérebro numa dosagem diária.

Mais importante é que tenho a mente sempre em busca de doces novos, palatos revigorantes de melodias frescas. Uma fome insaciável. Amar a música não e só agarrarmos as canções da nossa vida, mas sim deliciar-se com a textura e genialidade de novas batidas ou vibratos. Admirar a deambulação jazzística, ou as batidas electrónicas, os fantásticos efeitos vocais ou ainda até a velha gaita-de-foles. Do D&B ao Raggie, do Euro Dance ao Acid Jazz.

Porém nem tudo que vem à rede é peixe. Demasiadas vezes a música de consumo não passa de um hambúrguer de consumo imediato, para entupir as veias, e neste caso os tímpanos. Há quem prefira um hambúrguer a um coq au vin. Eu não.

Fico triste que se designe como música portuguesa o género musical dito pimpa. Não concordo que aquilo seja música, mas sim um produto embalado. Uma caixa de som de 1998, um estúdio, um microfone. Basta isso. Uma espécie de cachorro quente em que só variam os condimentos que a senhora da roulotte coloca em cima e que apenas serve para disfarçar que a salsicha é das mais baratas possíveis e o pão é de anteontem. E assim se faz o Pimba em Portugal.

No meio da depressão económica e social que o meu país se encontra, começo a encarar que viver em Portugal não será propriamente algo que se encare de ânimo leve. Isto porque temos opções de viver onde muito bem entendamos. Cabe a um pessoa inteligente decifrar se o país em que se encontra, mesmo que seja o país natal, é ou não o local ideal para passar o resto da sua vida. Actualmente não me parece que esse seja o caso.

O meu país tornou-se um patético postal ilustrado, onde as instituições e o próprio estado apenas funcionam na aparência. Tudo o resto parece um enorme fogo-de-vista para inglês ver onde na verdade se vive acima das possibilidades e se gasta o que não se tem.

Tenho pena que o meu imaginário patriótico tenha caído ao chão. Não há mais paciência para suportar todas as opções erradas que se fazem na roda política e empresarial, ao mesmo tem que existe uma inanição total de cidadania e até de civismo dos portugueses. Não há descontentes, excepto quando se trata na possibilidade de se vir a trabalhar mais.

Não admira portanto que quem tem capacidade de iniciativa esteja a equacionar emigrar ou até já tenha dado o salto.

É caso para escrever:

o último a sair que feche a porta!

As fronteiras que delimitam os nossos movimentos podem ser prisões. Durante muito tempo deixei que a minha liberdade individual fosse reprimida, ou por assim dizer, que me colocassem grilhões contra a minha vontade.

Hoje sei que não permito que existam barreiras que me comprimam e me roubem o espaço vital que necessito para Viver. Acredito piamente que o destino somos nós que o fazemos, e que se baixarmos os braços os nossos horizontes rapidamente ficarão encurtados, ou pior, ficaremos reféns de estabelecimentos prisionais que nem sequer tentamos fugir. Não quero mais ser escravo das ideias preconcebidas nem da inércia rotineira.

É pena que demorasse tanto tempo a aperceber-me disso.

Estou politicamente desiludido. Raramente me perco em discussões políticas, nem tenho paciência para troca de apupos dogmáticos ou esgrima de argumentos ortodoxo-partidários. Isto não quer dizer que não me interesse pela política no sentido que os seus resultados têm consequências profundas na nossa vida, quer queiramos quer não.

Seguir as rixas políticas em Portugal foi sempre um segundo desporto nacional. Basta ler Eça e perceber que nos ultimos 120 anos pouca coisa se alterou na maneira de estar na política portuguesa. Nunca entendi porquê, mas isso está intrincado na cultura lusa, de forma quase doentia.

Acho que o tempo revela-nos muitas surpresas. A vida é feita de inúmeras etapas, mas que revelam um retorno cíclico de ambientes e envolventes. Apesar de mais velho (e quem sabe sábio), parece que volto a caminhar por caminhos já trilhados, mas tomando diferentes atalhos, em passos mais seguros.

Tal é o caso do retorno do Club Gourmet, que para muito espanto meu, assumiu uma forma que eu não seria capaz de imaginar. Questiono-me se o conceito de eterno retorno, não é mesmo verdade. Assumindo contornos diferentes reencontro-me em momentos de prazer pantagruélico. No último festival, apesar de sermos poucos mas muito bons, rapidamente o repasto se tornou uma agradável animação descontrolada, rematada pelo perigosissimo Rémy Martin que fez imensos estragos nas hostes.

Ainda surgiu um brinde irreverente, qual grito do Ipiranga, bastante unánime: o dinheiro não se leva para o caixão – sinal inequívoco que certos luxos são caros, mas que em certas alturas fazem sentido.

Já durava umas boas três horas, quando o paciente staff nos enxotou do restaurante, à porta do qual se pode assistir a uns bons e deploráveis momentos Kodak, incluindo a imagem surrealista de S. a debater-se convulsivamente no capôt de um Rolls-Royce. Mas esses fotogramas difusos fazem parte da mústica do Club Gourmet que de quando em quando, necessita de dar azo à sua excentricidade contida.

Dou por mim a usar a expressão latina sui generis como um martelo a cada meia dúzia de temas de conversa, mas nada mais natural de que ter os neurónios satisfeitos e preguiçosamente tocados, como num retorno a outros momentos históricos.

A história repete-se. Mas não na exactidão. Assim como as ”Bom-bokas” não voltarão a estar na moda, também nada se repete integralmente. Espero!!!

Mais um aniversário deste diário, faz-me pensar na sua longevidade e na sua razão de ser. A titulo de balanço, posso considerar que este espaço me proporcionou muitos bons momentos e alegrias, mas também uma resma de dissabores. Contudo, e pesando com cuidado os pratos da balança, creio que é razoável dizer que a vida deste meliante teve mais algum colorido graças ao psicotico.com.

Durante quatro anos, ele foi receptáculo de muitos momentos de felicidade ou desespero, um confidente subtil e também um campo para dar largas a algumas excentricidades.
Dando-lhe uma vista de olhos no seu passado (way back), para os tempos que o fenómeno de blogs era geek hardcore e não massificado como hoje, fico espantado na forma como a minha vida tem sido.

Parece-me bem polvilhada de alterações de percurso, apimentada com derrocadas alternadas com reconstruções. Junte-se umas pitadas de pacatez, dois dentes de excentricidade, e esperança q.b. . Depois leva-se a lume brando e depois serve-se a quente com dois raminhos de entusiasmo.

O Passado, as idas pendulares, a grande cidade/minha cidade, as tempestades, o clube groumet, as noites Kitten, o maralhal de iniciais para identificar as personagens, o enredo velado, os Damage report,os desabafos expresso, o anjo sem asas, as fotos, os poemas, as injecções de serotonina, as psicoses, a América do Sol, as letras, as músicas, os forcados amadores, a Vida, etc., hoje parecem-me recordações fantasiosas, mas que não deixam de ser uma lembrança real que está num expositor online. De mim próprio, para o próprio autor, uma ferramenta auxiliar de memória que me ajuda a perceber, os meus fracassos e êxitos, as minhas descobertas e os o meus erros.

E tudo cabe num backup de 1 megabyte. Uma simples diskette em que cabem partes dos últimos quatro anos da minha existência. Obrigado e parabéns.

A festa do santo padroeiro da minha cidade é sempre um evento que me alegra. Apesar das circunstancias e de não ser propriamente a euforia do passado, pois já não tenho pernas nem disposição mental para isso e portanto acedi com satisfação aos apelos de um um arraial de S.João mais ao género de private party.

Por entre a comezaina, que incluóa as obrigatórias e dispendiosas sardinhas frescas assadas na brasa, vi-me numa sessão new age de adereços, que muito embora dispensasse os obrigatórios martelinhos e alhos porros, não deixou de ser divertida, dado essencialmente a uma companhia primorosa. Regue-se a vinho à descrição e temos quase toda a ementa de uma noite bem passada.

Contudo la creme de la creme, foi quando se viu chegada à hora pirótecnica hard core, em que eu a contra gosto participei, não sem ter emitido uma quantidade desmesurada de impropórios mentais, bem silenciosos. Não gosto do cheiro da pólvora nem dos estouros de rojões, nem de fogos de desartificio. Parecem-me uma maçada perigosa e uma forma de queimar dinheiro a custo de alguma adrenalina primordial algo caduca.

Mas mea culpa, mea tão grande culpa, pois fiquei com um sorriso de orelha a orelha quando os balões de papel se alinhavam para o enchimento e lançamento em condições climatéricas desfavoráveis. O balão de S.João tem na sua essência algo de sublime, é uma espécie de programa espacial da populaça que envolve tecnologia do século XVIII. É um imaginário poético de iluminar os céus na imaginação de para onde viajara tal engenho. Lançar um balão não é simples e requer alguma colaboração e entre ajuda entre quem acende e quem segura a máquina, para que o ar quente a possa elevar, rumo a um desconhecido. Apesar de haver uma tentativa que culminou em insucesso devido a um lançamento prematuro, vimos vários que subiram acompanhados dos efémeros e breves gritos de alegria dos balonistas amadores.
Estou a ficar perito…

O que eu julgava ser uma fase de travessia do deserto, tornou-se rapidamente num oásis muito amistoso. A Vida tem fases que nos encaminham para terrenos que nem sempre são os que queremos atravessar, mas reserva-nos trilhos alternativos.

Por vezes temamos em seguir por becos sem saída, batendo furiosamente com a cabeça num muro intransponível, pois achamos que voltar atrás no percurso é um retrocesso. Isso não é verdade, uma vez que há sempre uma encruzilhada que já passamos que podemos retomar e tomar outro caminho.

Não vale a pena insistir num caminho errado quando estamos perdidos. Mesmo num deserto… pois pode-nos levar a um oásis imenso em vez da morte na areia escaldante.

Num processo de reestruturação da matriz cerebral, a alma regenera-se lentamente. Possuir a obstinação é quase sempre a forma de seguir a raiva, o lado negro da vida. É um encurtar de caminhos, onde facilmente se cai em ilusões de grandeza, onde o individualismo cego é sentido como se fosse espiritualismo.

Regenero-me lentamente, e apago a feridas dos desgostos ilusórios e da ausência de discernimento. Amadureço nas minhas convicções, mas nunca as tenho como dogmas sagrados, mas sim como um processo de iluminação.A fé é sempre importante, mas da mesma forma, a fé que liberta e dá força, a mesma também pode cegar. Cega, trás o fanatismo acéfalo do mal, como a inquisição, o medo do demo e afins típicos das seitas religiosas, ou até das principais religiões.

Tudo isso também pode ser um caminho que nos leva à perdição, por arrasto num rebanho de crentes que estavam perdidos à espera de serem salvos pelo ”guru” mais próximo.Foi nessa a ilusão onde me vi envolvido, quebrando etapas e subindo degraus inseguros. Acreditando cegamente numa luz brilhante que não era real, mas sim uma malha de mentiras. Hoje tenho plena consciência que não é construindo baralhos de cartas espirituais, que a nossa alma pode conseguir atingir uma evolução ou melhoria.

A força e a devoção não se criam sobre alicerces frágeis. É necessário perseguir o bem e a verdade, não para nós mesmos, como para os outros, passo após passo, tombo após tombo. Só assim veremos um equilíbrio que nos apresenta alguma luz. A nossa dita salvação não reside nos gurus, nem nas crenças ancestrais, meros rituais religiosos, ou produtos prêt-a-porter new wage tipo alivio rápido das dores. Somos nós que temos que descobrir essa salvação, pacientemente, amadurecendo, degrau após degrau na viagem que se chama a Vida e Amor.
Só assim podemos começar a tentar ser felizes: buscando a verdade em nós e não caindo nas ilusões fugazes ou mentiras que desejamos agarrar para que nos salvarem. Salve-se quem puder… ou souber. Parece cruel, mas não deixa de ser uma realidade intrínseca.

Buda apontou um caminho, através da meditação, do entendimento do que nós somos e na luta contra os nossos demónios internos. Jesus apontou outro caminho, salientando a bondade social, mas também evitando os pecados. São caminhos apontados, rumando à eternidade. No cerne da questão está o equilíbrio do espírito – conseguir encontrar um ponto em que não traiamos a nós mesmos, sabendo que é a verdade nos libertará, e que ela é um trilho longo e difícil, que serpenteia ao longo de uma cordilheira que se eleva até aos céus.

Os precipícios são imensos e os montanheiros menos cautelosos nunca conseguirão atingir o cume da montanha mais alta. Não devem pular de obstáculos, sobe pena de se condenarem numa queda sem fim.

As andorinhas fazem voos rasantes, verdadeiras acrobacias aéreas, de pura adrenalina entre aquelas estradas estreitas, muradas e forradas a paralelo. Descem a pique do telhado e voam vertiginosamente junto ao chão durante alguns segundos, como se quisessem surfar no veículo que passa na rua.

É como se a tradição primaveril, exactamente no mesmíssimo lugar se repercutisse por várias gerações, aprumada a cada ano em acrobacias mais ousadas e suicidas. Provavelmente o instinto da ave deve reflectir a alegria primaveril e o efémero daquele momento de exaltação.

Aqueles belos pássaros descabidamente celebram a vida correndo perigos, gozando a adrenalina e exibindo a sua eficácia de voo louco e espectacular. Vejo horrorizado as andorinhas nesse frenesim de stunt man bem próximas do meu pára-choques, quando circulo todas as tardes rumo à minha casa. Eles recordam-me que a vida devia ser alegre e fugaz. Têm que se aproveitar pois a Primavera e o Verão, não duram para sempre.

Escrevo por motivos terapêuticos depois de um longo interregno, auto-imposto, ou exigível.
Para ser honesto sinto a falta de escrever e da vontade inequívoca de desperdiçar no éter alguns pensamentos de um espécie de diário, num desabafo ou numa corrente de ilusões sem fio-de-prumo.

Antes de mais imponho-me uma simples regra, ou melhor uma hipótese de cuja tese não vai ser possível encontrar qualquer resultado.
Trata-se de saber que ninguém me lerá, e que se isso eventualmente acontecer, estou-me borrifando para isso: não estou a escrever para ninguém, a não ser eu próprio.

Este mecanismo online estimula a vontade com que matraqueio o teclado a horas quase sempre impróprias, e permite-me alguns momentos de desabafo, tal como já escrevi – de forma terapêutica, para apaziguar alguns estertores da mente e da psique.
Não quero fazer um auto-retrato escrito, não tão pouco me carpir de uma existência de meliante melindrado com as adversidades da vida. Também não quero criar uma espécie de anfetamina egocêntrica para masturbação narcisistica de enredos e papeis ambíguos, ou de uma tipo de narrativa das aventuras de Sinbad, o marinheiro. Nada disso.
Quero tão-somente meditar, colocar uma verborreia que serve de paliativo do que alma precisa.
Como se a se a minha caldeira quisesse libertar vapor para não explodir. É só isso. Vapor saindo pela chaminé dando força às engrenagens mentais, fazendo funcionar um raciocínio ou expurgando uma lógica falaciosa. O vapor nada significa, afinal é apenas um subproduto, um efeito secundário dos cavalos de potência que a caldeira produz e que repassa é máquina a vapor fazendo-a mover-se.
Por isso neste diário ficará tão-somente o vapor, esse desperdócio de força que impede que o sistema se destrua com a sua própria energia criada.

Estou feliz apesar de umas costeletas fora do sítio que não me deixam dormir.
Sei que velhos hábitos não se costumam perder, mas tal frase é uma mentira escabrosa. Os hábitos perdem-se, desde que para isso exista força de vontade e algum ombro amigo que nos ajude a quebrar hábitos.

As eleições de ontem mostraram que o hábito do desinteresse cívico afinal diminuiu. A diminuição da abstenção da República veio dar um balão de oxigénio na esperança de democracia, e assegurar-me que afinal essa treta da república de bananas pode ser mudada. Pelo menos nisso tenho esperança.

Há alturas na nossa vida que tudo se tinge de um cinza pólido. É uma melancolia cortante que nos desencoraja, na moral de perseguir a nossa felicidade. Esquecemo-nos que o arco-íris apenas espera por um pouco de luz para poder abrilhantar e rasgar um céu cinzento na sua magnificência colorida.

Muitas vezes me deixei vencer pelas barreiras que à minha volta deixei crescer e que tomei como muros intransponíveis. Culpabilizei os entraves ao invês de me esforçar por os ultrapassar. Deixei-me prostrar, refugiei-me nos meus handycaps escondi-me numa carapaça de indiferença, por medo de não ser capaz de sonhar mais alto e arranjar forças para saltar e voar para o outro lado da prisão que tenho dentro de meus receios.

Quando fui um anjo sem asas, provei a mim próprio que nada nos proíbe de tentar, ou de conseguir aquilo a que nos propomos. A camisa-de-forças apenas existe em nós, na nossa insatisfação com nós mesmos e na nossa incapacidade em acreditarmos em nos mesmos. É isso que nos derrota.

Vou perseguir até encontrar um arco-íris que sempre me acompanhou e lutar até debelar o cinzento que me encobre e diminui.

A verdade é que tenho sempre muito medo. Mesmo quando fui um anjo sem asas estava com medo, quase paralizado de receio.

Ter medo não é sinal de fraqueza, antes pelo contrário, é sinal de inteligência e que se tem amor pela vida. Não acredito que alguém não tenha medo, a menos que tenha uma severa deficiência, ou tenha uma elevada tendência suicida. Não é natural caminhar despreocupadamente num precipício e ignorar o abismo, assim como também não é natural viver permanentemente com receio que o céu nos caia em cima.

A questão do medo é importante para percebermos até que ponto ele nos serve de protecção e até que ponto ele constitui um garrote que nos sufoca a mente, e não nos deixa seguir as fantásticas aventuras que a vida nos proporciona.

Quantas vezes deixamos de seguir os nossos sonhos porque temos medo de falhar e perder? Quantas vezes partimos derrotados porque o medo que sentimos foi demasiado e não nos deixou seguir a nossa aventura?
Creio que a solução é buscar um equilíbrio, onde não sejamos um stunt completamente descerebrado, nem um rato na toca.

O fim nunca é realmente um fim. Alias um fim não existe, o que entendemos como um termino, ou uma espécie de destruição, não passa de um erro cognitivo. Quando algo ou alguém desaparece, no sentido do que entendemos como fim, morte ou extinção, fica pelo menos algum túnue resquício do que foi ou teria sido.
Por isso acredito que numa vida nada realmente termina ou se extingue. Apenas muda e altera-se, restituído de outro formato, num molde diferente. Pode mudar a sua existência, forma e até conteúdo, mas de algum modo permanece, nem que seja num outro aspecto.

Como a nossa visão nem sempre vê além do aparente, e os nossos sentidos e crenças pessoais são algo limitados, interiorizamos o conceito de fim e de termino quando achamos que algo desapareceu. Esfumou-se no ar. Não o vemos mais, não o sentimos mais, logo deixou de existir. Terminou.

Para além das aparências, esquecemos que a essência mude assumir diversas formas, que a lagarta pode tornar-se borboleta, deixar de comer folhas e voar rumo a azul infinito. Terá a lagarta tido um fim?

A extinção da vida, como a morte, pode ser antes vista como uma metamorfose, uma etapa de mudança para outro plano existencial se nisso tivermos fé. Mesmo quando o esquecimento cai as coisas não terminam. Assim como as minhas lembranças que se escorrem nos meus neurónios maltratados, não fazem que o meu passado tenha um fim. Essas lembranças converteram-se, cessaram o ámago de momentos da memória e passaram a existir num agir perpetuado que me constitui e faz de mim quem eu sou.