ano

Na impossibilidade temporária de correr, o meu desporto favorito, vejo-me forçado a procurar alguma forma de queimar calorias. Fazer piscinas é algo em o que custa realmente é começar. Chegar até a pista olhar para aquele espaço azul que estará só ligeiramente tépido com touca, óculos de marciano e calções justinhos é no mínimo tedioso.

A Natação é solitária e profundamente centrada em nós mesmos. O azul fundo da piscina que braçada após braçada se vai lentamente movendo, para retornar mais outra vez na mesma direção não podia ser mais aborrecido. Porém entre umas boas dezenas de braçadas e quando as piscinas efectuadas se vão acumulando e a respiração começa a ser sincopada com os movimentos dos braços e pernas há uma faísca na mente.

A pouco e pouco no meio do exercício as paredes e o chão azul deixam de lá estar e só se segue o risco azul escuro (não se vá bater quando este terminar com a cabeça no fim da piscina! ) – e passamos a um estado que eu considero ser muito próximo da meditação. Como nas longas corridas, deixamos lentamente mas inexoravelmente de sermos um corpo em exercício físico, para sermos uma mente que se esvazia de pensamentos, que se liberta das preocupações e pesos. O corpo e a mente começam a libertarem-se em ritmo e sem esforço deixam de pensar para serem totalmente leves. Braçada a braçada, assim como passada a passada na corrida, temos o nosso momento de zen. E depois a exaustão obriga-nos a parar.

Quando termino, cansado mas leve tenho as mesmas sensações daquelas corridas ao Sol de mais de uma hora. Que saudades.

Nos últimos anos tenho aumentado o meu interesse pelo desporto das massas. O novo ópio do povo, ou se preferirem o futebol, acaba por nos apanhar como uma espécie de polvo.

Para onde quer que vamos, qualquer jornal que abrimos, qualquer noticiário que vemos na TV, somos bombardeados com informação irrelevante acerca  do futebol nacional e internacional, debates semanais acerca de clubites entre os três grandes.

Se por um lado estou meio farto de todo esse futebol, não deixo de deixar apaixonado pelo meu clube de eleição, o FCP.  Este infelizmente atravessa um mau momento, depois de uma época intensamente dourada, deixou-se cair em mares mais revoltos. A incapacidade de um treinador hoje deu-me mais um desgosto, porém não será por isso que vou abandonar o meu amor. Só não quero é ouvir falar em futebol até ao carnaval…

Há bandas que envelhecem mal. Como um vinho verde que se deixa pasar uns anos e se transforma em algo turvo e avinagrado. Os Nirvana foi uma das minhas bandas prediletas (logo que o seu álbum «Nevermind» chegou a Portugal corri logo a comprar um CD no longínquo ano 1991) e é disso exemplo – o grunge não resistiu bem ao passar das modas e ecoa muito mal passado estes anos todos… Porém a música e o video clip de Smell like teen Spirit ainda hoje me fazem as tripas entrarem em ebulição e o coração a bombar a um passo de desatar ao saltos como quando tinha 18 anos.

Ontem foi um dia que terminou sob o auspicio da saudade e de velhas amizades. E regado a Number Ten no seu final como recordando algumas façanhas menos honrosas de grande apreciador de gin tónico.

O meu maninho veio fazer as suas férias de Natal da sua grande aventura africana e junto com o meu colega da faculdade G., jantamos ao som do futebol. Uma francesinha típica da nossa cidade com o cenário da derrota do verdadeiramente glorioso frente ao Sporting que estimulou um ar de desilusão. Porém esse desaire em casa do adversário não foi o suficiente para ensombrar uma noite de reencontros e de por a conversa em dia enquanto sorviamos as Sagres de lei.

Velhos amigos e veteranos de guerras académicas e afins recordamos episódios caricatos e memoráveis sentido a saudade de uma juventude física que já não temos, mas sabemos que os nossos ossos não são o estigma do nosso envelhecimento. As nossas mentes são bem abertas e do futebol à política mostramos a nossa abertura a jovens ideias e ideais. As questões existenciais, a paternidade, os planos de futuro polvilharam a conversa deste terno de jovens que se recordaram dos tempos idos com encanto e humor. Os ossos podem estar mais perros mas as mentes estão ainda afiadas. Pena que a noite se esfumou tão depressa.

Se há algo que eu não aprecio é a organização metódica, apesar de lhe reconhecer a imperiosa necessidade. Sou desorganizado por essência, ou melhor a minha forma mais eficaz de arquivo de documentos é o método do vulcão onde um maço de papeis se amontoa à semelhança de uma chaminé de um vulcão em que no centro  estão os documentos mais recentes e importantes ao passo que à medida que nos afastamos do centro as coisas arrefecem…

Por isso participar num processo de inventário para mim é algo de tremendamente aborrecido e contra natura  e está na minha lista de interesses logo a seguir a ver uma reality show da TVI durante quatro horas seguidas. A minha mente desorganizada não alinha muito bem com essas tarefas organizativas e nada como ressacar o inicio do ano com contagens maçadoras e repetitivas. Felizmente há que dizê-lo este ano não me afetou particularmente, pois há sempre a bonança que se segue a estas pequenas tempestades.

Começa o ano, comem-se as passas e fazem-se os desejos para os próximos 365 dias. É assim a tradição.

Este ano fiz os meus desejos só depois de agradecer a bênção de estar vivo e de saúde, rodeado de uma família que amo muito. Que mais pode um homem desejar para ser feliz?

Já no primeiro dia do ano enquanto adormecia o meu diabrete mais novo, com o estômago a latejar de um almoço muito substancial e com os doces como mandam as regras, dei por mim a pensar que  não necessito de mais nada para ser feliz. Para além da espuma dos dias, da rotina diária que nos escraviza existem esses elementos mais importantes que tudo o resto.

O amor incondicional que nos enche o coração, a partilha da nossa breve estadia no terceiro calhau a contar do Sol, a paixão, o saborear e o desfrute da vida, alheio aos medos mundanos e das intermitências da vida é o que nos faz verdadeiramente felizes. Por isso este ano preferi ser grato e apenas desejar ser capaz de fazer que os que me rodeiam  sejam felizes.

 

Faz já umas longas seis semanas que me vejo impossibilitado de correr. Num dos treinos noturnos tardios em que me propunha a fazer uma leves 10 km urbanos eis que a desviar-me de o camião do lixo e dos funcionários de recolha de resíduos urbanos não vi que o asfalto da rua estava armadilhado e fiz um entorse no tornozelo esquerdo. E como um principiante apesar de ter esmurrado todo ao deslizar pelo chão tentei ainda voltar a correr. Dez metros depois percebi que a aquela corrida acabara e que me esperavam dos dolorosos quilómetros a marcar até casa.

Passados estes dias todos sinto o corpo entorpecido e a reclamar por uma boa corrida. Mas pior é a minha mente que exige o relaxante exercício e passeio higiénico de uma corrida, como se o meu cérebro fosse já um junkie pelo running.

Já sabia que correr pode ser tornar uma espécie de dependência, salutar mas um vicio onde as endomorfinas que a corrida origina abastecem o cérebro de boas sensações durante e após a corrida.

Privado da minha fix além de acumular um quilogramas a mais tenho também que me deparar com as pequenas depressões da ressaca da corrida. Não vejo a hora de me sentir capaz de fazer meia milha sem sentir o meu tornozelo a ser trespassado por agulhas de tricot. Resta-me ser paciente e esperar.

É com uma enorme vergonha e até repúdio que descubro nas redes sociais tanta gente expressando a sua xenofobia. Tudo porque nos é pedido, a nós portugueses, para darmos acolhimento aos refugiados sírios.

No meio do desastre humanitário que é guerra civil Síria é confrangedor ler tantos disparates acerca de emigrantes árabes como se todos fossem uma cambada de adeptos do ISIS infiltrados na Europa. A santa ignorância faz com que pessoas pacatas mostrem a fraca fibra moral. A Síria é das poucas regiões do médio oriente onde conviviam várias religiões, inclusive a cristã. E a julgar pelo andar na guerra naquele país, serão esses cristãos que mais temem pelas suas vidas a ponto de tentarem chegar apesar dos inúmeros perigos aos tolerantes países europeus. Mas ao que parece, para muitos países europeus essa tolerância está só escrita nas suas constituições. O medo e o ódio acerca destes acontecimentos muito me recorda o pesadelo de há 70 anos com os senhores das suásticas.

Neste caso, a estupidez humana não para de me surpreender: muito porque a falta de cultura e a iliteracia imperam cada vez mais na era da Internet – e ao contrário do que eu suponha – quanto mais informação (e desinformação) a circular, mais fácil é manipular os estúpidos. É para piorar tudo, os estúpidos têm voz nas redes sociais e as suas afirmações ignorantes chegam sempre aos ouvidos de outros patetas que preferem ler mensagens de medo e ódio, do que simplesmente consultarem a wikipedia.

Ajudar quem está em perigo de vida é um dos lemas teóricos da racionalidade humana, a solidariedade uma das premissas da vida em sociedade, seja qual for a religião ou credo. E manifestamente isso está esquecido.

O conflito da Síria já se iniciou em 2011 e tem escalado numa guerra civil hedionda com radicais islâmicos a cometerem as atrocidades que têm vindo a público. A triste realidade dos refugiados sírios inunda os nossos telejornais há anos, e nós europeus não quisemos saber.

Inicialmente chegaram os clandestinos tunisinos e líbios oriundos de uma primavera árabe – que se tem vindo a revelar um dos piores pesadelos do século XXI – é que os europeus começaram a ver com outros olhos o problema que era o mediterrâneo.

Não tardou para que se vislumbrasse as tragédias sucessivas da travessia do Mare Nostrum. Poucas foram as semanas que não houvesse noticias de naufrágios e barcaças atoladas de gente desesperada com crianças e que ceifavam vidas as centenas. As imagens da guarda costeira italiana a recolher os tais clandestinos ou os seus corpos foram frequentes.

Só quando começaram a chegar barcos carregados de refugiados sírios os dirigentes políticos começaram a mostrar preocupações acerca da catástrofe humanitária que decorre há já cinco anos no médio oriente.

Durante 2015 começou-se a dar outro êxodo e este agosto milhares de refugiados e «clandestinos» terão perdido a vida nessa travessia desesperada. Não vi grande contestação e repudio pelo que estava a acontecer. Os europeus estavam de férias provavelmente.

E eis que se deu uma pequena tragédia entre muitas, mas que foi fotografada de uma forma icónica: o corpo de criança afogada numa praia na Turquia resultado dessa travessia desesperada. Só então, parece que nós europeus despertamos. Não eram números nas noticias, não eram refugiados que tentavam saltar cercas ou atravessarem túneis. Eram os restos mortais de um pequeno menino morto no mar. Uma imagem que valia por mil, ou melhor, milhões de palavras. E finalmente , nós europeus percebemos que existe uma catástrofe humanitária em que centenas de milhar de seres humanos tentam fugir à morte e entrar na pacifica Euripa e no seu desespero de atingir um porto seguro estão dispostos a correr todos os riscos pois já não têm nada a perder.

E o que ainda me custa mais é que se discutem quotas entre os líderes europeus acerca de quantos refugiados cada país da união europeia está disposto a receber, enquanto outro menino e seus pais tentam fugir da morte e entram numa outra barcaça.

Para espanto de alguns a Grécia capitulou. Afinal o Syriza  não tinha um plano B e teve que aceitar as previsíveis consequências de afrontar os credores nomeadamente a Fräulein Merkel.

Se à priori todos sabíamos que o governo grego estava encostado a parede com um garrote financeiro urgente, alguns indícios estranhos como a convocação de um referendo que colocou os prazos para lá do viável no que toca aos compromissos de pagamentos, pareciam indicar que o Grexit estaria à vista. Mas não. Entre a opção dos agiotas partirem as pernas por falta de pagamento ou pedir mais dinheiro emprestado para pagar as dívidas e aguentar mais uns meses ou um ano ou dois sem que lhe dêem uma coça, os pobres gregos capitularam.

Ao aceitarem mais medidas de austeridade, contudo, os gregos no seu interminável calvário, são mais uma vez o bode expiatório e a evidencia que a construção europeia está condenada. Empobrecer mais um país exigindo que pague o que deve não tem razão de ser, simplesmente por uma questão de racionalidade. Ao apertar a economia está-se a impedir que ela possa criar riqueza para pagar as dividas – e o aumento de impostos e todas as medidas de contração da despesa pública só vão conseguir que a Grécia dentro em breve não possa conseguir assumir os compromissos de pagamentos ao FMI e ao BCE  que terá de fazer no futuro.

Ao capitular  a Grécia apenas levou para as calendas gregas a saída da crise.  A Argentina não pagou ao FMI , entrou em banca rota e depois de um choque de dois anos e desvalorização do peso argentino tem uma economia florescente e está já a recuperar da crise em que se tinha afundado.  A Grécia presa ao Euro afunda-se cada vez mais e agora atiraram-lhe com uma bigorna para se agarrar.

Faz hoje exatamente 14 anos que comecei este blog. Nunca imaginei que este sobreviveria tanto tempo, que tenha antecedido a moda de blogar e fosse tão perseverante que quando se tornou démodée manter um diário online ou um site de artigos de opinião ainda existisse de forma resiliente.

Escrever aqui foi como o encontrar de companhia para os bons e maus momentos, e nos períodos de fertilidade da escrita ou de um profundo esquecimento este lugar esteve sempre disponível para me voltar receber.

Há quatorze anos um dos motivos que me levou a começar a escrever num blog foi a deslocalização a que me sujeitei, trocando a minha cidade e um emprego que eu gostava mas numa empresa que afigurava o Passado, por um novo projeto mal definido na grande capital. Estava há muito apaixonado pela K. e sabia que essa paixão não se concretizaria tão cedo, não era o lugar nem o momento. Por isso, por males de amor e de males de gestão encarei que nada tinha a perder, mas sim tudo a ganhar. Comecei a escrever num Palm (imaginem) que me acompanhava regularmente no Alfa Pendular numa malograda aventura que assistiu à derrocada das torres gémeas. O 11 de Setembro envolveu o desencanto de uma nova época de mudança e eu não sobrevivi na grande capital, nesse desterro de migrantes.  Foi uma época de alguma desilusão e de sobrevivência. E foi no psicotico.com que libertei demónios e frustrações assim como enumerei esperanças e registrei bons momentos.

A sua companhia, a sua estranha forma de confidente aberto ao mundo foi uma óptima forma de catástase que para os engodos e vitórias me fez companhia fiel ao longo destes anos. Obrigado!

No rescaldo do referendo grego acerca da aceitação das medidas de austeridade impostas pelos credores o povo grego decidiu dizer não.
Cinco anos depois do primeiro plano de assistência financeira e medidas restritivas da economia a troco de financiamento a Grécia mergulha no desconhecido. O default de um país da zona Euro, impensável quando se idealizou o Euro é já ao virar da esquina.

As crises económicas que se têm avolumando na última década para os países periféricos e do sul da europa são parte das causas que levaram a este colapso da construção europeia. Porém a grande responsabilidade não reside só nas más práticas governamentais desses países mas também e em grande parte na falta de responsabilidade e visão dos grandes motores e potências da europa e dos seus grandes responsáveis. A ditadora Alemanha de Merkel, a ausente França de Hollande e o antieuropedista Reino Unido de Cameron não têm equacionado reformas urgentes na comissão europeia, onde cada vez mais os países nortenhos têm economias pujantes ao passo que as periferias se estagnam e marcam passo.

Dentro dessas reformas essenciais uma se destaca, nomeadamente a reforma fiscal de harmonização de impostos sobre os rendimentos, que deveria ter surgido a quando da entrada em vigor do mercado único e do Euro. Como se justifica que países como o Luxemburgo e Holanda atraíam empresas portuguesas para aí pagarem menos impostos deixando o país de origem com menos receitas?

É inexplicável como se deixa empobrecer um país em detrimento de outro e não se faz nada em contrário aí longo de uma década e se espera que tudo vasos funcionar.
Os gregos apegados com um garrote de impostos e desemprego disseram que já não ser revêem neste estado de coisas. Disserem oxi. E para quando um Não?

A crise do Euro aumenta e a possibilidade mais do que evidente que a Grécia vai sair do Euro é cada vez mais real. Graças a intransigência do FMI e dos governos europeus acerca das medidas de austeridade que querem impor aos gregos, os princípios  dogmáticas e políticos de parte a parte a parte levam rapidamente a construção europeia para a beira do precipício.

Uma verdade incontrolável  é que o abismo que se depara na Zona Euro não é o Syriza ter ascendido ao poder democraticamente por opção do povo grego, nem por ser de esquerda. É a incapacidade e miopia política dos lideres europeus, preocupados com ajustes orçamentais e contas de merceeiro e esquecendo na ultima década que a construção do Euro também se devia alicerçar na harmonização fiscal, um problema que todos quiserem varrer para debaixo do tapete. Os fundos de coesão são meros paliativos para a sangria e desigualdades económicas e sociais que se foram cavando.

Com políticas fiscais harmónicas, cada bandeira a saldos de impostos,  cedo ou tarde os pequenos e menos concorrenciais, tal como o Portugal sofreriam déficits orçamentais contínuos em direção a uma divida soberana insustentável.

Agora depois de um braço de ferro de gente sem grande visão de futuro a não ser o seu próprio umbigo nacional e eleições ao virar da esquina deixou-se arrastar até as ultimas consequências a luta do paga-o-que-deves-e-faz-favor-de-cortar-despesas e o já-chega-de-cinco-anos-de-sacrificios-para-estarmos-ainda-piores.

Talvez seja a altura da fuhrer Merkel, o palhaço Hollande, o Juncker dos paraísos fiscais, o Coelho amestrado e outros maus políticos perceberem que políticas econômicas restritivas não favorecem economias empobrecidas e têm danos sociais e políticos irreversíveis.

E assim que Tsipras faz hari-kari económico leva consigo a credibilidade posta nessa moeda em tempos chamada ECU e muito provavelmente consigo também os elos mais fracos da economia europeia – venha o PIGS que se segue…

Na República das bananas a política está em segundo plano. No mesmo dia que um partido do chamado arco governativo apresenta o seu programa eleitoral o país vive com apreensão uma troca de treinadores de dois clubes de futebol da 2º circular.

Tudo se resume a uma contratação polémica e choruda de um individuo que nem sequer sabe falar a língua de Camões (apesar de materna)  mas que aparenta ter algum sucesso no campeonato português de futebol – um escândalo de vira-casacas clubístico para alguns. Essa questão ofuscou as iniciativas que o atual governo português tem para liderar o país nos próximos quatro anos  na próxima legislatura.

Talvez a maioria dos portugueses seja já demasiado cético em relação aos conteúdos programáticos, uma vez que desde que se vive em democracia esses programas raramente foram cumpridos parcialmente. Talvez o povo português encare os programas dos partidos políticos como literatura utópica onde se descreve um futuro risonho para Portugal com medidas de incentivo, crescimento e redução de impostos na economia e medias de proteção social alargadas, mas que passam rapidamente a letra morta após a campanha eleitoral e a tomada de posse do novo governo.

No fundo todos se habituaram as mentiras eleitoralistas e demagógicas que ficam bem no papel mas que nunca é preciso cumprir e por isso mais vale prestar a atenção ao ópio do povo.

Muita tinta se tem desperdiçado na última semana acerca do acordo ortográfico da língua portuguesa firmado nos idos anos 90. Aparentemente deveria entrar em vigência depois de um período de seis anos em que a ortografia pré e pós acordo poderiam coexistir. A ideia de buscar a unidade da língua portuguesa e a sua defesa e promoção internacional foi implementada sem um acordo consistente entre os países denominados PALOP´s e aparentemente agora só os portugueses é que tem que escrever na sua forma moderna.

O problema é que certos paladinos da essência e pureza da língua, seja lá isso o que for advogam que o acordo é negativo e que as mudanças são problemáticas. Honestamente, a meu ver – na minha humilde opinião – eu que trato tão miseravelmente a língua de Camões – nem sempre as mudanças são para melhor e também sinto certas dificuldades em escrever o tal português moderno. Porém defender a imutabilidade de uma língua seja porque argumentos for não faz muito sentido: não me parece que alguém esteja disposto a continuar a escrever pharmacia pois não?

Muitas vozes se têm insurgido e recusado a escrever legalmente os textos usando teimosamente uma ortografia desatualizada, mas que afinal não é assim tão diferente… as palavras não perdem o seu significado e só umas poucas têm uma roupagem ligeiramente diferente. E provavelmente em 99,99% dos textos é impossível descortinar se está escrito segundo as novas normas ou não.

Toda esta semi-polémica de certos antros intelectuais e alguns jornais mais ascetas do Português leva-me a questionar o porque deste virtuosismo. Uma larga percentagem dos falantes de português são incapazes de escrever duas frases simples sem darem erros ortográficos graves e com a adoção (e não adopção) de dicionários e manuais nas escolas segundo o novo acordo será só uma questão de tempo para que se desvaneçam todos estes preciosismos histéricos. Ao final do dia o corretor ortográfico do processador de texto é que sabe…

Um vídeo que se tornou viral nas redes sociais com a duração de 13 minutos retrata 8 jovens a agredir fisicamente e verbalmente outro jovem sem que este aparentemente consiga reagir. Este episódio triste que se passou há uns meses na cidade da Figueira da Foz tornou-se um tema mediático na imprensa numa espécie de histerismo de repulsa.

O bullying – esse anglicismo que retrata abuso físicos e psicológicos entre miúdos mais fortes sobre os mais fracos – sempre existiu e muito provavelmente sempre existirá. Existe uma pulsão intrínseca no comportamento social dos grupos humanos para se comportarem como as alcateias de lobos. O lobo alfa é o líder é mais forte. O ómega é o mais fraco e todo a alcateia o maltrata. Queiramos ou não a nossa racionalidade é muitas vezes aparente e assim como uma parte do nosso cérebro é reptiliana , outra é semelhante aos mamíferos, os resquícios animalescos, muitas vezes violentos, desabrocham em situações inqualificáveis.

Porém não fiquei chocado pelo evento em si, mas sim pelo incêndio que se gerou de opiniões ferozes contra este fenómeno e pouco falta para exigir que se metam os menores na prisão e se atire a chave fora. A tal viralidade febril dos temas choque que faz com que surjam atitudes de busca da justiça e segurança para as nossas crianças. Fala-se em combater o bullying, implementar medidas, proteger as vitimas. Mas não duvido que da mesma forma que as redes sociais nos metem pelos olhos dentro realidades sombrias em frenesim e velocidade, do mesmo modo nos vão levar o cérebro para temáticas mais benévolas numa espécie de doença de Alzheimer que nos rouba a memória de curto prazo. Será que dentro de duas semana alguém ache que este tema esteve sequer na moda? As ideias e assuntos agora também só têm 5 minutos de fama…

Recentemente tenho me encontrado em situações que me recordam o que há uns bons anos aprendi a muito custo: se tu te mostras com um temperamento pacífico muitas pessoas te vão encarar como um fraco.

Na nossa sociedade competitiva, ser paciente e apaziguador é interpretado como uma falha de carácter, não como um predicado que se constrói conscientemente. Alguém que não responde a uma provocação e visto como acovardado ou sem poder de decisão e não por alguém que percebeu que pelo caminho do conflito e até da violência não se consegue criar.

Embora eu reconheça que tenho um pouco de passividade em excesso – um dos meus principais defeitos – maioritariamente tenho preferido viver de uma forma que me afasta da resposta emocional, o tal sangue quente latino, e prefiro encontrar na minha mente a resposta racional ponderada para as grandes e pequenas equações da vida. É uma tentativa de ter uma vida mais iluminada e menos reativa – a mente a tentar sobrepor-se ao animalesco que gere a nossa vida.

Tentar racionalizar leva a um processo mental como que meditativo que não se projeta o «Eu» , as nossas vontades e expectativas nos outros que nos rodeiam – como a criança que se julga o centro do universo – e busca-se o equilíbrio interno e externo. Porém isto não é nada fácil quando confrontado com as situações que nos rodeiam e o que os outros entendem de nós. A ideia que somos frágeis e «bons», tipo cordeiros ou lobos ómega – leva a comportamentos mais agressivos de impulsividade animalesca de certas personalidades, numa falsa sensação de superioridade. E apesar de me imiscuir de procurar conflitos há momentos que em que não podemos ser tidos como o ómega da alcateia. É preciso mostrar os dentes e delinear um limite, sobpena de sermos usados como saco de pancada.

Aos sessenta e seis anos, o escritor Haruki Murakami é uma referência para mim. Ele começou a escrever e a correr nas suas
trinta e tais primaveras e tem atualmente a sua obra traduzida em 55 línguas e já correu uma ultra maratona. O seu método é relativamente simples: foco e resistência com uma pitada de talento.

A sua genialidade não é unicamente baseada no talento de contador de histórias como só um amante do jazz consegue ter – é também alicerçada num empenho invejável. Levantar-se todos os dias às quatro da madrugada para escrever até ao meio dia e sinal de um compromisso que requer muita determinação. Por sinal essa determinação Murakami admite que foi buscar a sua relação com a corrida: a superação e saber os seus limites e objetivos anda de mãos dadas com o prazer e a liberdade – a corrida e a escrita são artes que requerem todo o esforço de concentração e a força mental para perseguir uma meta.

Este belo exemplo nipónico da nova literatura, um posso sem fundo de criatividade deve ser um modelo a seguir, se bem que a ideia de despertar bem cedo me pareça algo assustadora…

No balanço do atentado ao Charlie Hebdo consigo compreender como uma iniciativa de repudio ao terrorismo abriu tanto debate. No fundo a liberdade de expressão é um tema cara a todos os nós que sentimos os valores fundamentais da democracia subjacentes à génese da revolução francesa – mas infelizmente algo que se tem vindo a perder.

Independentemente do macabro e bárbaro ataque por fanáticos religiosos, a uma redação de uma publicação ultra-satírica que todos devemos reprovar, penso que nem tudo é assim tão ”liberdade de expressão” como isso. A titulo pessoal detesto a sátira e a considero o mais mesquinha e patética forma de fazer humor, logo abaixo do de palhaços de circo. Mas quer se goste ou não da sátira, o Charlie Hebdo não era bem só isso e se supostamente não se impunha restrições de temas de cariz politico, social ou religioso isso não era inteiramente verdade. A velha questão de gozar com os judeus foi tida como anti-semita, logo racista e o cartoonista que abordou o tema foi despedido. Mas os contínuos ataques aos árabes e africanos estranhamente não eram vistos como racistas. Interessante ver como a tal liberdade de expressão parece uma bandeira que anda a favor de algumas vontades.

O terrorismo que se viu em Paris é o resultado inevitável que o ocidente tem vindo a destilar nos países islâmicos do médio oriente com as suas atitudes de supremacia e conivência com Israel ao longo de meio século. Entre jogos de poder, ânsia de matérias primas como o ouro negro invasões por armas químicas fictícias; ou anti-organizações terroristas; ou ataques militares a populações civis porque algures alguém lançou um rocket; assim o ocidente tem seguido as suas politicas de supremacia sem se preocupar de quem esta a sofrer as consequências. Impunemente mantiveram em cativeiro e torturaram milhares de muçulmanos baseados em vagas suspeitas de terrorismo e todos acharam normal. Gerações de jovens sem futuro que tem identificado os ocidentais como os grandes causadores das desgraças que ocorrem em seu redor. O ódio fervilha e logo ali há campo fértil para a  distorção manipuladora sobe o pretexto da religião.

Mas a palavra certa é manipulação. A foto dos dirigentes políticos de vários países ocidentais encabeçando a manifestação de Paris é forjada, assim como o rol de personagens desde o espanhol que quer presos os difamadores que expressão as suas opiniões no facebook, ou o turco que mantém cartoonistas na prisão por atentado ao seu nome. Exactamente os ditadores que odeiam a liberdade de expressão se colocam como defensores do Charlie.

O que aconteceu ao Charlie nada tem a haver com a liberdade de expressão. Trata-te de um ato de terrorismo. Terrorismo esse que tinha um alvo facilitado – haveria argumentos para o ter debaixo de mira. A luta de interesses velados e que podem levar a algo de mais sombrio. As massas com medo não se importam de perder a sua liberdade para terem mais segurança. Não duvido que os franceses vão através do Holland aka («c’est tres difficile» de cumprir as promessas eleitorais), rapidamente fazer aprovar leis que podem vigiar qualquer cidadão francês em especial se tiver a religião muçulmana. Isto e o tratado de Schengen vai ter umas revisões rápidas que vão visar certos e determinados emigrantes. As massas estão com medo e focam o que lhes atiram como o slogan #je suis charlie sem saber bem porque.

Como sumário deste triste acontecimento mediático a liberdade de expressão continua a ser ainda mais cinzenta e a liberdade religiosa parece que vai sofrer um duro revés. O direito à privacidade vai ser quase impossível e a presunção de inocência mais difícil. A igualdade de cidadania letra morta. A fraternidade com os imigrantes árabes um fóssil.
No fundo ficamos menos
livres, menos democratas e o Charlie mais popular. Só.

Depois do circo mediático ter assentado o seu arraial em torno da prisão preventiva do ex-primeiro ministro José Sócrates é inevitável pensar que a nossa democracia está a ser posta à prova.

Recordo-me que na história, casos como este, em que um ex-governante vai preso por indícios evidentes de enriquecimento ilícito levaram ao colapso das instituições e por conseguinte do próprio estado. Nem vale pena falar no caso em si, na personagem abjeta que durante uma década dominou a politica portuguesa, mas sim reflectir como é que é possível que a cultura politica portuguesa esteja repleta de Felgueiras, Isaltinos Limas, Varas e agora Sócrates em que aparentemente desde o presidente da Junta até ao Primeiro Ministro e qui ça, até o Presidente da República gosta de enriquecer às custas dos cargos públicos que exercem.

Não sou pessoa para atirar a primeira pedra, muito menos para achar que esta situação seria impossível – só que estivesse em coma nos últimos vinte anos e acordasse hoje acharia isto estranho; mas acho que chegamos a uma situação de descrédito tal que a democracia está terrivelmente ferida. Os danos feitos pelos tachistas incompetentes que se fazem passar por líderes e pelos carreiristas partidários e jotinhas que aguardam a sua vez de chegar ao poder pôs em causa a credibilidade da republica portuguesa – isto para não falar na falência do Estado – e se não fôssemos nós gente de brandos costumes (leia-se carneiros) teríamos há muito tumultos e quem sabe um ou outro golpe de estado por forças extremistas. Isso seria o normal noutros países, mas felizmente ou melhor pensando infelizmente não sucede em Portugal.

Neste jardim à beira mar plantado desde que se vai a votos há caciques e os enganos da rotatividade partidária – desde tempos Queirosianos – extrapolados no período republicano de há 100 a 90 anos atrás. Depois tivemos um fascismo provinciano de embrutecimento das massas e favorecimentos das elites governativas que durou quase meio século – sistema que só sucumbiu por um golpe militar algo estranho nos cânones das revoluções. Um 25 de Abril de panos quentes e muitos comícios utópicos que deu lugar a um novo bipartidarismo disfarçado que descreve a nossa existência democrática dos últimos quarenta anos.

A justiça portuguesa, famigerada pela sua ineficácia processual, pelo desmesurado poder dos meritíssimos e intocáveis juízes e pela teatralidade da barra do tribunal gordurosamente burocrático, vem agora a jogo em inúmeros processos contra corruptos e corruptores, mas que a mim, mais se assemelha a um foguetório mediatista do que ao natural decurso e independência do poder judicial.

Uma democracia para subsistir necessita por definição de três poderes separados e que garantam o correcto funcionamento dos outros três, numa simbiose que permita que o estado represente as aspirações do seu povo. Do povo e para o povo.

O equilíbrio do poder executivo, legislativo e judiciário em Portugal esta claramente em rotura, por inúmeros problemas a começar por uma Constituição cheia que boas intenções e virgulas a mais e que permite que o estado seja gerido a toque de pandeireta ou a marcha militar conforme a interpretação do leitor. O código penal é uma piada e o código processual parece que está cheio de vales do monopólio de sair da cadeia que advogados bem pagos sabem explorar ao limite. O poder executivo está nas mãos de um chamado bloco central que está contente com a apatia do sistema que permite graças ao clientelismo e clubismo dos eleitores que haja uma rotatividade do poder entre dois partidos que se revezam e alternam, mantendo o status quo e nada fazendo em prol do país. Se correr mal, basta esperar uns anos e volta-se para o poleiro. Se preciso faz-se uma coligação e os tachos perduram. E basta uns anos num cargo ministerial que se arranja uma fortuna em consultorias e outros negócios obscuros num futuro próximo. Basta que se esteja atento às oportunidade de corrupção ou falta de nojo ou cunhas que o sistema tem bem instalado na sua génesis.

No fundo estes políticos em que temos votado nos últimos quarenta anos são as térmitas que devoram aos poucos a talha dourada que é a democracia portuguesa. Brilhante por fora, mas empestada e podre por dentro.