arte

Acho que o tempo revela-nos muitas surpresas. A vida é feita de inúmeras etapas, mas que revelam um retorno cíclico de ambientes e envolventes. Apesar de mais velho (e quem sabe sábio), parece que volto a caminhar por caminhos já trilhados, mas tomando diferentes atalhos, em passos mais seguros.

Tal é o caso do retorno do Club Gourmet, que para muito espanto meu, assumiu uma forma que eu não seria capaz de imaginar. Questiono-me se o conceito de eterno retorno, não é mesmo verdade. Assumindo contornos diferentes reencontro-me em momentos de prazer pantagruélico. No último festival, apesar de sermos poucos mas muito bons, rapidamente o repasto se tornou uma agradável animação descontrolada, rematada pelo perigosissimo Rémy Martin que fez imensos estragos nas hostes.

Ainda surgiu um brinde irreverente, qual grito do Ipiranga, bastante unánime: o dinheiro não se leva para o caixão – sinal inequívoco que certos luxos são caros, mas que em certas alturas fazem sentido.

Já durava umas boas três horas, quando o paciente staff nos enxotou do restaurante, à porta do qual se pode assistir a uns bons e deploráveis momentos Kodak, incluindo a imagem surrealista de S. a debater-se convulsivamente no capôt de um Rolls-Royce. Mas esses fotogramas difusos fazem parte da mústica do Club Gourmet que de quando em quando, necessita de dar azo à sua excentricidade contida.

Dou por mim a usar a expressão latina sui generis como um martelo a cada meia dúzia de temas de conversa, mas nada mais natural de que ter os neurónios satisfeitos e preguiçosamente tocados, como num retorno a outros momentos históricos.

A história repete-se. Mas não na exactidão. Assim como as ”Bom-bokas” não voltarão a estar na moda, também nada se repete integralmente. Espero!!!

Mais um aniversário deste diário, faz-me pensar na sua longevidade e na sua razão de ser. A titulo de balanço, posso considerar que este espaço me proporcionou muitos bons momentos e alegrias, mas também uma resma de dissabores. Contudo, e pesando com cuidado os pratos da balança, creio que é razoável dizer que a vida deste meliante teve mais algum colorido graças ao psicotico.com.

Durante quatro anos, ele foi receptáculo de muitos momentos de felicidade ou desespero, um confidente subtil e também um campo para dar largas a algumas excentricidades.
Dando-lhe uma vista de olhos no seu passado (way back), para os tempos que o fenómeno de blogs era geek hardcore e não massificado como hoje, fico espantado na forma como a minha vida tem sido.

Parece-me bem polvilhada de alterações de percurso, apimentada com derrocadas alternadas com reconstruções. Junte-se umas pitadas de pacatez, dois dentes de excentricidade, e esperança q.b. . Depois leva-se a lume brando e depois serve-se a quente com dois raminhos de entusiasmo.

O Passado, as idas pendulares, a grande cidade/minha cidade, as tempestades, o clube groumet, as noites Kitten, o maralhal de iniciais para identificar as personagens, o enredo velado, os Damage report,os desabafos expresso, o anjo sem asas, as fotos, os poemas, as injecções de serotonina, as psicoses, a América do Sol, as letras, as músicas, os forcados amadores, a Vida, etc., hoje parecem-me recordações fantasiosas, mas que não deixam de ser uma lembrança real que está num expositor online. De mim próprio, para o próprio autor, uma ferramenta auxiliar de memória que me ajuda a perceber, os meus fracassos e êxitos, as minhas descobertas e os o meus erros.

E tudo cabe num backup de 1 megabyte. Uma simples diskette em que cabem partes dos últimos quatro anos da minha existência. Obrigado e parabéns.

A festa do santo padroeiro da minha cidade é sempre um evento que me alegra. Apesar das circunstancias e de não ser propriamente a euforia do passado, pois já não tenho pernas nem disposição mental para isso e portanto acedi com satisfação aos apelos de um um arraial de S.João mais ao género de private party.

Por entre a comezaina, que incluóa as obrigatórias e dispendiosas sardinhas frescas assadas na brasa, vi-me numa sessão new age de adereços, que muito embora dispensasse os obrigatórios martelinhos e alhos porros, não deixou de ser divertida, dado essencialmente a uma companhia primorosa. Regue-se a vinho à descrição e temos quase toda a ementa de uma noite bem passada.

Contudo la creme de la creme, foi quando se viu chegada à hora pirótecnica hard core, em que eu a contra gosto participei, não sem ter emitido uma quantidade desmesurada de impropórios mentais, bem silenciosos. Não gosto do cheiro da pólvora nem dos estouros de rojões, nem de fogos de desartificio. Parecem-me uma maçada perigosa e uma forma de queimar dinheiro a custo de alguma adrenalina primordial algo caduca.

Mas mea culpa, mea tão grande culpa, pois fiquei com um sorriso de orelha a orelha quando os balões de papel se alinhavam para o enchimento e lançamento em condições climatéricas desfavoráveis. O balão de S.João tem na sua essência algo de sublime, é uma espécie de programa espacial da populaça que envolve tecnologia do século XVIII. É um imaginário poético de iluminar os céus na imaginação de para onde viajara tal engenho. Lançar um balão não é simples e requer alguma colaboração e entre ajuda entre quem acende e quem segura a máquina, para que o ar quente a possa elevar, rumo a um desconhecido. Apesar de haver uma tentativa que culminou em insucesso devido a um lançamento prematuro, vimos vários que subiram acompanhados dos efémeros e breves gritos de alegria dos balonistas amadores.
Estou a ficar perito…

Captar um momento é uma arte. Por isso a fotografia é algo que me começa cada vez mais a despertar o interesse apesar de o meu domínio da técnica seja inexistente.
Contudo algo me reforça ao tentar agarrar um momento efêmero, um pedaço de luz e cor que fogem e que são únicas. Nenhum raio de luz, nenhum sopro do vento, nenhuma nuvem, se repetem, exactamente naquele lugar, naquelas circunstãncias.

Segurar uma câmara fotográfica é como tentar aprisionar para a eternidade um facto, um retrato ou paisagem singulares. Assim podemos possui-los para sempre. Tentamos roubar da erosão do tempo algo irrepetível. Trata-se de uma vertigem enganosa, mas tambêm uma espécie de aproximação ao divino imutável – quase um sentimento religioso.

Por isso dou comigo a pensar em ângulos e luz e a suspirar não ter a minha companheira prateada à mão de semear como um turista japonês!

Arigato-san!

A cada dia que passa, redescubro velhas amizades que tinham sido edificadas em betão armado, e que julgava injustamente perdidas.

Fotografar a minha cidade, deu-me há tempos um renascimento espiritual, de observar a beleza das coisas porque passamos todos os dias e não lhes damos o devido crédito. Ver com olhos de ver, as linhas que embelezam o nosso quotidiano e não passar sem degustar com a visão a alma do espaço à nossa volta, atinge-nos. Faz-nos apreciar a beleza como um ser mais grandioso e agradecemos fazer parte desse ser, nem que seja pelo admirar.

Voltar a minha aldeia ancestral também se revelou uma abertura de horizontes perdidos. Perdi-me durante horas no esquecimento dos campos, sentindo a natureza rude e perfeita. O verde no granito e o granito borbulhando do verde, a perder no campo de visão, levaram-me a percorrer montes e vales, ansiando sempre por ficar sem respiração assim que atingia um cume mais distante. Reflecti e encontrei minhas raízes algures naqueles campos, chegando mesmo a ter naquelas rochas da Raia, Portugal num pé e Espanha noutro. Absorvi os cheiros e ruídos da minha herança.
Depois senti-me renovado. Capaz de prosseguir.

É contagiante toda a alegria e moral que o desporto-rei pode movimentar. A Selecção Portuguesa no Euro, esta a desencadear um fenómeno que não era capaz de antever no meu povo. Algures no nosso genoma lusitano está determinado muito orgulho bairrista e nacional que tem vindo a ser recalcado desde à séculos pelos infortúnios de uma Nação mal governada e vitima dos desacatos da história. As bandeiras espalhadas por tudo quanto é canto, a mobilização em torno de um simples desporto de massas, num grito nacionalista algo esquecido.

O nosso hino aguerrido, não deixa de conter um quase fanatismo irracional: marchar contra canhões é no mínimo suicida, mas tendo em conta a época em que ”A Portuguesa” foi escrita, em que os nossos ditos aliados Ingleses nos fazem um ultimato, por causa uns milhões de quilómetros quadrados em África. Todo o Zé povinho reclamou a entrada em guerra com o Bulldog Inglês que com certeza comeria como pequeno almoço o Frango Português do fim do século XIX. E tudo por causa de um mapa cor-de-rosa unindo as costa da Africa Portuguesa. D.Carlos e a monarquia acabaram por cair por se terem rebaixado e aceitado o ultimato na esperança de não irritar mais a Victória, que na altura era a soberana indisputada do mundo. É neste fervor e revolta da humilhação que «A Portuguesa» se canta, como um sintoma de rebeldia e revolta por uma injustiça, por um vexame que custa a engolir.

Com a festa futebolística que hospedamos, muito para além das nossas possibilidades financeiras, revivemos muito do caracter português – culturalmente festas de pompa e circunstancia, casamentos, baptizados de arromba, foguetórios e procissões são uma parte indispensável para ser português. Isto mesmo que não haja dinheiro, há que dar aos convidados a ideia que a casa é farta e não se olha a meios para isso, como é o caso dos dez estádios de futebol, em vez dos 30 hospitais.

O Euro 2004, é a nossa grande festa, em que tentamos mostrar que não somos nenhuns pelintras, e a nossa Selecção e uma injecção de orgulho nacionalista sublimado, uma restia de esperança em que possa o nosso povo se orgulhar e moralizar. Quem sabe ganhar aos Ingleses seja um motivo para mudar algumas consciências e sair da depressão profunda em que os portugueses se enterraram, económica e socialmente, e da maneira que vêm e sentem o facto de serem portugueses.
Espero que a festa continue e não termine abruptamente nas mãos inglesas.

Fiz dos teus cabelos a minha bandeira
Fiz do teu corpo o meu estandarte
Fiz da tua alma a minha fogueira
E fiz, do teu perfil, as formas de arte

Fiz das tuas lágrimas a despedida
fiz do teu braço a minha anca
dei o teu sentido à minha vida
E o grito deu-o ao nascer de uma criança

Todos nós temos Amália na voz

Dei o teu nome à minha terra
Dei o teu nome à minha arte
A tua vida à primavera
A tua voz à eternidade

Todos nos …

A tua voz ao meu destino
O teu olhar ao horizonte
dei o teu canto à marcha do meu hino
A tu voz à minha fonte

Todos nos …

Dei o teu nome à minha terra
Dei o teu nome à minha arte
A tua vida à primavera
A tua voz à eternidade

Peixes é, no seu melhor, o arquétipo do contacto com os “planos superiores”, aquilo que, enquanto não conseguimos «transcender» a nossa condição de «caganitas», chamámos «transcendência»… Assim sendo, nada melhor do que oferecer, a todos, o que foi recebido na última sessão do Grupo de Canalização do Entroncamento. Reparo agora que a sigla deste grupo (GCE) pode ser lida como «gecé» ou, escrito de outra maneira «Je sais». O mais interessante desta sincroniciade (revelada neste preciso momento!) é que a coordenadora e hospedeira deste grupo, naquela cidade junto de Lis/Fátima (!) é francesa! Este texto está nas NOVIDADES, como sempre. Mas, para aguçar o apetite, vejam só a “última” de Kryon.
Para terem uma ideia da velocidade a que tudo isto está a acontecer, grande parte da população ainda desconhece a expressão «Pedir o Implante» e, neste momento, essa expressão já está a ser substituída por outra. Mas vocês não podem ficar para trás; vocês são dos que não ficarão para trás. E não se preocupem se as pessoas se sentem pressionadas, baralhadas ou confundidas; algumas ainda estão a reunir energia e força de vontade suficiente para pedirem o Implante, e vão ser surpreendidas com o facto de que, agora, pedir o Implante já está ultrapassado!

excerto da newsletter P O M B A V E R D E por Vitorino de Sousa
Mago Galáctico Branco (Kin 34)
Cascais – Portugal

quero me dividirA divisão é um processo que sempre me aterrou. Não pelo rasgar ou cortar, mas sim pela necessidade de transformar em duas partes, ou pelo menos de tentar seguir dois caminhos.

Sinto-me tentado a exercer uma divisão do meu corpo, de forma que a minha alma que será sempre una, esteja em dois locais, em dois pontos distintos em matéria, unida num pensamentos contínuo de amor em duas frentes, pretendendo a felicidade em ambos os sítios, mas apenas arriscando a desgraça em ambos.

Faz um mês que me decidi a final e definitivamente a deixar de fumar. Faz um mês que estou limpo de nicotina e os outros milhares de substâncias viciantes, aromatizantes ou simplesmente tóxicos com que a Tabaqueira presenteia os seus junkies em embalagens de 20.
Estou surpreso com a facilidade com que me libertei neste início de desabituação tabagica. Afinal a ressaca foi curta e o meu auto-controle e meditação deram conta do recado em três tempos.
No Smoking!
Foi francamente simples, com alguma força de vontade, estímulos e umas pastilhas com nicotina de chuto de emergência. Creio que a chave para estar um mês sem fumar depois de 15 anos ininterruptos, a colheradas de alcatrão para os pulmões é mesmo a mentalização de que é ele (o vício), ou Eu. Nos últimos dois anos o meu descontrolo com o tabaco havia se agudizado bastante. O maço diário podia chegar aos três se fosse jantar e sair à noite e era-me inconcebível ir para a cama se não houvesse pelo menos um maço meio vazio. Era tempo de decidir mudar.

Optei por me sentir que não estava a deixar de fumar, mas sim que no dia que começa, eu juro a mim mesmo que durante o dia vou tentar não fumar. Afinal 24 horas não são muito tempo e é possível resistir nesse período cumprindo a promessa. Depois é outro dia e volto a tentar fazer nova promessa. E capaz de ser mais simples resistir emocionalmente, quando sentimos que nada do que nos impomos é definitivo e por conseguinte implica um esforço menos doloroso.

Nada como saber o que sinto hoje, estando já a sentir um corpo mais saudável e menos cansado ao fim do dia. As dores de cabeça estão mais raras apesar do meu consumo de café ter aumentado um pouco, rondando as seis chávenas de café diárias. Embora menos importante que saber que posso estatisticamente vir a viver mais anos de uma existência com mais qualidade, é com algum prazer que vejo que o dinheiro na carteira dura ao estilo das pilhas Duracell. Se as minhas contas estiverem correctas, posso pagar todos os anos uma viagem ao Brasil, e ainda sobrarem uns trocados um voo interno, que antes queimava defronte dos meus olhos.

O único dano colateral terá sido evidenciado pelos meus dentes. Agora estou quase sempre a ruminar uma pastilha elástica, mascando desenfreadamente num hábito de substituição nada estético, mas que é concerteza muito mais saudável. Prefiro ser um ruminante que uma doninha fedorenta morta.

Hoje estou orgulhoso de mim, consegui estar um mês sem fumar. Mas nada disto seria possivel sem o apoio da minha amada V, que sempre me incentivou e me deu tanto apoio. Obrigado.

Estou descontente com o meu próprio corpo por me deixar absorto e quase incapaz de reagir ao que me é proposto e desejo fazer. Tenho uma urgência anormal em tentar repousar ou dormir que depois se traduz numa mera apatia de tartaruga, que me enerva a ponto de sentir raiva das minhas carnes e dos meus ossos.

Desejo recuperar o “pique“, melhorar a forma física, voltar a voar como um anjo sem asas, deixar o vicio degradante do tabaco que me tolhe os pulmões e a auto-estima. Desejo não mais acordar cansado, não mais transpirar sem razão aparente, saciar-me mais casualmente sem necessidade de carne assassinada.

A minha saúde foi descurada durante demasiados anos, assim como os meus neurónios submetidos a duras provações e afogamentos em gin tónicos desmedidos e mal servidos. Agora que não posso reviver a energia da juventude tenho que me contentar com o minimizar dos estragos nas veias, arterias, pulmões, pele, vista, ouvidos, coluna, articulações, coração, mas essencialmente na alma, para que se mantenha jovem mesmo quando as rugas e o cabelo grisalho (ou a falta dele), assim como os carnes descaídas sem músculos forem o meu habitat físico.

Em breve começarei, um tardio mas exigível, plano de recuperação da fachada e ruínas deste edifício, antes que a fadiga estrutural ameace toda a contrução de derrocada.

Não nos devemos apegar às recordações nas alturas difíceis, mas quando as lembranças são recentes e intensas e nos dão tanta força e coragem acabam por ser um sustento, um escudo contra as intempéries que se abatem sobre nós.

Julgo que o destino abriu-me muitas portas nas últimas semanas, e mostrou-me insistentemente sinais de que terei uma caminhada nada solitária, abençoada e repleta de satisfação. Nada que fosse capaz de procurar com esperança de encontrar, mas que se deparou comigo como se eu fosse impelido em seu rumo de forma inevitável.

Agora que a distância atormenta, num desconforto de que parte de nós ter sido retirada, e que não estou em minha casa, nem tenho o meu carro, e todas as coisas que considero minhas, mas que são um mero nada, sofro uma espécie de desterro que me recorda do que me faz pulsar.

Neste exílio de forçado, resta-me, como a todos os exilados, a esperança de voltar a pisar a terra que é nossa, acalentando ferozmente essa saudade forte para que ela ressurja em vontade consumada do retorno.

um amor tão grande é capaz de nos dar a beber essa esperança, esse fulgor de vida, como se estivesse predestinado a existir e abraçar-nos, fazendo que o mundo cesse de ser e acontecer ao seu redor.

Com as chuvas cinzentas de Outono, forçando já ao frio e as folhas que vão cair da árvores, exilado e longe dos confortos, surjo mais forte e pleno, mais intransigente, mais iluminado numa certeza que me aquece.

Hoje adormeci. Deveria ter acordado a horas, como uma pessoa responsável e empreendedora, capaz de despertar sem despertador, pulando da cama energéticamente e sem hesitações. Mas infelizmente não sou assim e maltrato-me psicologicamente todas as manhãs, na vã tentativa de me convencer que hoje vou para a cama mais cedo e amanhã e irei acordar meia hora mais cedo. Assim teria um pequeno almoço regrado e saudável, até suficientemente languido antes de entrar no carro e pacientemente enfrentar o trânsito de forma resignada e serena, como um pequeno obstáculo do dia-a-dia.

Mas não. Eu tinha que ser aquela pessoa que tem uma poderosa cola entre a face e o travesseiro durante o período matinal, e que apesar dos berros estridentes do rádio-despertador sem tons baixos, aprecia um minuto extra entre os lençóis. Depois dá-se-me um rebate de consciência e salto da cama a contra-gosto, já num atraso desesperante. Depois corro para o banho, corro para a cozinha, corro para o quarto, corro no carro, parecendo um maníaco da estrada sedento por galgar os asfalto, circulando na faixa da esquerda.

Hoje foi diferente. Fiquei fulo, mas não me maltratei com esse atraso. Senti-me mal por ter falhado em algo que eu não suporto falhar, ou seja na pontualidade e responsabilidade, mas apesar de tudo, não senti aquele aperto e ansiedade de no íntimo me auto-fustigar num misto de revolta e frustração. Fiquei calmo, como se de certa forma tenha já estabelecido intimamente que não é a correr que se vai agarrar o que se nos escapa, arcando as culpas conscientemente, entregando-me a uma penalidade sem esbracejar.

Apraz-me pensar que de facto alterei já parte da minha consciência, assim como me tinha proposto, mesmo que de forma inconsciente. No meu interior não está sempre um vulcão em erupção como dantes, expelindo lava convulsivamente, mas sim um rio com rápidos, cataratas, mas também com águas serenas e que faz a sua caminhada orgulhosa até ao oceano.

Essas águas correm lentamente no leito do rio, às vezes mais turvas e rebeldes, às vezes quase estagnadas, fruto de uma percepção mais atenta, mais focada para um quadro mais grandioso, do que para um pormenor cuja importância foi excessivamente infeccionada. E tudo se deve à luz que sinto, que brilha cada vez mais forte e faz-me contemplar o que realmente tem importância.

a visão do Hubble sobre Marte

Marte é o arauto da revoluções, ele evidencia a força e a energia possantes e quase inesgotáveis mas sem a cadência positiva de algo construtivo. Marte, tal como na mitologia latina, é o deus da Guerra, fulgurante e impiedoso com seus inimigos num campo de batalha, capaz de um enorme poder.
Infelizmente o seu poder e energia nem sempre são equilibrados, caindo muitas vezes na cegueira e na ansiedade para obter os despejos da batalha. E uma força enorme mas nem sempre lúcida.
Transpiro, cansado mas batalhador. Talvez seja influência de Marte.

Capeia antiga

Resolvi dedicar estes dias quentes do pino de Agosto para rever as minhas raízes e visitar os meus parentes, que revejo tão irregularmente. Não sou achacado a reuniões familiares, mas apetecia-me mesmo rever minha anciã avó, meus tios e principalmente meus primos, que há tantos anos não revia.

Fiz-me à horripilante estrada que serpenteia a Serra da Estrela, com uma tolerância zero invisivel, agora totalmente a monte, sem ter passado por um único carro da BT.

Cheguei à Raia, com reencontros emocionados, sangue de família a borbulhar, embora me sinta sempre algo incomodado algo este tipo de manifestações. Sou demasiado reservado e contido infelizmente, para ser alvo de atenção quando a intimidade não é assim tão profunda. Mesmo assim deu-me uma enorme alegria todos aqueles reencontros.

Logo fui encaminhado para a praça de touros onde a Capeia Arraiana das oito aldeias se ia desenrolar. A Capaia Arraiana é uma tradição de lide do touro muito estranha e particular, que mesmo remontar ao tempo dos Iberos, não se conhecendo tradições similares. Apesar de me desagradar o mau trato aos animais, sendo a Capaia uma corrida onde o animal enfrenta o homem numa espécie reminescente de ritual de mistificação, onde não há sangue, nem nenhum objecto de tortura.

A Capaia Arraiana é uma espécie de garraiada, mas que é antecidada pelo Forcão, um enorme triangulo em carvalho solido, com várias traves de sustentação que atravessam o triângulo e onde três toros sólidos, dois em forma de V nos lados desse triângulo e um na bissectriz do angulo interno desse V.

Na dianteira de cada extremidade do V existem as galhas, onde o touro se for bravo investe. Sustido em força por 20 a 30 rapazes solteiros da aldeia raiana, o objectivo é suster as investidas do touro, oferecendo-lhe as galas durante o embate, evitando a todo o custo que o bravo animal contorne o V ou levante o forcão atacando assim os desamparados homens do forcão. As manobras do pesado triângulo, exigem um esforço enorme em peso e coordenação e não mais de cinco minutos pode o forcão ser empunhado pelos valentes. O touro, acaba por estar também exausto, por vezes atordoado pelas marradas na madeira solida, é agora alvo de uma pega, depois de cuidadosamente pousado o forcão. Alguns mais corajosos tentam agarrar o touro pela cauda ou pela cernelha, mas raramente isso é possível.

É um espectáculo algo bizarro, mas realmente esta tradição popular muito singular, parece remontar a tempos esquecidos, dando um efeito onde se respira uma luta de honra e valor, mas principalmente um significado: a união dos homens pode vencer as forças da natureza.
O touro regressa vivo depois da corrida, e os bravos recontam depois na Raia a sua experiência as belas moças raianas.

Mas eu estava doido por sentir o Sol espreitando pelas colinas, mergulhando lá na Serra, deixando os vales dourados entre o pasto doirado e os pedregulhos granito grisalho revestidos por turfas de giestas. É um quadro de uma beleza que me estoura o coração. Sentindo vento do final da tarde, já poisadas as poeiras, sentindo os cheiro da terra agreste da Raia, brilhando sobe um céu azul, reconheci alguns tempos de meninice, assim como parte das minhas raízes feitas carne.

Creio que nenhum homem se pode conhecer, se não sentir que parte de si deriva das suas raízes ancestrais, embebida na cultura e valores. Em parte sinto-me beirão e tenho orgulho nisso.

Subsisto em grande parte por ter a graça do destino de me brindar com surpresas que me alegram a vida. Sem o antever, num momento ou outro, em que a minha alma se sente mais só, ou mais ansiosa por ardis do momento, sou abençoado por pequenos abalos que me sustentam e fortalecem.

As surpresas que me arremetem, das pessoas que amo e gosto, por vezes gestos simples ou palavras sinceras, por vezes actos generosos e altruístas ou carinhos abnegados, criam em mim uma forte alegria, fé na vitória e vontade de avançar.
Apesar dos desapontamentos que me flagelaram há uns bons meses, tive a sorte de ter anjos-da-guarda atentos que me fizeram um vigília voluntariosa e desinteressada, dando-me a força anímica para me fortalecer e reconstruir os espaços onde antes só haviam ruínas.

Como vigas mestras, essas singelas surpresas ajudam a manter erecto este singelo edifício que vou edificando. São elas cimento, tijolo e betão armado, que me reconfiguram no espaço e na forma.
É verdade que os meus arquitectos e engenheiros nunca se vão entender, na obra que é a minha essência quotidiana sem projecto no papel, nem alvará da Câmara Municipal. Talvez as fundações tenham sido refeitas demasiadas vezes devido às fragilidades anteriores, causando consideráveis atrasos e derrapagens orçamentais. Mas hoje o estaleiro já vai alto, e o fervilhar de obreiros não para.

O estaleiro está completamente anárquico e desorganizado pois sou um péssimo mestre de obras, mas sei que o meu engenho e perseverança conseguirão edificar um pujante e robusto edifício, capaz de suportar abalos sísmicos intensos. Toda a obra está suportada por estruturas sólidas da minha consciência, contando também com a ajuda de reforços e materiais pré-esforçados que sustentarão qualquer abobada megalómana que possa eventualmente decidir elevar. Por isso sei hoje que não serei mais uma Torre de Babel, sujeita à derrocada eminente e a divisão das vontades e línguas ou um gigante de pés-de-barro, sujeito à queda pelo seu próprio peso.

Gosto de virar páginas. É sempre um marco importante das nossas vidas virar uma determinada página, dar um assunto por encerrado e iniciar um outro processo de vivência no nosso caminho rumo à (i)mortalidade.

Vejo-me a virar a página com bastante suavidade depois de sentir que nunca mais estava a terminar a leitura daquele texto, que embora belo, estava demasiado comprido. Por isso os meus dedos demoravam a pousar no canto da folha para roçar e mudar de página. Agora inicio uma nova leitura, num texto que parece ser mais fluído e interessante. Novas aventuras e sentidos atentos que serão embalados pelo desenrolar de uma nova história, numa leitura renovada.

Foi com um misto de tristeza e satisfação que recebi a notícia que Pete retornará ao seu país. Portugal foi-lhe ingrato, mas ele admite que o facto de não se ter esforçado mais para falar português quebrou as hipóteses de se integrar neste país. Isso, e a atitude e certas portuguesas típicas que gostam de manter romances e esperanças dúbias, sem interesse em concretizar o esforço de sedução… Maus tratos aparte, Pete parte e deixa saudades.

Fico com pena de não ter estado mais vezes com esse amigo e brilhante astrólogo britânico. Mas fazer-lhe-á bem fugir deste país onde “nada funciona, ninguém chega às horas, onde há muita corrupção, onde os alunos são mal educados“, onde vai sentir falta “das pessoas honestas e verdadeiramente genuínas“. Para um inglês sobreviver em Portugal é algo realmente complicado. Pete vira também a sua página, e de certeza estará mais feliz back in London.

As manhãs de Verão que se transmutam, com nuvens cinza e chuviscos tímidos, são para mim muito pesarosas e tristonhas. Reflectem um acto falhado do calor, como se o Verão fosse impotente, incapaz de concretizar o seu amor.
Guio-me pela luz, ardente, cálida e ofuscante de um sol radiante. Faz parte de mim, o rush da luminosidade do amanhecer, forte e intensa, quase ferindo a vista na sua horizontalidade, muito embora praticamente só o veja nos dias que ainda não fui à cama.

Acordar sobre o manto do astro-rei é sempre o prenúncio de um dia de boa disposição, de um cérebro alimentado logo cedo de estímulos luminosos, satisfeito, farto quando ainda estava recrutar neurónios para as funções matinais. A luz é a minha pastilha. Li algures que à indivíduos que sofrem de uma maior sensibilidade à luz. Algo a ver com uns enzimas que o cerebelo produz, assim que a retina lhe traduz a existência de raios solares. É um acordar do lagarto primordial que há em todos nós. Possivelmente sou demasiado lagarto para ter agilidade numa zona com um número meramente razoável de horas de insolação. Talvez necessite de procurar um novo habitat, onde o Sol me queime com os seus raios constantes e não fugidios.

Não devia duvidar tão frequentemente de que a minha capacidade de encaixe está cada vez maior. Não acredito que está maré de pequenos azares quotidianos possa continuar indefinidamente, como um enorme maremoto. Contudo essas pequenas ondas sucedem-se mais do que seria desejável ou provável, e causam em mim algum desespero, pelo menos de causa.

Estou com o que chamo ser uma “ressaca de Primavera“. Tenho insónias, dores de cabeça, estou cansado e sem paciência. Deambulo semi-inconsciente durante toda a manhã, e durante a noite nem um fio de sono de amostra. As minhas energias parecem ter sido drenadas por um demónio vampiresco ou então estou num grave deficit de seratonina.

O meu quotidiano parece também reflectir todo o panorama nefasto e desorganizado do meu intimo: vagas sucessivas de disparates e azares.
É certo de que o facto de o meu carro estar no mecânico mais de uma semana é perfeitamente natural. Percorrer pequenas distancias num bolinhas com menos 80 cavalos também não é assim tão mau como isso, muito embora estivesse mesmo apavorado quando entro numa auto-estrada montado naquela máquina de lavar a loiça (estou mal habituado!). Aborrecido é andar 30 km com a máquina recuperada e ouvir uns sons esquisitos e a direcção assistida ir para o maneta de forma fulminante. Já estou a ver o mecânico a esfregar de novo as mãos de contentamento: “mandar vir peças”; “mão-de-obra”; “afinação” – são palavras que não me apetece ouvir de novo, nem a mim nem à minha carteira.

Acumulada tenha uma interminável lista de afazeres urgentes, quer a nível profissional, quer pessoal. A minha correspondência acumula-se, a minha vontade de escrever é reduzida, todos os planos parecem adiados, mas pendente e numa ligeira reflexão posso listar mas de dez ordenações diferentes de to-do´s.

Mas disse chega. O cúmulo, que me fez despertar foi a situação patética de ter ficado fechado do lado errado da casa, montado numa bicicleta e em calções e sapatilhas enlameadas e t-shirt suada. Senti uma vontade indescritível de pegar na bicicleta e atira-la contra a primeira coisa que se movesse.

Respirei fundo e pensei com os meus pedais: afinal que estou para aqui a fazer?
“show must go on”.
Parece que me estava a esquecer de muito do que aprendi nestes últimos meses.