ano

Nada. Não me apetece fazer absolutamente nada. Como se estivesse a tomar uma boa dosagem de Prozac para ficar pacato e preguiçoso. Castrado. Mas não estou a químicos, estou apenas a ressacar das diferenças de andamento e velocidade quotidianas. Espero demasiado das pequenas peripécias do momento, ainda sobre o vício da aventura constante e da adrenalina do desconhecido.

Apesar deste ócio auto-inflingido, da tentativa de descanso físico, esta minha vivência plena de contradições, bate continuamente em teclas desgarradas do navegar com terra a vista. Existem pelo menos dez itens mentais de atitudes e acções urgentes e banais que quero efectuar o mais rapidamente possível. São coisas triviais na sua maioria, mas outras são importantes degraus que se sobem na existência, passos fulcrais da vida. Falta-me contudo aquele fogo de executar a tarefa, de planear o acto, que infelizmente nunca me caracterizou. Por isso estou em conflito entre essa apatia indesejada e a vontade de romper as linhas inimigas para ganhar finalmente esta batalha prolongada.

Temo antes demais, que o argumentista desmiolado da minha parca vivência, tenha ficado sem imaginação, reduzido a um aborrecido writers block.
É verdade que desde o inicio deste ano, esse escritor tem-me dado um papel exigente, cheio de cenas rigorosas e tem aperfeiçoado constantemente a minha personagem a ponto de as minhas interpretações melhorarem sensivelmente. Sucederam-se cenas melodramáticas, grandes voltes de face do enredo, grandes momentos cénicos. Será que este argumentista será capaz de manter o seu estilo e manter todo o suspense deste romance policial francês? Ou será que vai entrar num cómodo e medíocre alongamento da estória, para lá de uma banalidade interminável como a horrenda novela do “Anjo Selvagem“?

Prefiro que esta crónica tenha um final à vista, do que se prolongue sem o clímax que se os últimos episódios tiveram.

Não percam as cenas dos próximos capítulos…

ou
como os portugueses descobriram a pólvora

Nestes últimos dois meses uma enorme vaga de portugueses descobriram os weblogs. Actualmente tudo que tem a capacidade de escrever umas linhas, desde o intelectual reciclado de esquerda, até ao aprendiz de crítico literário blogam diariamente, e com direito a notícia no jornal, apesar dos míseros 15 dias de existência. E anuncia-se que se trata apenas de um inicio, uma vez que o ditado popular: “Onde mija um português, mijam logo dois ou três” é um dogma indiscutível.

Apesar deste ruído todo, surgiram muitas pérolas com enorme interesse que fogem à banalidade, mas na sua maioria são conceitos tediosos sobre a actualidade de pensamento típico de quem lê todas as semanas o Espesso, segue atentamente o Acontece, ou vai a todas as estreias hollywoodescas. Há ainda a corrente BE, de intervenção político-social de cariz critico embebida em sarcasmo, que acho profusamente intelectualoide para um weblog. Pior de tudo é que quase todos esses caloiros trocam galhardetes e críticas a torto e a direito e não conhecem nada do que está para além da sua comunidade de templates MacDonalds (ou parecem não ter consciência disso).

Claro que esta vaga revela alguns casos muito interessantes, mas na maioria dos casos trata-se apenas de um barulho ensurdecedor, como que se numa fila de trânsito todos começassem a buzinar. Felizmente isto de buzinar tem as suas vantagens – quem muito buzina também se cansa depressa, e só aqueles com motivações mais profundas do que a novidade de um brinquedo novo é que persistem.
Os cibernautas brasileiros passaram por isso à cerca de um ano, com uma enorme explosão de weblogs em português das américas. Actualmente nem 30% desses blogueiros persistem. Mesmo assim os weblogs brasileiros são de um número assustador, considerado de uma das mais altas taxas de penetração deste fenómeno.

Há lugar para todos na chamada blogosfera (o idiota que usou pela primeira vez este termo deveria ser levado para o Campo Pequeno e fuzilado sumariamente sem direito a um último cigarro), e expresso aqui as boas-vindas a todos aqueles que descobriram finalmente os prazeres de se expressarem através da publicação on-line.

Do Povo e para o Povo

Mesmo que todos fiquem surdos… antes de começar a ouvir-se boa música.

Só aqui um pequeno aparte: fico fulo da vida com o mongolismo de alguns pseudo jornalistas que escrevem sobre aquilo que não fazem a mais pequena ideia, e nem sequer se dignam a fazer um pouco de investigação, limitando-se reproduzir aquilo que os entrevistados lhe dizem. No Diário Económico surge a brilhante frase:

Portugal está cada vez mais presente na blogosfera, contando já com mais 400 'weblogs' nacionais sobre os mais variados assuntos, desde política, à cultura, passando pelo humor.“.

Só um perfeito cretino seria capaz de descobrir a pólvora dos weblogs e apreciando o número de 400 como válido. O Blogs em .pt não é representativo nem de 30% do universo dos Weblogs actualizados regularmente! Muitos livejournals, Pitas, b2 , MovableType , Nucleus , BigBlogTool , BlogWorks XML , Blogalia e Drupal blogs, weblogs.com.br e outras ferramentas de blogação que não passam pelo Blogger, nem pelo blogspot, feitos por portugueses, em português e actualizados ao longo de anos e não semanas como os referidos, não estão inseridos!
Mas como Portugal é um país em que existe sempre alguém a descobrir a pólvora …

5 – Além da distância, um até breve

Já faz algum tempo que regressei, mas nestas coisas de viajar e saborear novos horizontes, há sempre algo que assimilamos de novo.
O reconforto da luminosidade, calor e vivências, valeu-me belos fotogramas de alta-resolução, gravados na minha memória, algo capaz de alimentar a caldeira das emoções por longos períodos de carência energética. A América do Sol vai permanecer um dos meus destinos favoritos, e vou guardar o seu carisma de terra onde o meu espirito pode chegar esvaziado e faminto e regressa sempre pleno e abundante.

O contacto com outras percepções de vida, relega toda aquela ansiedade de frustrações e sonhos futuros, tão típicas dos europeus para o seu devido lugar. Pode soar a falso, mas ambas as vezes que viajei à terra da Vera Cruz, senti-me mudado e rejuvenescido, quer em moral, quer em capacidade de encaixe face aos problemas que se colocam no nosso quotidiano. Muitas vezes sobrevalorizamos aspectos da vida que se tornam insignificantes, e menosprezamos facetas essenciais da nossa curta existência. Essa miopia é curada quando bebemos estas experiências de desprendiamento numa terra linda e brilhante. A Vida deve ser desfrutada assim que nós é oferecida. Não é para usada e consumida na totalidade para construir e perseguir apenas momentos futuros que julgamos serem melhores.
Carpe diem!

Hoje que a distância geográfica e temporal acumulam-se e fazem essa barreira injusta, entre o meu corpo e o cálido mar salgado do Cumbuco, ao sabor do vento na jangada de mestre Pedro, não sinto uma saudade piegas de retornar, apenas acalento essa sensação de paixão consumada com a Vida. Um até breve a essa grande paixão.

Não é necessário fazer considerações sobre a alegria contagiante de ver uma final futebolística tão aguarda e sofrida. Dizer-se que o futebol “move multidões” e é uma “paixão nacional” é ser-se redutor.
O FCP transcende essa questão e vai mais além. Trata-se de uma identidade de humildade, esforço e perseverança. Daí que o seu carisma seja causa e efeito das gentes do norte, pessoas anónimas que se reúnem a volta de uma tribo muitas vezes repudiada e sempre que possível enxovalhada. Muitas vezes o futebol é um simples pretexto, um véu, para um bairrismo genuíno que não é explicável, nem sequer obedece a normas lógicas. Apenas é!

Acusado de ser um “clube regional” e outras balelas, típicas de quem tem dor de cotovelo e vive agarrado aos trofeus de passados longínquos e já esquecidos, o FCP mostrou que este é novamente o ano do Dragão, passados 16 anos. O FCP, como clube e equipa desportiva transcendeu este campeonato regional onde se chega ao cumulo de se dar destaque à luta pelo segundo lugar e mostrou que a vontade e o espirito de luta podem conquistar apenas vitórias. E de facto sempre vai ficar nos anais, como eu previra…

Este troféu teve um sabor especial: deleitei-me a ver as manifestações de júbilo espontâneas, as comemorações de um feito inédito. É indescritível sentir toda aquela gente simples, de todos os estratos sociais, idades e credos, sobressair de expansividade e mostrar o seu azul. Foi enternecedor sentir uma identidade tribalista, uma comunhão partilhada de grupo tão forte e genuína.

Para meu espanto I. alinhou minimamente em ir aos festejos comigo, já que todos os meus compinchas azuis e brancos foram assistir in loco a essa grande proeza. O calor e a festa, o azul e as buzinas tornaram a noite num frenesim mágico. Apesar de cansado creio que estas próximas semanas me reservam novas cambalhotas e reviravoltas na minha existência cinza florescente.

Possivelmente esta será uma das noites mais felizes dos últimos anos, ou uma das mais tristes. Não sou propriamente um adepto fanático do desporto Rei, mas como qualquer cidadão que se preze da minha cidade, um evento destes motiva até quase ao fanatismo qualquer um. A alegria contagiante com que a Invicta se uniu em volta do Glorioso, numa epóca que provavelmente vai ficar na história a letras de ouro e que todos os portistas devem recordar.

Ontem despedi-me do Inspector P., que junto com o Q. e R. seguiam de madrugada até a tórrida Sevilha cheios de emoção, ao passo que N. já devia estar a chegar perto da terra Beirã da qual alguns dos meus genes são oriundos. Fiquei entristecido, com esse sabor amargo, por não ter encontrado um bilhete, essa chave mágica para uma alegria imensa ou para uma desilusão que se quererá esquecer o quanto antes. Enquanto o Ibiza alugado já debitava o CD dos Super Dragões, completamente artilhado de cachecóis do FCP e da Nação, dei um abraço sentido ao Inspector P. e Q. . Estava mesmo com saudades deles e senti que tinha perdido uma viagem. Mas isso não interessa. Haverão mais e maiores viagens!

Melhor será a festa se uma taça for exibida pelos azuis e brancos. Será a euforia contagiante e estarei lá no meio de todos aqueles cromos verdadeiramente raros saídos sabe-se lá onde que se amontoam nas praças da Invicta. Será maravilhoso e para compensar todas as pequenas ausências e anemias emocionais dos últimos dias de ressaca pós Sol. Caso contrário mais vale ir dormir cedo. Mas isso é o pessimismo crónico. Será histórico.

A namorada eu deixei
A namorada eu deixei…
E o trabalho abandonei
Para te dizer
Que até morrer
Que até morrer Porto te amarei!
Allezz allez…
Cântico dos SD

Estou algo envergonhado. Parece que a minha pacata vivência de blogueiro inveterado está a chamar a atenção e os elogios de alguns internautautas atentos. Acho que isso é óptimo para a minha auto-estima, mas deixa uma série de pontos de interrogação sobre a minha simplória motivação de escrever um weblog sobre a minha vida quase banal. Partilho ou exponho-me? Acho antes que desabafo.

in JornalismoPortoNet

Impressões mesmo digitais

O universo dos bolgs introduz-nos numa nova dimensão internáutica. Cada um de nós pode agora erguer a sua voz activa e marcar as suas impressões de uma forma digital, no verdadeiro sentido da palavra.
As formas mais puras e directas de expressão pessoal encontram-se sob a forma de diários que os internautas partilham com toda a comunidade digital. No diário de um meliante encontramos um dos melhores exemplos de percepções pessoais compartilhadas, atraindo de forma peculiar e sedutora mesmo o mais distraído dos navegadores. Ora espreitem lá…

O diário de um meliante, assinado por um auto-intitulado psicótico, descreve mais as divagações intelectuais do dito cujo, que propriamente os acontecimentos quotidianos que não suscitariam interesse, pois poderiam ser encontrados na vida do mais comum dos mortais. No entanto, estas reflexões são baseadas em vivências inspiradoras e, por isso, contêm uma expressividade sensorial notoriamente poética.
Trocando por miúdos, nos acontecimentos mais recentes o autor de tais escritos viajou ao país do sol – o Brasil da praia, paz e pagode. Lá encontrou não só um refúgio fisicamente paradisíaco, como também, e principalmente, uma evasão espiritual que lhe despertou os sentidos. Esta viagem à América do sol concedeu-lhe uma terapia interior que o rejuvenesceu.
Este blog contém também os já clássicos dados do seu autor, arquivos de acontecimentos passados e links para outros sites e blogs.
Mas o curioso neste diário é a bela forma como está escrito. Sobressai entre muitos outros que se limitam a uns rabiscos sem conteúdo que apenas satisfazem a mera afirmação pessoal do seu autor.

Mariana Mota

Publicado por turma001 a 16 maio, 2003 12:25

Obrigado Mariana

NO STRESS pós-traumático

3 – Como contabilizar caipirinhas e outros conselhos úteis

Não se devem estabelecer regras quando queremos fugir à rotina. Essa fuga, é para mim extremamente valiosa, pois no intimo do meu ser, sou um perfeito anarquista praticante no degredo capaz de explodir com qualquer ordem imposta.

Desta vez a promessa de explodir com os últimos neurónios ainda capazes de algum pensamento minimamente articulado foi concretizada.
N. e Dr.P. esses fantásticos companheiros de armas encarregaram-se de liderar as hostes revezando-se no comando de operações que eu também capitanei, se bem que de forma não tão frequente.
Devo dizer com franqueza que não poderia desejar melhores companheiros de armas para estas andanças, não só de desfalecimento mental, como também de férias retemperantes.

Foram muitas horas de diversão, muitos jantares que ficam nos anais da história universal gastronómica, muitas caipirinhas, mulatas, etc…

Para calcular o consumo per capita de caipirinhas (ou caipivodkas) tivemos sérias dificuldades.

N. ultrapassou as 100, e a partir daí as contas ficaram mais complicadas. Até esse ponto elaboramos uma base cientifica de calculo:

  • consumo mínimo Jantar – 2 (variável até 5)
  • Resto da noite base média 2
  • Se estiver com uma queimadela solar subtraia 1
  • Dores de garganta, gastroentrite, ou voo no dia seguinte subtraia 3
  • Se houver factor «Oi!» acrescente 3
  • Se na entrada do Club pedirem seu número telefone acrescente 2 (caso consiga dizer meia em vez de 6 subtraia 1)
  • Caso o clube esteja cheio de mais e se alguém conhecido subornou o Barmen acrescente 4
  • Se teve coragem de subornar o Barmen some 2
  • Se está a chover subtraia 2
  • Se esteve a chover todo o dia acrescente 3

Com esta base cientifica atingimos uma média ponderada conjunta per capita de 6.11111 caipirinhas/caipivodkas por noite.

Mas fora estes exageros, que abracei num grito de cisne consciente, nada como um confortável alheiamento e euforia de amizade genuína, sob um cenário de antro do paraíso. Nada de planificações, reservas de hotel, roteiros turisticos.

«-Onde vamos amanhã?», «-Se conseguirmos voo, que tal Salvador?», «-Oi!», «TAM, VASP. VARIG ou GOL?», «-A que pare em menos apeadeiros!» , «-Oi!».

Assim as coisas têm mais graça, mais aventura, adrenalina. Obriga a mente a despertar e estar alerta e a saber horientar-se num território novo e talvez hostil. Mas é isso que nos faz sentir Vivos.

N. praticamente cresceu e se fez homem ao meu lado, conhecendo-o eu há mais de 15 anos, numa amizade que sempre valeu nos bons e maus momentos. Dr.P é compincha de há 8 anos de noites desregradas. Nada como um par de amigos full flavour para tornar as coisas hilariantes e potentes. Nada de lights.
Não vale a pena fazer umas férias assim sem levar um de cada… Antes esquecer a escova de dentes!

NO STRESS pós-traumático

2 – Realidade redescoberta

Umas boas férias reflectem-se não no tempo em que estivemos ausentes, mas sim nas mudanças que encontramos quando chegamos. Quando digo mudanças não me refiro só ao que se passou na nossa ausência, mas também na forma como encaramos aqueles pequenos pormenores, que dantes podiam passar completamente despercebidos ou originarem grandes dores de cabeça.

Os nossos sentidos estão carentes, sôfregos, alertas, depois de vários dias de estímulos contínuos e não se deixam iludir por situações repetidas. É como um jogo de descubra 10 diferenças, que dantes passaria ao lado e agora a vista vai certeira a todas as pequenas modificações. É esse contexto que me ajuda a recuperar de uma peregrinação inesquecível: recuperar uma realidade que deixamos esquecida, cinzenta de estar tão desgastada e que de repente está de novo com cores garridas.

A redescoberta do nosso quotidiano, o retornar aos locais comuns pode ser feita com prazer, saboreando e usando uma nova perspectiva de uma grande angular que nos permite uma visão nova da nossa parca rotina e reduzido território.

Por isso quero ser um peregrino eterno, para me descobrir, e para redescobrir tudo e todos os que me rodeiam.

1 – America do Sol

Não foi a primeira vez no Brasil e com certeza também não será a última. A verdade é que necessitava assim de umas férias que me permitissem um alheamento total a todos os pequenos e grandes problemas do nosso quotidiano. E estas férias foram isso mesmo: o afastamento físico e mental de todas essas pieguices, para poder ter uma visão mais panorâmica do que tenho em mãos.

A vida é para ser vivida“, “aproveita o momento” e todos esses chavões, lá na América do Sol ganham todo o seu significado e recordam-me do quando e importante aproveitar cada momento em que o nosso coração ainda pulsa. Essa urgência sem ansiedade e importância de viver só pode ser plenamente entendida a quem testemunhou um pôr-do-sol numa praia perdida, ou sentiu a imensidão de um sertão, ou quando se bóia num mar quente e super salgado durante um hora, alturas quando apenas se sente o Criador e um calor aquece o espirito.

Claro que não há só maravilhas. Há o desespero da fome, mesmo ali ao lado da mais sumptuosa riqueza e abundância; o crime violento bota-chumbo-nele mesmo ali ao lado da mais humilde e honesta comunidade; a prostituição bem na esquina de duas igrejas protestantes apinhadas de gente. São estes contrastes que nos dão a mais forte chapada de realidade, que nos remetem para um novo horizonte de pensamento mais pragmático e menos ocidentalizoido-europeu sobre o bem-estar e a moral.
Talvez a pobreza não seja só fonte de desespero, nem a riqueza fonte de alegria. É certo que o anúncio televisivo do 1 de Maio fosse cruel e repugnante por mostrar as enormes desigualdades sociais no Brasil:

“Marcelo consegue apanhar 40 figos num minuto. Para conseguir comprar esses mesmos 40 figos, Marcelo terá de trabalhar 8 horas.”

Contudo vi mais sorrisos, simpatia, carisma e alegria de viver nas gentes mais humildes, do que naqueles bem de vida. É inesquecível sentir as gentes de um lugarejo perdido e a sua filosofia de vida simples e honesta, sem nada a esconder, sem reservas. A frontalidade e esperança com que encaravam a vida era mesmo motivante, e a sua coragem e positivismo embriagantes. Nas grandes cidades, já há mais uma lei da selva, um clima de competição que não combina com o resto, mas que mesmo assim pode ter o ar da sua graça, em particular no Nordeste.

Ainda embebido neste espírito, que por incrível que pareça, nada diferente do que eu trouxe à uns seis anos atrás. Sair do jacto após tantas horas e desaguar num Rio a amanhecer é indiscritível. Mais ainda é sentir logo no ar não só o calor térmico, mas algo mais que não se pode traduzir em palavras: o espírito da América do Sol, da terra da Vera Cruz. E isso não aparece em fotografias…

Despido de juízo, penso que te desejo
E sei que meu tempo cavalga e urge.
Viajo em breve para onde não tenho destino;
No derradeiro encontro, esse adeus insano,
Quebraste a minha consciência
Semeaste minhas dúvidas plenas de sedução.

Tento esquecer todos os beijos que ficaram
E de como vazastes meu tino, derramado
Num inocente sussurro que me faz ferver a libido.
Sou agora um espectro que se consome de paixão.
A tua lembrança crava uma adaga no coração.
Será meu destino, procurar e retornar a esse amor vivido?

A tristeza amarga da saudade consumada
Gela-me num calor tórrido da incerteza.
Viajo agora sem sair, penso em voltar,
Vazio de emoçõo das distâncias percorridas
Anseio a força de todas as caricias contidas
Abraço o esquecimento do inesquecível.

Presidiário de uma cadeia de ausências,
Sinto falta do teu olhar,
Sinto falta do teu sorriso,
Sinto falta dos teus abraços,
Sinto falta dos teus beijos.

A noite passada

A noite passada acordei com o teu beijo
descias o Douro e eu fui esperar-te ao Tejo
vinhas numa barca que não vi passar
corri pela margem até à beira do mar
até que te vi num castelo de areia
cantavas “sou gaivota e fui sereia”
ri-me de ti “então porque não voas?”
e então tu olhaste
depois sorriste
abriste a janela e voaste

A noite passada fui passear no mar
a viola irmã cuidou de me arrastar
chegado ao mar alto abriu-se em dois o mundo
olhei para baixo dormias lá no fundo
faltou-me o pé senti que me afundava
por entre as algas teu cabelo boiava
a lua cheia escureceu nas águas
e então falámos
e então dissemos
aqui vivemos muitos anos

A noite passada um paredão ruiu
pela fresta aberta o meu peito fugiu
estavas do outro lado a tricotar janelas
vias-me em segredo ao debruçar-te nelas
cheguei-me a ti disse baixinho “olá”,
toquei-te no ombro e a marca ficou lá
o sol inteiro caiu entre os montes
e então olhaste
depois sorriste
disseste “ainda bem que voltaste”

Sérgio Godinho : A noite passada

Parte IV – Últimos preparativos

As despedidas sucedem-se e os preparativos intensificam-se. Não que eu esteja demasiado ansioso ou histérico em antecipação com estas férias que acalentava há tantos anos. Muito pelo contrário, não estou sequer com planos de estadia. Apenas sei que vou desaguar no Galeão seguindo directo a Búzios e depois logo se vê… Digamos que vou ao sabor do vento, ou melhor das mulatinhas & capirinhas.

Toda a questão prende-se com o serviço que tenho que deixar pronto na velha Europa: não só no campo profissional, como noutros campos. Envergonho-me que na última semana, a minha vontade de trabalhar e atenção está muito próxima da capacidade de uma Amiba.
Três jantares com as mais belas presenças em quatro dias, intercalados por um chá a dois, tem colocado a toda a prova a minha capacidade de endurance física e mental, e isto para não falar em acérrimas noitadas.

Finalmente acelero para todo-galope, esporas e chicote incessantes, tentando encabeçar a fila da frente e rezando que ainda sobre estamina para o sprint que ainda muito lá à frente vai ser exigido. Já só sinto o vento sibilando, o ruído ensurdecedor do troar dos cascos e visualizo uma linha imaginária no horizonte bem em frente, essa meta que ainda está longe.
E a todo-galope…

Parte III – Perdendo o Clube Kitten@Lux

Uma das noites mais especiais dos últimos anos, em termos de diversão noctívaga e andamento, foi sem dúvida a minha ida em Março até à grande cidade, qual groupie , para atender a dois conceitos de andamento nocturnos, que me são particularmente ternos: o Lux e o Clube Kitten.

Fiquei triste por saber que dia 25 de Abril o Clube Kitten@Lux volta ao seu esplendor, justamente numa data que eu vou estar a dar uma de búzio, nessa amada terra distante. Será por uma boa causa. Acho que me vou conseguir perdoar.

Ontem, foi mais uma noite de aeroporto. Confesso que estou muito chegado aquela gente, conjunto de alienados e cavalos de corrida. E ainda mais aquelas lindas mulheres. Por momentos preferia ter uma vida mais fútil, como alguém ligado à aviação e aeroportos. É vida dura, mais tem muito glamour e mais-valias interessantes. É a vida… Não se pode ter tudo.

A impaciência é sempre inimiga da sabedoria. Eu diria mesmo que é inimiga de qualquer equilíbrio mental ou emocional.
Sempre fui demasiado ansioso e sôfrego, mas a vida deu-me um par de lições ingratas mas profundas.

Uma em particular rendeu-me uma morte eminente, em que tive consciência plena que não teria grandes possibilidades de sobrevivência. Estava perante a morte certa, mas soube encarar a besta do pânico e não cedi. Na plenitude da aceitação da Inevitabilidade, na serenidade lógica, e na paz que fiz comigo e com o mundo, sem ânsias, deu-se o milagre. Sobrevivi contra todas as hipóteses matemáticas, que envolviam o tempo, a distância, os danos irreversíveis, os estados de choque, que os médicos equacionaram. Mas afinal esqueceram-se das variável fundamentais: a fé e vontade.

Nada desde então me deu mais provas que a nossa vontade pode ser grande, mas não deve ser uma birra de criança mas sim a perseverança de um idoso. O equilíbrio como inimigo da impaciência. A Vontade sobre o Caos. Existir ou Viver
Sei que muitas vezes relaxo a minha guarda e esqueço a minha bóia de salvação. Hoje mais que nunca a impaciência pode ser a minha maior inimiga.

Mas mais uma vez não me vou deixar morrer.

Hoje tive um sonho muito estranho. Sonhei que S. tinha um blog, logo ela que apenas vive da sua pacatez muito espiritualista e misteriosa, longe das teknologias.
No sonho, S. revelava-me o endereço do seu blog, e foi logo visita-lo. Mas por incrível que pareça o meu browser não conseguia reter o bookmark e eu não conseguia decorar a URL.
Lí avidamente as entradas de um site muito minimalista, mas contendo um flash onde dois enxames de minusculos pixels negros em espiral colidiam e se separavam, como se fossem duas galáxias sempre em movimento paralelo. Eu estava demasiado entusiasmado para perceber o que continha, ou talvez estupidificado com o sorriso lindo e matreiro que S. me tentava ao meu lado.
Estava estasiado, mas também nervoso por ter receio de depois não conseguir voltar a ler o seu blog. E assim acabou, com S. sorrindo languidamente para mim.

É sem duvida um sonho muito neo-Freudiano, e talvez a sua interpretação seja muito simples. Talvez não.

Questionamo-nos sempre sobre os nossos actos. Um sentimento judaico-cristão incutido socialmente, onde a moral e os bons costumes se tornam a base da nossa cultura e civilização.
São conceitos básicos, que tomamos como princípios morais, mas que no fundo fazem parte de um conjunto de crenças religiosas se os autopsiarmos cientificamente.

Os remorsos, a esmola, a partilha, não fazem parte do homem com espécie animal, nem como indivíduo, mas sim como ser que se socializou e como tem que viver em comunidade tem que respeitar um padrão de condutas, senão essa comunidade não é funcional.
Os 10 mandamentos de Moisés, hermeticamente assimilados na Arca da Aliança são um sustentáculo de normas rígidas inflexíveis sem as quais não existiria a sociedade tal como o temos hoje. Escusado será dizer que matar é mau, tratar mal os pais é mau, por os cornos ao vizinho é mau, roubar é mau, mentir é mau, invejar os bens do vizinho é mau. Isso é uma base de comportamento social numa comunidade pacifica.

Mas a degeneração destes princípios simples que todos poderíamos aceitar para viver, sem violência animalesca, foram o longo de milhares de anos revistos e aumentados de forma a reduzir o nosso libre arbítrio.
Espartilham a consciência de forma a condicionar a nossa individualidade. Que bases tem as normativas da maior parte das religiões para catalogarem a Soberba, Avareza, Luxúria, Ira, Gula, Inveja e Preguiça como pecados? Interissincamente todo homem e mulher padece desses ditos males, e porque carga de água não gostaria eu de ser independente (Soberba), ter ambição (Avareza), ter sexo (luxúria), capacidade de me revoltar (Ira), gostar de um bom jantar (Gula) , desejar igualdade na repartição da riqueza ( Inveja) , ir de férias (Preguiça)???
Estarei a pecar? Não terei remorsos? Vou arder no Inferno?
Temos esses dados adquiridos, incutidos como pecados que nos devemos abstrair de fazer… uma vez que assim não seremos tão dependentes da sociedade comunal e por analogia da religião.
O mais estranho é que manifestamente, J.C. esse grande revolucionário, que mete no bolso, qualquer Che, apenas nos terá ditado um único mandamento:

Amai-vos uns aos outros como eu vos amei.

Com edições revistas e aumentadas dos seus ensinamentos, ao longo da Historia conseguiram muitas exagetas a soldo dos ”regimes” recuperar as tais normas socializantes e pseudo-moralisadoras, lendo em entre-linhas inexistentes, e incutindo nos analfabetos leituras que nunca existiram no Novo Testamento, ele próprio recortado e censurado nos temas mais picantes ou incómodos. Assim foi construída a nossa consciência civilizacional, moral e ética, baseada em costumes restritivos e normas de conduta: os pecados…
No Sábado, num jantar pantagruélico que se prolongou por cinco horas em casa de C., com demasiadas garrafas de tinto, rapidamente questionamo-nos se pecar, ou ser socialmente conveniente não seriam opostos. E decidimos que realmente éramos pecadores, ou pelo menos não éramos pessoas-carneiros.
Depois estava demasiadamente ofuscado mentalmente e foi ao Kitten @ Triplex, numa multidão esmagadora. Prometi a mim mesmo que não voltava a repetir a façanha… Afinal era um autentico pecado

Hoje estou completamente exausto e o meu cérebro está a queixar-se veementemente. O meu estado e estilo de vida desde Fevereiro não é compatível com o meu emprego, nem com o meu corpo. Estou cansado e não vejo meio de as coisas mostrarem sinais de abrandamento.

As mazelas encontram-se por todo lado e apesar de eu estar a apostar numa dose de tortura diária de 30 minutos de grande intensidade na minha máquina de andas-mas-não-sais-do-sítio para recuperar a forma física.

Mas o problema não é o esforço, mas sim o efeito cavalo de corrida: uma vez deixando de trotar e começando a galopar, não se para. Vai-se em frente a toda a bolina.

Na semana passada N. bateu com o carro às 9 AM depois de nos termos despedido de mais uma noite que acabou no talho antigo. Os remorsos e ao mesmo tempo a sorte que teve de não ser abordado para bufar no balão, confundiram bastante as ideias de N. Acho que a operação Dead or Glory @ Vera Cruz promete. Pelo menos o Dr.P. continua a fazer directas e a atender os clientes no consultório sem ir à cama, após uma noite bem bebida. Como as minhas pilhas Duracell estão a ficar gastas talvez seja altura de pensr em comprar uma dessas recarreveis a ver se acompanho a pedalada…

Eram os anos da C. e tivemos um jantarzinho animado, mas demasiado frugal no Artes em Partes. A seguir fomos ao Triplex e mais uma vez prendi-me e perdi-me com a S. que mais uma vez me deixou de quatro, só me faltando uivar. Não consigo resistir aquele olhar, nem à poderosa excentricidade e fascinante personalidade de S. Creio que tudo mais não existe quando falamos.
No meio da confusão até deu para rever a G. e falar com o DJ Kitten, sempre simpático.

Felizmente, ou talvez infelizmente N. e C. lá me convenceram que era tarde e deixamos o Triplex. Fui imbecil em ir, pois seguiu-se a desgraça do costume até depois amanhecer, com C. a gritar-me perguntas desconfortáveis ao ouvido, que eu tentei esquivar-me gesticulando que não percebia, devido ao volume sonoro do talho. Muito inteligente sem dúvida…

Sábado foi a vez de I. e fomos jantar fora. Mais uma vez, eu, de forma muito coerente e inteligente, me deixei arrastar para longas conversas de lutos, típicos temas de conversa de moscas-mortas, e simultaneamente acompanhados de seduções ambíguas e flirt. Apesar da intimidade, um certo melódrama.

Estou em crer que as mulheres da minha geração, e que agora estão disponíveis, estão a passar por momentos de crise. Em geral há sempre um terrível nó naquelas cabecinhas, cheias de ansiedade, desalento por histórias de contos de fadas que correram mal, príncipes encantados que fugiram ou que se revelaram o verdadeiro lobo mau. Estou algo farto de ouvir estas histórias que apenas mudam de personagens, mas com o mesmo tipo de papeis.
É um erro de uma geração que está sempre a carpir o passado. Por isso eu gosto de ser um homem sem passado. Apenas vivendo o presente. Jantar e noitada anteontem, ontem, amanhã. Triplex hoje e amanhã? Talvez tenha mesmo que procurar outras gerações…

Antevejo um fim de semana brutal, ao estilo cavalo-de-corrida-bofes-de-fora, com uma noite do Clube Kitten @ Triplex sábado, e possivelmente uma secção de malabarismo a três bolas. Assim não me vou divertir muito… Estou perdido.
Talvez apenas apanhar um pifo monumental que me sirva de desculpa cobarde e adolescente.

Estou também perdido financeiramente. O meu Nokia afirma que durante os últimos trinta dias, somente 8:12:34 de Duração de todas as cham. .


Como diz N. “-Muito bom! Muito bom! Muito bom!

Obrigado, presidente Bush

Obrigado, grande líder George W. Bush.

Obrigado por mostrar a todos o perigo que Saddam Hussein representa. Talvez muitos de nós tivéssemos esquecido de que ele utilizou armas químicas contra seu povo, contra os curdos, contra os iranianos. Hussein é um ditador sanguinário, uma das mais claras expressões do mal hoje.

Entretanto essa não é a única razão pela qual estou lhe agradecendo. Nos dois primeiros meses de 2003, o sr. foi capaz de mostrar muitas coisas importantes ao mundo, e por isso merece minha gratidão. Assim, recordando um poema que aprendi na infância, quero lhe dizer obrigado.

Obrigado por mostrar a todos que o povo turco e seu Parlamento não estão à venda, nem por 26 bilhões de dólares.

Obrigado por revelar ao mundo o gigantesco abismo que existe entre a decisão dos governantes e os desejos do povo. Por deixar claro que tanto José María Aznar como Tony Blair não dão a mínima importância e não têm nenhum respeito pelos votos que receberam. Aznar é capaz de ignorar que 90% dos espanhóis estão contra a guerra, e Blair não se importa com a maior manifestação pública na Inglaterra nestes 30 anos mais recentes.

Obrigado porque sua perseverança forçou Blair a ir ao Parlamento com um dossiê falsificado, escrito por um estudante há dez anos, e apresentar isso como “provas contundentes recolhidas pelo serviço secreto britânico”.

Obrigado por fazer com que Colin Powell se expusesse ao ridículo, mostrando ao Conselho de Segurança da ONU algumas fotos que, uma semana depois, foram publicamente contestadas por Hans Blix, o inspetor responsável pelo desarmamento do Iraque.

Obrigado porque sua posição fez com que o ministro de Relações Exteriores da França, sr. Dominique de Villepin, em seu discurso contra a guerra, tivesse a honra de ser aplaudido no plenário, honra que, pelo que eu saiba, só tinha acontecido uma vez na história da ONU, por ocasião de um discurso de Nelson Mandela.

Obrigado porque, graças aos seus esforços pela guerra, pela primeira vez as nações árabes, geralmente divididas, foram unânimes em condenar uma invasão, durante encontro no Cairo.

Obrigado porque, graças à sua retórica afirmando que “a ONU tem uma chance de mostrar sua relevância”, mesmo países mais relutantes terminaram tomando posição contra um ataque.

Obrigado por sua política exterior ter feito o ministro de Relações Exteriores da Inglaterra, Jack Straw, declarar em pleno século 21 que “uma guerra pode ter justificativas morais” e, ao declarar isso, perder toda a credibilidade.

Obrigado por tentar dividir uma Europa que luta pela sua unificação; isso foi um alerta que não será ignorado.

Obrigado por ter conseguido o que poucos conseguiram neste século: unir milhões de pessoas, em todos os continentes, lutando pela mesma idéia, embora essa idéia seja oposta à sua.

Obrigado por nos fazer de novo sentir que, mesmo que nossas palavras não sejam ouvidas, elas pelo menos são pronunciadas, e isso nos dará mais força no futuro.

Obrigado por nos ignorar, por marginalizar todos aqueles que tomaram uma atitude contra sua decisão, pois é dos excluídos o futuro da Terra.

Obrigado porque, sem o sr., não teríamos conhecido nossa capacidade de mobilização. Talvez ela não sirva para nada no presente, mas será útil mais adiante.

Agora que os tambores da guerra parecem soar de maneira irreversível, quero fazer minhas as palavras de um antigo rei europeu a um invasor: “Que sua manhã seja linda, que o sol brilhe nas armaduras de seus soldados, porque durante a tarde eu o derrotarei”.

Obrigado por permitir a todos nós, um exército de anônimos que passeiam pelas ruas tentando parar um processo já em marcha, tomarmos conhecimento do que é a sensação de impotência, aprendermos a lidar com ela e a transformá-la.
Portanto, aproveite sua manhã e o que ela ainda pode trazer de glória.
Obrigado porque não nos escutastes e não nos levaste a sério. Pois saiba que nós o escutamos e não esqueceremos suas palavras.

Obrigado, grande líder George W. Bush.

Muito obrigado.

O escritor Paulo Coelho

Carta ao Presidente Bush

Por MIA COUTO

Senhor Presidente:

Sou um escritor de uma nação pobre, um país que já esteve na vossa lista negra. Milhões de moçambicanos desconheciam que mal vos tínhamos feito. Éramos pequenos e pobres: que ameaça poderíamos constituir ? A nossa arma de destruição maciça estava, afinal, virada contra nós: era a fome e a miséria. Alguns de nós estranharam o critério que levava a que o nosso nome fosse manchado enquanto outras nações beneficiavam da vossa simpatia. Por exemplo, o nosso vizinho – a África do Sul do “apartheid” – violava de forma flagrante os direitos humanos.

Durante décadas fomos vítimas da agressão desse regime. Mas o regime do “apartheid” mereceu uma atitude mais branda: o chamado “envolvimento positivo”. O ANC [Congresso Nacional Africano, actualmente no poder em Pretória] esteve também na lista negra como uma “organização terrorista!”. Estranho critério que levaria a que, anos mais tarde, os taliban e o próprio Bin Laden fossem chamadas de “freedom fighters” por estrategas norte-americanos. Pois eu, pobre escritor de um pobre país, tive um sonho. Como Martin Luther King certa vez sonhou que a América era uma nação de todos os americanos. Pois sonhei que eu era não um homem mas um país. Sim, um país que não conseguia dormir. Porque vivia sobressaltado por terríveis factos. E esse temor fez com que proclamasse uma exigência. Uma exigência que tinha a ver consigo, caro Presidente. E eu exigia que os Estados Unidos da América procedessem à eliminação do seu armamento de destruição maciça.

Por razão desses terríveis perigos eu exigia mais: que inspectores das Nações Unidas fossem enviados para o vosso país. Que terríveis perigos me alertavam? Que receios o vosso país me inspirava? Não eram produtos de sonho, infelizmente. Eram factos que alimentavam a minha desconfiança. A lista é tão grande que escolherei apenas alguns:

– Os Estados Unidos foram a única nação do mundo que lançou bombas atómicas sobre outras nações;

– O seu país foi a única nação a ser condenada por “uso ilegítimo da força” pelo Tribunal Internacional de Justiça;

– Forças americanas treinaram e armaram fundamentalistas islâmicos mais extremistas (incluindo o terrorista Bin Laden) a pretexto de derrubarem os invasores russos no Afeganistão;

– O regime de Saddam Hussein foi apoiado pelos EUA enquanto praticava as piores atrocidades contra os iraquianos (incluindo o gaseamento dos curdos em 1988);

– Como tantos outros dirigentes legítimos, o africano Patrice Lumumba foi assassinado com ajuda da CIA. Depois de preso e torturado e baleado na cabeça o seu corpo foi dissolvido em ácido clorídrico;

– Como tantos outros fantoches, Mobutu Seseseko foi por vossos agentes conduzido ao poder e concedeu facilidades especiais à espionagem americana: o quartel-general da CIA no Zaire tornou-se o maior em África. A ditadura brutal deste zairense não mereceu nenhum reparo dos EUA até que ele deixou de ser conveniente, em 1992;

– A invasão de Timor-Leste pelos militares indonésios mereceu o apoio dos EUA. Quando as atrocidades foram conhecidas, a resposta da Administração Clinton foi “o assunto é da responsabilidade do Governo indonésio e não queremos retirar-lhe essa responsabilidade”;

– O vosso país albergou criminosos como Emmanuel Constant, um dos líderes mais sanguinários do Taiti, cujas forças paramilitares massacraram milhares de inocentes. Constant foi julgado à revelia e as novas autoridades solicitaram a sua extradição. O Governo americano recusou o pedido;

– Em Agosto de 1998, a Força Aérea dos EUA bombardeou no Sudão uma fábrica de medicamentos, designada Al-Shifa. Um engano? Não, tratava-se de uma retaliação dos atentados bombistas de Nairobi e Dar-es-Salam;

– Em Dezembro de 1987, os Estados Unidos foi o único país (junto com Israel) a votar contra uma moção de condenação ao terrorismo internacional. Mesmo assim, a moção foi aprovada pelo voto de cento e cinquenta e três países;

– Em 1953, a CIA ajudou a preparar o golpe de Estado contra o Irão na sequência do qual milhares de comunistas do Tudeh foram massacrados. A lista de golpes preparados pela CIA é bem longa;

– Desde a Segunda Guerra Mundial, os EUA bombardearam: a China (1945-46), a Coreia e a China (1950-53), a Guatemala (1954), a Indonésia (1958), Cuba (1959-1961), a Guatemala (1960), o Congo (1964), o Peru (1965), o Laos (1961-1973), o Vietname (1961-1973), o Camboja (1969-1970), a Guatemala (1967-1973), Granada (1983), Líbano (1983-84), a Líbia (1986), El Salvador (1980), a Nicarágua (1980), o Irão (1987), o Panamá (1989), o Iraque (1990-2001), o Kuwait (1991), a Somália (1993), a Bósnia (1994-95), o Sudão (1998), o Afeganistão (1998), a Jugoslávia (1999);

– Acções de terrorismo biológico e químico foram postas em prática pelos EUA: o agente laranja e os desfolhantes no Vietname, o vírus da peste contra Cuba que durante anos devastou a produção suína naquele país. O “Wall Street Journal” publicou um relatório que anunciava que 500.000 crianças vietnamitas nasceram deformadas em consequência da guerra química das forças norte-americanas.

Acordei do pesadelo do sono para o pesadelo da realidade. A guerra que o senhor Presidente teimou em iniciar poderá libertar-nos de um ditador. Mas ficaremos todos mais pobres. Enfrentaremos maiores dificuldades nas nossas já precárias economias e teremos menos esperança num futuro governado pela razão e pela moral. Teremos menos fé na força reguladora das Nações Unidas e das convenções do direito internacional. Estaremos, enfim, mais sós e mais desamparados.

Senhor Presidente:

O Iraque não é Saddam. São 22 milhões de mães e filhos, e de homens que trabalham e sonham como fazem os comuns norte-americanos. Preocupamo-nos com os males do regime de Saddam Hussein, que são reais. Mas esquece-se os horrores da primeira guerra do Golfo [em 1991] em que perderam a vida mais de 150.000 homens.

O que está destruindo maciçamente os iraquianos não são as armas de Saddam. São as sanções que conduziram a uma situação humanitária tão grave que dois coordenadores para ajuda das Nações Unidas (Dennis Halliday e Hans Von Sponeck) pediram a demissão em protesto contra essas mesmas sanções. Explicando a razão da sua renúncia, Halliday escreveu: “Estamos destruindo toda uma sociedade. É tão simples e terrível como isso. E isso é ilegal e imoral.” Esse sistema de sanções já levou à morte meio milhão de crianças iraquianas.

Mas a guerra contra o Iraque não está para começar. Já começou há muito tempo. Nas zonas de restrição aérea no Norte e no Sul do Iraque acontecem continuamente bombardeamentos desde há 12 anos. Acredita-se que 500 iraquianos foram mortos desde 1999. O bombardeamento incluiu o uso maciço de urânio empobrecido (300 toneladas, ou seja, 30 vezes mais do que o usado no Kosovo).

Livrar-nos-emos de Saddam. Mas continuaremos prisioneiros da lógica da guerra e da arrogância. Não quero que os meus filhos (nem os seus) vivam dominados pelo fantasma do medo. E que pensem que, para viverem tranquilos, precisam de construir uma fortaleza. E que só estarão seguros quando se tiver que gastar fortunas em armas. Como o seu país, que despende 270.000.000.000.000 dólares (duzentos e setenta mil milhões de dólares) por ano para manter o arsenal de guerra. O senhor bem sabe o que essa soma poderia ajudar a mudar o destino miserável de milhões de seres.

O bispo americano monsenhor Robert Bowan escreveu- lhe no final do ano passado uma carta intitulada “Por que é que o mundo odeia os EUA?”. O bispo da Igreja Católica da Florida é um ex-combatente na guerra do Vietname. Ele sabe o que é a guerra e escreveu: “O senhor reclama que os EUA são alvo do terrorismo porque defendemos a democracia, a liberdade e os direitos humanos. Que absurdo, sr. Presidente! Somos alvos dos terroristas porque, na maior parte do mundo, o nosso Governo defendeu a ditadura, a escravidão e a exploração humana. Somos alvos dos terroristas porque somos odiados. E somos odiados porque o nosso Governo fez coisas odiosas. Em quantos países agentes do nosso Governo depuseram líderes popularmente eleitos substituindo-os por ditadores militares, fantoches desejosos de vender o seu próprio povo às corporações norte-americanas multinacionais?” E o bispo conclui: “O povo do Canadá desfruta de democracia, de liberdade e de direitos humanos, assim como o povo da Noruega e da Suécia. Alguma vez o senhor ouviu falar de ataques a embaixadas canadianas, norueguesas ou suecas? Nós somos odiados não porque praticamos a democracia, a liberdade ou os direitos humanos. Somos odiados porque o nosso Governo nega essas coisas aos povos dos países do Terceiro Mundo, cujos recursos são cobiçados pelas nossas multinacionais.”

Senhor Presidente:

Sua Excelência parece não necessitar que uma instituição internacional legitime o seu direito de intervenção militar. Ao menos que possamos nós encontrar moral e verdade na sua argumentação. Eu e mais milhões de cidadãos não ficámos convencidos quando o vimos justificar a guerra. Nós preferíamos vê-lo assinar a Convenção de Quioto para conter o efeito de estufa. Preferíamos tê-lo visto em Durban na Conferência Internacional contra o Racismo. Não se preocupe, senhor Presidente. A nós, nações pequenas deste mundo, não nos passa pela cabeça exigir a vossa demissão por causa desse apoio que as vossas sucessivas administrações concederam a não menos sucessivos ditadores. A maior ameaça que pesa sobre a América não são armamentos de outros. É o universo de mentira que se criou em redor dos vossos cidadãos.

O maior perigo não é o regime de Saddam, nem nenhum outro regime. Mas o sentimento de superioridade que parece animar o seu Governo. O seu inimigo principal não está fora. Está dentro dos EUA. Essa guerra só pode ser vencida pelos próprios americanos. Eu gostaria de poder festejar o derrube de Saddam Hussein. E festejar com todos os americanos. Mas sem hipocrisia, sem argumentação para consumo de diminuídos mentais. Porque nós, caro Presidente Bush, nós, os povos dos países pequenos, temos uma arma de construção maciça: a capacidade de pensar.

São tempos estranhos. Afinal de contas cheguei às três décadas, o que faz deste vosso amigo um excelentíssimo trintão. Dantes não me visualizava a completar essa data algo cruel e até demasiado velha, e ao passo que o meu aniversário se aproximava, dei por mim a dar uma espécie de grito dos 20. De forma inconsciente, ou quem sabe consciente, assumi uma postura muito ao estilo quero lá saber, quero é aproveitar.

Decididamente acho que estou numa fase muito positiva, e tal como os gauleses de Asterix só posso recear que o céu me caia na cabeça… Tenho que voltar a afirmar que existe um padrão muito próprio minha fugaz existência:

  • Ou está uma seca que transforma tudo num deserto ;
  • Ou cai um diluvio que mete tudo debaixo de água ;
Por isso deixo-me enredar na grande molha que me cai em cima…

O ritmo desenfreado que mantenho, pode não ser muito saudável, nem a maneira como tenho lidado com os enormes imbróglios e confusões afectivas, ou avalanches de paixões. Mas é um ritmo, é uma batida cardíaca acelerada do gosto de viver e de tentar aproveitar. Sem constrangimentos ou remorsos, responsavelmente mas não sem dúvidas ou erros.

O medo de errar foi sempre o meu maior fantasma, mas neste período coloco esse medo num sótão bafiento e abraço sem pudor todos os erros e asneiras, desde que faça aquilo que o meu coração e consciência me ditaram.

Sem histórias do passado, nem grandes planos para o futuro. Não é revendo o passado e focando os Ses e os não Ses que se pode usufruir do presente nem Viver com V grande. Igualmente, não é planeando uma enorme táctica a meses ou anos de distância que a nossa vida vai mudar ou evoluir. Afinal somos uns bichinhos tão ínfimos e dependentes de tantas variáveis e tantas influências poderosas, que nem sempre podemos tomar as rédeas do caminho que vamos seguir daqui a uns anos. Por isso o ideal é navegar com terra a vista, focando a costa e modificando e adaptando a nossa rota, sempre que o vento muda a sua direcção e o relevo da costa e as ondas nos ameaçam.

E sendo assim, serei em breve, também um Pedro Álvares Cabral. A ver vamos…